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APÊNDICES



 

Apêndice I. A

CONSAGRAÇÃO - VOCAÇÃO

Viver quer dizer ser queridos e amados por Deus a cada instante. Se isso é verdadeiro para toda existência, muito mais o consagrado e a consagrada devem estar conscientes do significado da vida como dom de Deus, chamado a viver segundo a lógica do amor divino que nos foi revelado em Cristo! « Nas várias formas de vida suscitadas pelo Espírito ao longo da história, a pessoa consagrada faz experiência da verdade de Deus-Amor de modo tanto mais imediato e profundo quanto mais se aproxima da Cruz de Cristo » (VC, 24). Como batizado — e de modo ainda mais radical, como doado a Deus e aos irmãos — o consagrado é uma epifania do amor de Deus Trindade, que quer entrar em comunhão com a humanidade: « A vida consagrada reflete esse esplendor do amor, porque, com a sua fidelidade ao mistério da Cruz, confessa crer e viver do amor do Pai, do Filho e do Espírito Santo » (ib.).

1. Na vida consagrada, o grande Jubileu que estamos celebrando encontra uma esplêndida concretização histórica e existencial do mistério do amor de Deus, que se manifestou na pessoa de Jesus Cristo. De fato, o Grande Jubileu é uma solene celebração dos 2000 anos da Encarnação do Verbo do Pai e do seu Mistério Pascal, reatualizado pela força do Espírito Santo. Trata-se da máxima concentração do Mistério de Deus-comunhão, Deus-Amor: o Pai que sai de si e cria, entra em comunhão com as suas criaturas, através do Filho Jesus Cristo que, como evento na história, representa a plena comunhão entre Deus e o homem. Essa manifestação-comunhão do Pai, por meio de seu Filho Jesus, se realiza, ao longo da história, através da progressiva efusão do Espírito, pressuposto indispensável a fim de que se realize no íntimo a comunhão entre Deus e a humanidade.

O eterno projeto de Deus é tornar a humanidade partícipe da sua vida trinitária: através de Jesus Cristo, no Espírito Santo, o homem tem acesso ao Pai. A Paternidade de Deus não é um fato sentimental; muito mais que isso, ela é uma realidade que transfigura a pessoa, inserindo-a na intimidade da sua família trinitária. Os cristãos são « participantes da natureza divina » (2 Pd 1,4), porque — como afirma a Carta aos Efésios — « ... é por Ele que temos acesso junto do Pai num mesmo Espírito » (cf. Ef 2,18). Ser santos significa participar da natureza de Deus Pai, por meio de Cristo, no Espírito Santo. Assim, os Cristãos se tornam « concidadãos dos santos e familiares de Deus » (cf. Ef 2,19). O plano eterno de Deus consiste, portanto, em « reunir em Cristo todas as coisas »; e desde toda a eternidade « chamou » a humanidade a entrar em comunhão com ele, incorporando-a no mistério de seu Filho Encarnado: « Bendito seja Deus, Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo. Do alto do céu ele nos abençoou com toda a bênção espiritual em Cristo, escolhendo-nos nele, antes da criação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis diante de seus olhos. Predestinou-nos no seu amor, para sermos adotados como filhos seus, por Jesus Cristo, segundo a determinação da sua vontade... Fez-nos conhecer o misterioso desígnio de sua vontade que, em sua benevolência, ele formara desde sempre, para realizá-lo na plenitude dos tempos: o desígnio de reunir em Cristo todas as coisas, as que estão nos céus e as que estão na terra » (Ef 1,3-6.9-10).

2. Desde toda a eternidade fomos chamados, « em » e « mediante » Cristo, a ser « santos », isto é a participar da « vida santa » de Deus, da sua infinita transcendência. Isso constitui a « consagração » de todo batizado; aliás, pode-se dizer que, no plano de Deus, todo ser racional tem essa vocação. A consagração se identifica com a divinização do homem, e essa, com a sua cristificação, que acontece com a efusão do Espírito.

A vocação da pessoa consagrada é a de tornar ainda mais visível essa « consagração ». A vida consagrada é uma « existência cristiforme » que só é possível « com base numa vocação especial e por um dom peculiar do Espírito. De fato, numa tal existência, a consagração batismal é levada a uma resposta radical no seguimento de Cristo, pela assunção dos conselhos evangélicos » (VC, 14). Desse modo, a pessoa consagrada, não obstante a sua frágil humanidade, é chamada a se tornar uma transparência viva do mistério jubilar de Cristo. De fato, « na vida consagrada não se trata apenas de seguir a Cristo de todo o coração, amando-o “mais do que ao pai e à mãe, mais do que ao filho ou à filha” (cf. Mt 10,37), como é pedido a todo discípulo, mas de viver e manifestar isso com a adesão “conformativa” a Cristo da existência inteira, numa tensão totalizante que antecipa, por quanto é possível no tempo e segundo os vários carismas, a perfeição escatológica » (VC, 16).

Cristo é « imagem de Deus invisível » (Cl 1,15), e, por sua vez, a pessoa humana é imagem de Cristo: « Nós sabemos que todas as coisas concorrem para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são os eleitos, segundo os seus desígnios. Os que ele conheceu de antemão, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre uma multidão de irmãos. E aos que predestinou, também os chamou; e aos que chamou, também os justificou; e aos que justificou, também os glorificou » (Rm 8, 28-30).

De maneira radical e ainda mais evidente, a pessoa consagrada é chamada a se tornar ícone vivente de Cristo: a sua « especial consagração » (VC, 30) não é senão o chamado a uma progressiva cristificação, a ser como um sacramento vivente da presença de Cristo no meio dos homens. De fato, « deixando-se guiar pelo Espírito, num caminho ininterrupto de purificação, tornam-se, dia após dia, « pessoas cristiformes, prolongamento na história de uma especial presença do Senhor ressuscitado » (VC, 19).

3. O Jubileu não é uma simples comemoração de um acontecimento passado. Trata-se de uma realidade que, em certo sentido, acontece todos os dias, porque Jesus de Nazaré ressuscitou realmente e está vivo no meio de nós e em nós. O homem Jesus Cristo, que viveu há vinte séculos, morreu e ressuscitou, constitui « o Princípio e o Fim » (Ap 21,6), « o Alfa e o Omega » (Ap 1,8; 21,6) de toda a criação: tudo foi feito por meio dele e em vista dele, e nele tudo subsiste (cf Cl 1,16). Ele é o divisor de águas da história, o cumprimento e o sentido de todo evento e do universo inteiro.

Humildemente, a pessoa consagrada tem consciência de ter sido chamada a tornar visível hoje esse mistério de Cristo. Se a religião que se funda em Cristo Jesus é religião da glória, é um existir em novidade de vida para o louvor da glória de Deus (cf Ef 1,12); e, se « o homem (vivens homo) é epifania da glória de Deus » (TMA, 6), muito mais o será a pessoa consagrada que é chamada a testemunhar ainda mais radicalmente o mistério de Cristo no meio do mundo.

Se « o Ano Santo deverá ser um único, ininterrupto canto de louvor à Trindade Sumo Deus » (Incarnationis mysterium, 3), os consagrados têm um motivo a mais para louvar e agradecer a Deus: através da sua consagração religiosa, eles foram chamados por Deus para tornarem experienciável aos homens e às mulheres de hoje esse inefável mistério de Deus que, na pessoa de Cristo, irrompeu na nossa história.

O homem contemporâneo tem necessidade de ver que as promessas de Deus, realizadas na pessoa de Cristo, há 2000 anos, se cumprem ainda hoje para ele. O homem contemporâneo, sufocado por mil mensagens, por uma infinidade de palavras, mais do que nunca tem necessidade da « Boa Nova », da « Palavra » que se faz carne da sua carne. O homem de hoje está cansado de falsas promessas de felicidade; ele precisa do cumprimento das promessas, tem uma desesperada necessidade de Salvação. O homem de hoje é sedento e faminto de amor, de amizade, de compreensão; ele precisa de alguém que o ajude a superar suas angústias, seus medos, suas incertezas; precisa de alguém que dê sentido à aparente absurdidade que o rodeia.

Redescobrir o rosto de Cristo: essa é a primeira finalidade do Jubileu. O fato de que seja alcançada, vai depender também das pessoas consagradas...

 

Apêndice I. B

COMUNHÃO-ECUMENISMO

Neste ano jubilar que marca o início do terceiro milênio cristão, fazendo memória viva da encarnação do Senhor, a Igreja é chamada a se redescobrir mais uma vez como mistério de comunhão. O plano preestabelecido do Pai sobre o mundo é que os homens sejam e vivam como filhos no único Filho (Ef 1,4s) e Deus seja « tudo em todos » (1 Cor 15,28). O mistério da comunhão, fundado em Cristo, Verbo encarnado, morto e ressuscitado, e que se tornou possível para nós pela efusão do Espírito Santo, é o mesmo mistério da Igreja. A vida consagrada, como dom especial do Espírito, tem a tarefa de tornar visível a comunhão do povo de Deus por meio de uma vida fraterna autêntica e estavelmente vivida, de modo tal que o mundo possa encontrar na comunhão a resposta ao profundo desejo de autêntica relação com Deus e com os irmãos.

1. Antes de se entregar para a salvação do mundo, Jesus roga ao Pai que todos sejam uma coisa só, apontando como paradigma dessa unidade a sua eterna relação filial: « como tu, Pai, estás em mim e eu em ti, para que eles sejam um, como nós somos um... eu neles e tu em mim, para que sejam perfeitos na unidade e o mundo reconheça que tu me enviaste e os amaste como amaste a mim » (Jo 17,21.23). Todo o empenho de Deus no mundo tem essa finalidade: que os homens participem da vida divina que é amor perfeito, perfeita reciprocidade de dedicação entre Pai e Filho no Espírito Santo. O Pai criou cada pessoa, enviou seu Filho unigênito e efundiu o Espírito para que cada qual fosse introduzida na vida divina e vivesse em comunhão com todos.

A Igreja, que nasce do sacrifício de Cristo e da efusão do Espírito, não tem nenhuma outra finalidade a não ser a de tornar possível a « comunhão » da humanidade, abrir a ela a vida trinitária. E, porque a vida divina é vida trinitária (comunional), a Igreja é o « sacramento » onde se tornou possível aos homens salvarem-se como membros da única família de Deus.

São Paulo escreve: « Em um só Espírito fomos batizados todos nós, para formar um só corpo » (1 Cor 12,13; cf. Ef 4,4). De fato, o Espírito é princípio de comunhão porque é a expressão personificada do Ágape (Amor) que, por sua natureza, une: « O amor de Deus foi derramado em nossos corações por meio do Espírito Santo que nos foi dado » (Rm 5,5). Ele é o princípio de unidade e de comunhão porque a unidade da Igreja é graça e dom de Deus: tornando-se uma só coisa com Cristo, a Igreja se constitui realização do eterno desígnio de Deus. Jesus se encarnou, morreu e ressuscitou, a fim de que essa unidade se realize, para reconduzir os homens lacerados pelo pecado, à unidade com o Pai, o Filho e o Espírito Santo (cf Ef 2,11-22).

2. Se esse é o mistério da Igreja como comunhão, os consagrados chamados a uma particular radicalidade no seguimento de Cristo e a uma peculiar visibilidade da conformação a Ele, são também chamados a mostrar ao mundo a visibilidade da Igreja como mistério de comunhão. A vida fraterna que deve caracterizar os consagrados, segundo as diversas espiritualidades que lhes são próprias, torna-se o lugar onde o mistério eclesial se oferece na visibilidade de pessoas que se reconhecem membros uns dos outros em Cristo. Se a pessoa consagrada deve atualizar a radicalidade da sua vocação batismal, quer dizer que a sua vocação de consagrada é uma vocação à eclesialidade, à « com-unionalidade ». Deste ponto de vista, a justificação teológica da vida consagrada se encontra em tornar-se sempre mais elemento de promoção de vida em comunhão na Igreja. Nós nos consagramos ao Senhor para viver de maneira mais radical a própria eclesialidade, isto é, o próprio ser comunional do qual a Trindade é a origem, o modelo e o fim: « À vida consagrada está confiada outra grande tarefa, à luz da doutrina sobre a Igreja-comunhão, proposta com grande vigor pelo Concílio Vaticano II: pede-se às pessoas consagradas que sejam verdadeiramente peritas em comunhão e que pratiquem a sua espiritualidade » (VC, 46).

A vida fraterna em que as pessoas consagradas são chamadas a viver a própria vocação torna-se a forma expressiva de uma vida autenticamente eclesial: « A Igreja é essencialmente um mistério de comunhão, “povo unido pela unidade do Pai, do Filho e do Espírito Santo” (S. Cipriano, De oratione Dominica, 23: PL 4, 553). La vita fraterna intende rispecchiare la profondità e la ricchezza di tale mistero, configurandosi come spazio umano abitato dalla Trinità, che estende così nella storia i doni della comunione propri delle tre Persone divine » (VC, 41).

A fraternidade em que as pessoas consagradas vivem sua pertença ao Senhor não pode ser reduzida a dinâmicas puramente sociológicas ou psicológicas: ela deve ser redescoberta e compreendida no seu caráter teologal de dom e mistério: « Na vida de comunidade, também deve se tornar palpável que a comunhão fraterna, antes de ser instrumento para uma determinada missão, é espaço teologal onde se pode experimentar a presença mística do Senhor ressuscitado (cf Mt 18,20) » (VC, 42).

Na celebração do Grande Jubileu, é muito importante recordar como, nos dois mil anos de história da Igreja, as pessoas consagradas foram uma presença profética e inspiradora de comunhão para toda a comunidade eclesial: « À vida consagrada cabe seguramente o mérito de ter contribuído eficazmente para manter viva na Igreja a exigência de fraternidade como confissão da Trindade » (VC, 41). É preciso que esse impulso profético dos consagradosas jamais enfraqueça; pelo contrário, é necessário que, neste terceiro milênio cristão, ele seja continuamente retomado e alimentado.

3. Por essa peculiar vocação à eclesialidade, própria das pessoas consagradas, a vida fraterna em comunhão deve ser alimentada todos os dias por uma fiel oração pessoal e comum, por uma constante escuta da Palavra de Deus, por uma sincera revisão de vida que, do sacramento da Reconciliação, haure a força para um renascimento contínuo; por uma tenaz imploração da unidade « dom especial do Espírito para aqueles que se colocam em obediente escuta do Evangelho ». « É precisamente Ele, o Espírito, que introduz a alma na comunhão com o Pai e com seu Filho Jesus » (cf 1 Jo 1,3) (VC, 42). Somente quando o Espírito se apoderar da nossa humanidade, do nosso coração, da nossa necessidade de amor e de ternura... somente então as comunidades religiosas serão « pequenas Igrejas », sinal da presença do Espírito.

Nessa dinâmica de vida fraterna que, para a Igreja e para o mundo, é expressão e sinal de autêntica comunhão com Deus e com os irmãos e irmãs, um espaço absolutamente central deve ser reservado ao sacramento da comunhão, por excelência, a SS. Eucaristia: « Coração da vida eclesial, a Eucaristia é também o coração da vida consagrada. A pessoa chamada, pela profissão dos conselhos evangélicos, a escolher Cristo como sentido único da sua existência, como poderia não desejar instaurar com Ele uma comunhão cada vez mais profunda, por meio da participação diária no Sacramento que o torna presente, no sacrifício que atualiza o seu dom de amor no Gólgota, no banquete que alimenta e sustenta o Povo de Deus peregrino? » (VC, 95). Aos consagrados não é possível serem testemunhas de comunhão, se a sua existência não encontra o seu coração no Memorial da Páscoa: « Por sua natureza, a Eucaristia está no centro da vida consagrada, pessoal e comunitária. [...] Nela, cada consagrado é chamado a viver o mistério pascal de Cristo, unindo-se com Ele na oferta da própria vida ao Pai, por meio do Espírito. [...] E na celebração do mistério do Corpo e do Sangue do Senhor se consolida e se incrementa a unidade e a caridade daqueles que consagraram a Deus a sua existência » (VC, 95).

4. Nesta grande celebração jubilar, a vida consagrada — redescobrindo-se como sinal da vida em comunhão — indica ao mundo contemporâneo a resposta que Deus mesmo dá ao homem que aspira a uma relação verdadeira com Ele e com os homens. Realmente, o homem é exigência de comunhão e de felicidade total. Somente em Cristo se abre para ele a graça de uma resposta plena.

Na nossa época, dolorosamente marcada por individualismos extremos, que colocam o homem contra o homem e, ao mesmo tempo, por coletivismos em que a pessoa é sacrificada para a afirmação de uma etnia ou de uma nação sobre outra, o Grande Jubileu recorda a todos o mistério da comunhão que nos foi revelado em Cristo e oferecido a todos os homens, que brota do próprio coração de Deus Trindade. Aqui, à imagem do inefável mistério divino, as pessoas são chamadas a sair de si mesmas para encontrar, no dom de si ao outro, a sua verdadeira identidade. Aqui, a vida em comunhão vivida pelos consagrados assume um papel particularmente urgente nos dias de hoje: « Com a incessante promoção do amor fraterno, mesmo sob a forma da vida em comum, a vida consagrada revelou que a participação na comunhão trinitária pode mudar as relações humanas, criando um novo tipo de solidariedade. Desse modo, ela aponta aos homens quer a sublimidade da comunhão fraterna, quer os caminhos concretos que a essa conduzem. As pessoas consagradas vivem « para » Deus e « de » Deus, e por isso mesmo podem confessar a força da ação reconciliadora da graça que abate os dinamismos desagregadores presentes no coração do homem e nas relações sociais (VC, 41).

Neste início do terceiro milênio, mais do que nunca, a vida consagrada, com sua bimilenar experiência de vida fraterna, é chamada a testemunhar a comunhão como a realidade em que o homem chega realmente a si mesmo, deixando-se amar e aprendendo a fazer de si um autêntico dom, no respeito e na valorização de todas as diferenças que, no mistério da comunhão, se tornam riqueza e fator de unidade, não mais de separação: « Situadas nas várias sociedades do nosso planeta — sociedades muitas vezes abaladas por paixões e interesses contraditórios, desejosas de unidade, mas incertas sobre os caminhos a seguir — as comunidades de vida consagrada, nas quais se encontram, como irmãos e irmãs, pessoas de diferentes idades, línguas e culturas, aparecem como sinal de um diálogo sempre possível e de uma comunhão capaz de harmonizar as diferenças (VC, 51).

Por isso, todos aqueles que Deus chamou a uma especial conformação a Cristo, tomem consciência de que « a Igreja confia às comunidades de vida consagrada a missão particular de fazerem crescer a espiritualidade da comunhão, primeiro em seu próprio âmbito e depois, na comunidade eclesial e para além de seus confins, iniciando ou retomando incessantemente o diálogo da caridade, sobretudo nos lugares onde o mundo de hoje se mostra dilacerado pelo ódio étnico ou por loucuras homicidas » (VC, 51).

Mas, exatamente diante dessa tarefa de serem promotores de unidade entre todo o gênero humano, como não sentir de novo o sofrimento pelas divisões internas do povo de Deus e, por isso, a urgência de que se cumpra a plena comunhão entre os cristãos?! Para isso é preciso que, na vida consagrada, a ânsia e o empenho pela unidade entre todos os que crêem em Cristo tenham um lugar privilegiado. Antes de tudo, isso quer dizer assumir a súplica do próprio Cristo: « sejam perfeitos na unidade » (Jo 17,23). Tal unidade — é preciso estar bem conscientes disso — « em última palavra é dom do Espírito Santo » (TMA, 34); por isso toda « a Igreja implora do Senhor que cresça a unidade entre todos os cristãos das diversas Confissões, até que se alcance a plena comunhão » (TMA, 16). Como conseqüência, emerge aqui o dever dos consagrados a propósito disso: « Na verdade, se a alma do ecumenismo é a oração e a conversão, não há dúvida de que os Institutos de vida consagrada e as Sociedades de vida apostólica têm uma particular obrigação de cultivar esse empenho. Por isso, na vida das pessoas consagradas, é urgente abrir espaços maiores à oração ecumênica e a um testemunho autenticamente evangélico, para que se possam abater, com a força do Espírito Santo, os muros das divisões e dos preconceitos entre os cristãos » (VC, 100).

 

Apêndice I. C

MISSÃO - TESTEMUNHO - MARTYRIA

O Grande Jubileu, « o ano de graça », não tem outra finalidade a não ser criar as condições favoráveis para a Igreja, corpo de Cristo, a fim de que o Espírito, mais uma vez, a renove e purifique, reatualizando, no tempo jubilar, a obra de libertação e de cura que — há vinte séculos — havia realizado na Pessoa de Jesus de Nazaré: « O Espírito do Senhor está sobre mim; pelo que me ungiu e enviou-me para anunciar a boa nova aos pobres, para sarar os contritos de coração, para anunciar aos cativos a redenção, aos cegos a restauração da vista, para por em liberdade os cativos, para publicar o ano da graça do Senhor (um ano de jubileu) » (Lc 4,18-19).

1. Se o carisma da vida consagrada consiste sobretudo em ser especialmente conformados a Cristo, então num certo sentido a pessoa religiosa é ungida pelo Espírito para ser enviada ao mundo. Afinal, como se sabe, a vida religiosa como carisma é dada para o bem do Corpo de Cristo que é a Igreja. O documento Vita consecrata afirma: « E o Espírito, longe de afastar da história dos homens as pessoas que o Pai chamou, coloca-as a serviço dos irmãos, segundo as modalidades próprias do seu estado de vida, e as encaminha para a realização de tarefas específicas, de acordo com as necessidades da Igreja e do mundo, através dos carismas próprios dos vários Institutos. Daí a aparição de múltiplas formas de vida consagrada, através das quais a Igreja é “embelezada com a variedade dos dons de seus filhos, como uma esposa adornada para o seu esposo” (cf Ap 21,2) e fica enriquecida de todos os meios para cumprir a sua missão no mundo » (VC, 19).

Neste ano jubilar, as pessoas consagradas, cristificadas (« ungidas » pelo batismo e pela consagração religiosa), deixar-se-ão compenetrar ainda mais pela força do Espírito para atualizar com eficácia sua missão no mundo: « À imagem de Jesus, dileto Filho “que o Pai consagrou e enviou ao mundo” (Jo 10,36), também aqueles que Deus chama a seguir Cristo são consagrados e enviados ao mundo para imitar o seu exemplo e continuar a sua missão. Valendo fundamentalmente para todo discípulo, isso se aplica de modo especial àqueles que são chamados, na forma característica da vida consagrada, a seguir Cristo “mais de perto” e a fazer dele o “tudo” de sua existência. Portanto, na sua vocação está incluído o dever de se dedicarem totalmente à missão; mais, a própria vida consagrada, sob a ação do Espírito Santo que está na origem de toda vocação e carisma, torna-se missão, tal como foi toda a vida de Jesus » (VC, 72).

Jesus Cristo aquele sobre o qual o Espírito desce e repousa, viveu toda a sua vida como missão do Pai: é aquele que o Pai mandou; não vem por si mesmo, mas é enviado do Pai (Jo 8,42) para cumprir a sua vontade; e a sua vontade é que não pereça nenhum daqueles que lhe deu, mas que o ressuscite no último dia (Jo 6,38s). Assim, o consagrado e a consagrada, chamados a se conformarem visivelmente a Cristo, deverão viver a própria vida como missão, e assumir, de modo todo especial, a expressão de Cristo Ressuscitado: « como o Pai me enviou, também eu vos envio » (Jo 20,21)!

Portanto, com todos os próprios dons específicos, a existência concreta dos consagrados é chamada a manifestar-se totalmente na missão para a salvação do mundo.

2. Hoje, sente-se sempre mais na Igreja a exigência de unir à obra de evangelização a da « nova evangelização » e se toma consciência também do papel decisivo que o consagrado e a consagrada devem ter nela. Essa exigência tão importante requer, mais do que um esforço organizativo ou estratégico, uma maior docilidade à ação do Espírito Santo, sem a qual se corre o risco de « lutar em vão ». Paulo VI afirmava que : « A evangelização jamais será possível sem a ação do Espírito Santo » (EN, 75), e João Paulo II, retomando o ensinamento de seu predecessor, insiste: « Também para a nossa época, o Espírito é o principal agente da nova evangelização. Por isso, será importante redescobrir o Espírito como Aquele que constitui o Reino de Deus no curso da história e prepara a sua plena manifestação em Jesus Cristo, animando os homens no íntimo e fazendo germinar, dentro da vivência humana, as sementes da salvação definitiva que se realizará no fim dos tempos » (TMA, 45).

A propósito dos consagrados chamados a evangelizar, o documento Vita Consecrata afirma: « A contribuição específica dos consagrados e consagradas para a evangelização consiste, primariamente, no testemunho de uma vida totalmente entregue a Deus e aos irmãos, à imitação do Salvador que, por amor do homem, se fez servo. Na obra da salvação, tudo vem da participação no ágape divino. Na sua consagração e total doação, as pessoas consagradas tornam visível a presença amorosa e salvífica de Cristo, o consagrado do Pai, enviado em missão. Deixando-se conquistar por Ele (cf Filip 3,12), elas se dispõem, de certo modo, a ser um prolongamento da sua humanidade. A vida consagrada mostra eloqüentemente que, quanto mais se vive de Cristo, tanto melhor se pode servi-lo nos outros, aventurando-se até os postos de vanguarda da missão, e assumindo os maiores riscos » (VC, 76).

Por parte da pessoa consagrada, a evangelização não é outra coisa senão difundir entre os homens aquela vida de Cristo que ela já experimenta, no Espírito Santo. A maior obra de evangelização que a pessoa consagrada possa cumprir é a de viver com seriedade o seu ser Igreja, o seu « ser-em-comunhão », realidade que constitui a prova definitiva da presença e da atividade do Espírito na sua interioridade.

Se se deseja ver renovadas as próprias comunidades consagradas e reflorir as vocações, é preciso que, em nível pessoal e comunitário, o Espírito se torne realmente o protagonista da vida consagrada, numa autêntica dimensão missionária. A vida consagrada deve se tornar verdadeiramente « vida no Espírito ». Isso significa conversão do eu (também o eu da própria congregação ou província), ao nós da comunhão e da missão eclesial; significa superação das forças que conduzem para a morte e abertura em direção à vida; superação de um falso apego ao passado e abertura profética, nutrida pela verdadeira Tradição, na direção do futuro em busca da vontade de Deus; superação do nosso pequeno provincianismo e abertura para os horizontes da catolicidade; superação da lógica da carne e do mundo, e abertura à lógica do evangelho e do mistério pascal, que é lógica da cruz e da ressurreição. Numa palavra, trata-se de renovar continuamente a nossa opção por Deus, sumamente amado, no seguimento de Cristo, confortados e animados pela força do Espirito.

3. A missão dos consagrados — sempre, mas sobretudo neste « ano de graça » — deve ser como a de Cristo: « anunciar aos pobres uma alegre mensagem ». Nossos irmãos e irmãs de hoje sofrem não apenas a pobreza material (fome, afastamento da própria terra, perseguição, guerra, desemprego, doença, abandono...), mas também a pobreza espiritual (solidão, desesperança, degradação moral, perda dos valores, exploração...). As pessoas consagradas são enviadas a anunciar a todos eles a « alegre mensagem » da salvação, da libertação. Os monges e as monjas contemplativas e os vários religiosos e religiosas de vida ativa, anunciarão aos homens que sofrem que ainda é possível esperar, que ainda se pode amar. Eles, que na própria vida fizeram experiência da ação libertadora de Cristo, poderão testemunhar a toda a humanidade os frutos da redenção. Eles que, por vocação, entraram no « ano de graça », dirão — com a própria vida, com a palavra e com as obras — que o Reino de Deus, inaugurado por Jesus Cristo, há vinte séculos, é poderoso e eficaz para todos; que ele pode e deve penetrar no tecido da nossa sociedade; pode e deve mudar o coração dos homens e as estruturas sociais; pode trocar injustiça em justiça, desespero em esperança, ódio em amor.

Nos consagrados e nas consagradas, Cristo continuará — ainda hoje — a passar fazendo bem a todos; continuará a enxugar as lágrimas, a consolar os aflitos, a dar de comer aos famintos, a acariciar as crianças, a libertar os prisioneiros. Continua profundamente verdadeiro, porém, o fato de que: « a missão, antes de ser caracterizada pelas obras externas, define-se pelo tornar presente o próprio Cristo no mundo, através do testemunho pessoal. Esse é o desafio, a tarefa primária da vida consagrada! Quanto mais se deixa conformar com Cristo, tanto mais O torna presente no mundo e operante para a salvação dos homens » (VC, 72).

No alvorecer do terceiro milênio cristão, relembrando o nosso dever de consagrados de assumir em nós a missão de Cristo, é devido e justo fazer memória de todos aqueles e aquelas que, consagrados a Deus, foram fiéis ao Evangelho até a efusão do sangue.

Cristo é a « testemunha fiel » (Ap 1,5) que cumpriu sua missão amando « até o fim » (Jo 13,1), na obediência até a morte de cruz; a Igreja, seu Corpo e sua Esposa, é chamada a participar e a dar o mesmo testemunho da Verdade de Deus, pronta a « responder a todo aquele que indagar a razão da sua esperança » (cf 1 Pd 3,15).

Portanto, como devemos dar graças a Deus por esse dom de tantos consagrados e consagradas que deram a vida para testemunhar o amor de Cristo a cada pessoa! A respeito disso, a exortação apostólica Vita Consecrata, recordando as situações mais recentes, afirma: « homens e mulheres consagrados testemunharam Cristo Senhor, com o dom da própria vida. Contam-se aos milhares aqueles que, escorraçados para as catacumbas pela perseguição de regimes totalitários ou de grupos violentos, hostilizados na atividade missionária, na ação em favor dos pobres, na assistência aos doentes e marginalizados, viveram e vivem a sua consagração, num sofrimento prolongado e heróico, chegando muitas vezes até ao derramamento do próprio sangue, plenamente configurados com o Senhor crucificado. De alguns deles a Igreja já reconheceu oficialmente a santidade, honrando-os como mártires de Cristo. Eles nos iluminam com seu exemplo, intercedem pela nossa fidelidade, esperam por nós na glória. Deseja-se, vivamente, que a memória de tantas testemunhas da fé perdure na consciência da Igreja como incentivo à celebração e à imitação » (VC, 86).

 

Apêndice II

UM GESTO PROFÉTICO DE COMUNHÃO
E DE SOLIDARIEDADE

A Comissão — formada pelas Uniões USG (União Superiores Gerais), UISG (União Internacional Superioras Gerais), e pela Conferência Mundial dos Institutos Seculares (CMIS) — que colabora com a Congregação para os Institutos de vida consagrada e as Sociedades de vida apostólica (CIVCSVA), ao preparar as modalidades com que a Vida Consagrada é chamada a viver o Jubileu julgou positivo e eficaz responder ao desejo, manifestado em muitos lugares, de evidenciar o aspecto do perdão, da solidariedade e do acolhimento recíproco, como sugere o espírito do Jubileu, realizando um gesto profético de comunhão por parte de todas as pessoas consagradas, em favor de quem se encontra em maior necessidade. Estão em estudo as diversas propostas que foram enviadas.

Por isso, impelidos por esse desejo de comunhão, pedimos a cada comunidade — também às mais pobres — que, de acordo com as próprias possibilidades, ofereça uma contribuição que quer significar, por parte da vida consagrada, a consciência da grande pobreza que, sob todos os aspectos, fere a humanidade.

Façamos esse gesto de amor no tempo do Advento, tempo de espera e de impetração, para que, comemorando — depois de 2000 anos — o nascimento de Jesus Salvador e Redentor, nossos corações possam ser renovados pelo Seu amor e por um novo vigor de caridade, premissa necessária para alcançar o dom da paz entre os homens e entre as Nações.

O que for recolhido será entregue ao Santo Padre pelos Presidentes das Uniões, durante a Celebração Eucarística que terá lugar na Basílica de São Pedro, no dia 02 de fevereiro de 2000. Estarão presentes todos os Institutos de vida consagrada residentes em Roma e, no dom que for oferecido, cada comunidade do mundo. Essa oferta quer significar a comunhão, vivida na fé e na esperança e sustentada pelo sacrifício, que queremos revigorar em nós e nas nossas comunidades, nas nossas nações e no mundo inteiro.

Cada comunidade poderá enviar a própria oferta através da Conferência dos respectivos Países ou através do Superior ou Superiora Geral do próprio Instituto. Esses, por sua vez, a farão chegar à CIVCSVA que se encarregará de entregá-la aos Presidentes das Uniões, para que seja apresentada ao Santo Padre.

 

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