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CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ

INSTRUÇÃO
SOBRE OS MATRIMÔNIOS MISTOS*

 

Para que o sacramento do matrimônio, constituído por Cristo Senhor como sinal de sua união com a Igreja, desenvolva plenamente sua força sagrada, e sua realidade venha a ser para os cônjuges o grande mistério (cf. Ef 5,32) mediante o qual eles, em sua íntima comunhão de vida, signifiquem o amor com que Cristo se entregou pelos homens, pede sobretudo uma plena concórdia entre os esposos, especialmente naquilo que toca à religião: “pois costuma romper-se ou, pelo menos, enfraquecer-se o vínculo das almas, quando nas coisas últimas e supremas que o homem venera, isto é, nas verdades e sentimentos religiosos, há dessemelhança de pensamentos e diversidade de vontades”.[1] Por isso, a Igreja Católica julga que é seu relevante dever, defender e custodiar o bem da fé tanto nos cônjuges como nos filhos. Portanto, esforça-se, com o máximo cuidado e vigilância, para que os católicos contraiam matrimônio com católicos.

Um preclaro testemunho desta cuidadosa vigilância trata-se da disciplina eclesiástica sobre os matrimônios mistos, estabelecida pelas prescrições do Código de Direito Canônico, que tem a forma de um duplo impedimento, isto é, o de mista religião e o de disparidade de cultos; o primeiro proíbe o matrimônio de católicos com não católicos batizados, salva a validade do matrimônio;[2] o segundo torna inválido o matrimônio contraído por um católico com um não batizado.[3]

Outro testemunho desta solicitude da Igreja em defender a santidade do matrimônio cristão é a mesma forma jurídica de prestar o consentimento; ainda que em tempos passados haja existido normas diferentes a esse respeito, sempre se cuidou para que não fossem permitidos os matrimônios clandestinos.

Seguindo este caminho, todos os Pastores instruam os fiéis sobre qual é o bem religioso e o valor deste Sacramento; admoestem-lhes com severidade sobre as dificuldades e perigos inerentes à celebração de matrimônios com um cristão que não seja católico, e muito mais com um que não seja cristão; e com toda ordem de razoes oportunas, procurem que os jovens contraiam matrimônio com parte católica.

Deve-se reconhecer, todavia, que as condições peculiares de nossa época, que em pouco tempo introduziram mudanças tão notáveis na vida social e familiar, tornaram mais difícil que em tempos passados a observância da disciplina canônica acerca dos matrimônios mistos.

A estas circunstancias, acrescenta-se que agora são mais frequentes as relações dos católicos com os não católicos, o trato e os costumes de vida e que mais facilmente se estreitam entre eles laços de amizade; como consta pela experiência, acabam acontecendo mais frequentemente matrimônios mistos.

A solicitude pastoral da Igreja pede ainda mais hoje em dia, para que nos matrimônios mistos se coloquem completamente a salvo tanto a santidade do matrimônio segundo a doutrina católica como a fé do cônjuge católico, e se procure com a maior diligência e eficácia possível a educação católica dos filhos.

Este cuidado pastoral é mais necessário porque, como se sabe, entre os católicos existem opiniões diferentes tanto acerca da essência do matrimônio como de suas propriedades, especialmente acerca da indissolubilidade e, consequentemente, sobre o divórcio e da celebração de novos matrimônios depois do divórcio (civil).

A Igreja pensa que é seu dever defender seus fiéis, para que não sejam levados a correr perigo em sua fé nem padeçam danos espirituais ou materiais.

Instrua-se, pois, os contraentes com grande cuidado sobre a natureza, as propriedades e as obrigações do matrimônio e os perigos que devem ser evitados.

Além disso, nesta matéria não se esqueça o comportamento que os católicos devem ter agora para com seus irmãos separados da Igreja católica, segundo o estabelecido solenemente pelo Concílio Ecumênico Vaticano II em seu Decreto sobre o Ecumenismo. É aconselhado que seja mitigado o rigor da disciplina vigente acerca dos matrimônios mistos, não certamente naquilo que pertence ao direito divino, mas em algumas normas introduzidas pelo direito eclesiástico, com as quais não é raro que os irmão separados se sintam ofendidos. Pode presumir-se facilmente que esta importante questão de nenhum modo escapou ao Concílio Vaticano II, convocado pelo Sumo Pontífice João XXIII, de feliz memória, para velar pelas necessidades atuais do povo cristão. Assim, os Padres conciliares expuseram seus desejos sobre esta matéria, que, como é natural, foram considerados atentamente.

Depois de receber os pareceres dos sagrados Pastores interessados, ponderado tudo com atenção e mantendo vigentes os dois impedimentos de mista religião e de disparidade de culto — concedida, não obstante, aos Ordinários do lugar a faculdade para dispensar deles, de acordo com a Carta Apostólica Pastorale munus, n. 19 e 20, sempre que existam causas graves e observando o que por direito deve se observar —, e salvo o direito das Igrejas Orientais, com a autoridade do Papa Paulo VI, estabelece-se o que segue, o qual , se for comprovado pela experiência, se inserirá, de maneira certa e correta, no Código de Direito Canônico em revisão.

I. — 1) Tenha-se sempre presente que se deve afastar o cônjuge católico do perigo da fé e procurar cuidadosamente educar os filhos na religião católica. [4]

2) O Ordinário do lugar ou o pároco da parte católica procurarão inculcar seriamente a obrigação de salvaguardar totalmente o batismo e a educação dos futuros filhos na religião católica; o cumprimento desta obrigação pela parte católica se assegurará por meio de garantias ou promessa expressa.

3) À parte não católica, lhe será dada a conhecer, com a devida consideração, a doutrina católica sobre a dignidade do matrimônio e, especialmente, acerca de suas propriedades principais: a unidade e a indissolubilidade.

Essa mesma parte deve ser informada sobre a importante obrigação que tem o cônjuge católico de defender, guardar e professar sua própria fé, assim como batizar e educar nela os filhos que hão de nascer.

Como esta obrigação deve ser protegida com toda segurança, pedir-se-á ao contraente não católico que faça uma promessa sincera e clara de que não haverá de impedi-lo. Se a parte não católica julga que não pode fazer esta promessa sem ir contra sua consciência, o Ordinário levará o caso com todas as suas circunstâncias à Santa Sé.

4) Ainda que pela lei ordinária, estas promessas são feitas por escrito, contudo, o Ordinário pode resolver, seja de um modo geral seja em cada caso particular, se esta promessa da parte católica, ou da parte não católica, ou de ambas, deve ser prestada por escrito ou não, e assim mesmo determinar como será incluída nas certidões matrimoniais.

II. — Se acaso em algum lugar, como ocorre às vezes em certas regiões, a educação católica dos filhos é impedida, não tanto pela livre vontade dos cônjuges mas como causa das leis e costumes dos países aos quais estes se veem obrigados a submeterem-se, o Ordinário do local, examinando com esmero, poderá dispensar deste impedimento, sempre que a parte católica esteja disposta a fazer tudo o que saiba e possa para que os filhos que hão de nascer sejam batizados e educados catolicamente e sempre que conste a boa vontade da parte não católica.

III. — Na celebração dos matrimônios mistos, deve-se observar a forma canônica, tratada no cân. 1094, requerida para a validade do matrimônio.

Porém, se surgirem dificuldades, o Ordinário levará o caso com todas as suas circunstâncias à Santa Sé.

IV. — Quanto à forma litúrgica, derrogam-se os cânones 1102, § 2, e 1109, § 3, e se concede aos Ordinários do local a faculdade de permitir a celebração dos matrimônios mistos segundo os ritos sagrados, com a costumada bênção e homilia.

V. — Deve-se absolutamente evitar qualquer celebração matrimonial em presença de um sacerdote católico e de um ministro não católico que celebrem simultaneamente seu respectivo rito. Contudo, não é proibido que, terminada a cerimônia religiosa, o ministro não católico dirija algumas palavras de felicitação e exortação e sejam recitadas em comum algumas orações com os não católicos. Tudo se pode realizar com o consentimento do Ordinário do local, e com as cautelas devidas para evitar o perigo de estranheza.

VI. — Os Ordinários locais e os párocos vigiarão cuidadosamente, para que as famílias nascidas de núpcias mistas vivam santamente segundo as promessas feitas, sobretudo no que diz respeito à formação dos filhos na doutrina e moral católicas.

VII. — É anulada a excomunhão com a qual, em virtude do cân. 2319 § 1, n. 1, são castigados os que contraem matrimônio ante um ministro não católico. O efeito desta anulação vale também para o passado.

Estas normas são estabelecidas com a intenção e o desejo que declaramos acima: para atender melhor às necessidades atuais dos fiéis e para que as questões que afetam católicos e não católicos sejam impregnadas de um sentido mais intenso de caridade.

Dediquem-se, pois, a isso com firma decisão e trabalho constante aqueles que têm o ofício de ensinar aos fiéis cristãos a doutrina católica, sobretudo, os párocos.

Devem esforçar-se para cumprir isto, com a máxima caridade para com todos os fiéis, e salvo sempre a reverência devida aos outros, isto é, aos não católicos, e também aos que se apoiam de boa fé em suas crenças.

Os cônjuges católicos procurem robustecer e aumentar em si mesmos o dom da fé e, seguindo sempre na vida de família a senda das virtudes cristãs, darem também contínuo exemplo à parte não católica e aos filhos.

Roma, na sede da S. Congregação para a Doutrina da Fé, 18 de março de 1966.

 

+ A. Card. Ottaviani
Pró-Prefeito

+ P. Parente
Secretário


* AAS 58 (1966), 235-239.

[1] Pio XI, Carta enc. Casti connubii.

[2] Cân. 1060-1064.

[3] Cân. 1070-1071.

[4] Cf. cân. 1060.