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HOMILIA DO CARDEAL
ZENON GROCHOLEWSKI POR OCASIÃO DO INÍCIO DO ANO ACADÉMICO 2007-2008 NAS
PONTIFÍCIAS UNIVERSIDADES DE ROMA
Basílica Vaticana
Quinta-feira, 25 de Outubro de 2007
No túmulo de Pedro
1. Entrando nesta Basílica, o nosso olhar é atraído imediatamente pelo
monumental baldaquino de Bernini. Ele orienta os nossos corações para o altar do
sacrifício eucarístico, altar edificado sobre o túmulo do humilde pescador da
Galileia.
No início de um novo ano académico, é bom e estimulante encontrarmo-nos todos
juntos, autoridades académicas, docentes, estudantes, funcionários
universitários, reitores de Seminários e de Colégios eclesiásticos, ao lado do
túmulo do Apóstolo Pedro para renovar a fé em Cristo ressuscitado, único Filho
do Pai, professando com o primeiro dos Apóstolos: "Tu és Cristo, o Filho de
Deus vivo" (Mt 16, 16).
Para nós, portadores das esperanças e das interrogações, das dúvidas e das
rejeições dos nossos contemporâneos aos quais desejamos anunciar o Evangelho, é
importante afirmar aqui, com Simão Pedro: "A quem iremos nós, Senhor? Tu
tens palavras de vida eterna!" (Jo 6, 68).
Frágeis e pecadores como somos, mas repletos de confiança na misericórdia do
Senhor, queremos deixar brotar dos nossos corações também a humilde resposta de
Pedro a Cristo ressuscitado, dada à margem do lago de Tiberíades: "Senhor,
Tu sabes tudo; Tu bem sabes que te amo!" (Jo 21, 17).
Como discípulos do Senhor, activos na Igreja, reunimo-nos hoje cheios de
confiança em redor do Sucessor de Pedro para ser por ele confirmados na nossa fé
em Cristo, na fé da Igreja, acolhendo as palavras do Santo Padre Bento XVI e
recebendo a sua Bênção Apostólica.
2. Do baldaquino de Bernini, do altar e do túmulo de Pedro, o nosso olhar é em
seguida atraído pela abside da Basílica, abside onde o alabastro iluminado evoca
o Espírito Santo. Esta imagem predomina sobre a Cátedra: o Espírito assiste e
ajuda Pedro e os seus sucessores no serviço à verdade, na missão de ensino, na
missão de conduzir a Igreja inteira para Cristo, Aquele que é a Verdade. Foi o
Espírito que orientou os grandes Doutores da Igreja do Oriente e do Ocidente,
Atanásio e João Crisóstomo, Ambrósio e Agostinho, representados junto da Cátedra
no seu esforço incansável de aprofundar a Verdade evangélica para a anunciar aos
seus fiéis. É o Espírito que, ao longo da história da Igreja, não cessa de guiar
os teólogos e os pastores a fim de que se coloquem humildemente à escuta da
Palavra do Senhor para a compreender cada vez mais e para a anunciar em
conformidade com as necessidades da própria época.
Assim, das profundezas dos nossos corações, queremos suplicar em conjunto o
Espírito Santo no início deste novo ano, para que ilumine as nossas mentes e as
cumule com a sua graça, a fim de nos podermos abrir cada vez mais à Verdade
mediante a oração e a meditação, o estudo e a investigação, e tudo isto na
humilde disponibilidade à Palavra do Senhor, transmitida pela Igreja: "Veni,
creator Spiritus, mentes tuorum visita, imple superna gratia, quae Tu creasti,
pectora [...] Qui diceris Paraclitus [...] accende lumen sensibus, infunde
amorem cordibus [...] Per te sciamus da Patrem, noscamus atque Filium, te
utriusque Spiritum credamus omni tempore".
"Eu vim lançar fogo sobre a terra"
3. Há pouco ouvimos no Evangelho (cf. Lc 12, 49-53) as palavras que
Ele pronunciou ao ir resolutamente para Jerusalém (cf. Lc 9, 51), onde
haveria de padecer a sua Paixão: "Eu vim lançar fogo sobre a terra; e como
gostaria que ele já se tivesse ateado! Tenho de receber um baptismo, e que
angústia até que ele se realize!".
Nesse momento, Pedro já tinha professado a sua fé em Cristo, sob o influxo do
Espírito, mas talvez ainda não tivesse compreendido todo o alcance das palavras
de Jesus. O seu Mestre tinha sede de mergulhar na própria morte, para levar a
cabo o desígnio de salvação. Desejava cumprir até ao fim a vontade do Pai e
angustiava-se na perspectiva daquilo que o esperava, uma angústia
que prefigurava a agonia do Getsémani.
Mas sucessivamente Pedro, depois da tríplice negação, voltará e seguirá o seu
Mestre até ao fim, e receberá o mesmo baptismo. Chegará o dia em que, aqui na
colina do Vaticano, sacrificará a sua própria vida por Ele, permanecendo fiel à
Verdade que então tinha a missão de conservar.
4. Mediante a sua encarnação, morte e ressurreição, através do seu mistério
pascal, Jesus veio lançar fogo sobre a terra. Quando se dirige aos seus
discípulos, deseja ardentemente que este fogo já tenha sido ateado! Ele veio
trazer o fogo que purifica, o fogo que se acenderá na cruz e inflamará os
corações. Ele veio infundir o Espírito que há-de fazer arder os corações com o
fogo do amor divino. Com os outros Apóstolos, Pedro arderá com aquele fogo
divino no dia do Pentecostes, quando lhes apareceram como que línguas de fogo e
todos ficaram cheios do Espírito Santo.
Nós recebemos este Espírito no dia do nosso baptismo e da nossa crisma. Quanto a
nós, Bispos, sacerdotes e diáconos, recebemo-lo no dia da ordenação, para
cumprir a nossa missão. É o Espírito que nos oferece a possibilidade de viver
todos os dias, segundo as palavras da primeira leitura da Missa hodierna (cf.
Rm 6, 19-23), como que livres do pecado e servos de Deus, para
dar frutos de santificação que conduz à vida eterna em nosso Senhor Jesus
Cristo.
Imploramos este Espírito, este fogo de modo totalmente particular no início
deste ano: "Veni, creator Spiritus [...] donum Dei altissimi, fons vivus,
ignis, caritas et spiritalis unctio". Que Ele nos nos leve a produzir frutos
de santidade em toda a nossa vida e, peculiarmente, nas nossas actividades
académicas! Ele nos faça arder com o fogo do amor de Deus, purificando-nos do
egoísmo e da escravidão do pecado!
Promover a paz
5. A Palavra anunciada por Jesus não é uma simples palavra humana. Jesus é o
Verbo, a Palavra do próprio Deus. A sua Palavra é viva, eficaz e mais penetrante
do que qualquer espada de dois gumes; e penetra até aos sentimentos do coração
(cf. Hb 4, 12). Exorta à conversão e à mudança de conduta, e opõe-se
sempre a tudo aquilo que é marcado pelo pecado, pelas trevas e pela negação da
Verdade. "Julgais que Eu vim estabelecer a paz sobre a terra? pergunta
Jesus no Evangelho de hoje Não, Eu vo-lo digo, mas antes a divisão".
Sem dúvida, Jesus veio trazer-nos a paz, o dom messiânico por excelência. Na
oração quotidiana das Laudes, com Zacarias, exultamo-lo como Aquele que "dirige
os nossos passos no caminho da paz" (Lc 1, 79). O seu nascimento foi
exaltado pelo cântico do exército celestial que louvava a Deus, dizendo:
"Glória a Deus nas alturas, e paz na terra aos homens por Ele amados!" (Lc
2, 14). Porém, esta paz não é a paz sensível e fácil, com a qual os falsos
profetas sonhavam. A sua paz é fundamentalmente a comunhão com Ele na Verdade e
no Amor, mas inclusive no combate espiritual e na luta contra a escravidão do
pecado, como no-lo recordou a primeira Leitura (cf. Rm 6, 19-23). É esta
a paz que nós imploramos do Espírito Santo: "Hostem repellas longius
pacemque dones protinus; ductore sic te praevio vitemus omne noxium".
No nosso trabalho universitário, oremos ao Espírito Santo a fim de que nos
oriente no caminho da paz genuína: que Ele nos ajude a discernir nas nossas
respectivas culturas aquilo que traz sementes de Verdade, em vista de
conduzi-las ao seu cumprimento com a força do Evangelho, mas também o que
precisa de ser purificado e convertido! Peçamos ao Espírito Santo que nos ajude
a aprofundar e anunciar a Verdade do próprio Deus num mundo que gostaria
de se explicar e de se construir sozinho, sem recorrer a Deus. A luta à qual
somos chamados, no seguimento de Jesus, não se encontra porventura no intrépido
esforço de discernimento e, caso seja necessário, de confronto com as correntes
de ideias que plasmam as mentes das nossas sociedades ocidentais?
"...como uma árvore plantada à beira da água corrente"
6. Para concluir, gostaria de citar o Salmo responsorial que pudemos entoar
(cf. Sl 1). Diante de nós abrem-se dois caminhos: o do fiel que depõe a
sua confiança em Deus e o do ímpio que conduz ao vazio. É nisto que se encontra
o cariz trágico da existência humana: temos que escolher entre estes dois
caminhos, não há lugar para um compromisso. O objecto da opção ou da rejeição é
o Senhor, a sua Lei, a sua Palavra. Aqui há vida, aqui há felicidade, aqui há
autêntica fecundidade de uma existência: "Ditoso é o homem que [...] põe o
seu enlevo na lei do Senhor, meditando sobre ela dia e noite. É
como uma árvore plantada à beira da água corrente: dá fruto na estação própria
e a sua folhagem não murcha; em tudo o que ele faz, é bem sucedido" (Sl
1).
O Espírito nos oriente ao longo deste ano universitário no nosso estudo, no
nosso ensino e na nossa pesquisa, mas também na nossa vida de oração pessoal e
litúrgica, na nossa vida comunitária e nas nossas actividades pastorais a fim de
mergulharmos cada vez mais na Palavra do Senhor, como numa fonte de água viva,
no mais profundo dos nossos corações: "Ditoso é o homem que [...] põe o seu
enlevo na lei do Senhor, meditando sobre ela dia e noite. É como uma árvore
plantada à beira da água corrente: dá fruto na estação própria".
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