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CONGREGAÇÃO PARA AS CAUSAS DOS SANTOS

HOMILIA DO CARDEAL JOSÉ SARAIVA MARTINS
NA CELEBRAÇÃO EUCARÍSTICA EM SUBIACO
POR OCASIÃO DO "TRÂNSITO DE SÃO BENTO"

Terça-feira, 20 de Março de 2007

 

1. Na sua primeira encíclica, Deus é Amor (Deus caritas est), o Papa Bento XVI diz que o amor é imagem e modelo da Igreja do terceiro milénio e o caminho pelo qual quis que o seu pontificado se encaminhasse, "convidando todos a edificar a Igreja na caridade, como "comunidade de amor"(cf. Deus caritas est, Segunda Parte)" (Bento XVI, Homilia, É grande motivo. Mas um caminho privilegiado para construir a Igreja do amor é dirigir o nosso olhar para os santos, que fazem parte daquela Igreja da caridade, da qual a liturgia nos faz contemplar o esplendor, esplendor da própria caridade de Cristo.

Hoje a nossa atenção dirige-se para o grande Bento, Padroeiro da Europa, e que aqui em Subiaco é muito familiar, sempre presente, não só pelas memórias vivas que deixou, mas também pelos seus filhos espirituais, os queridos monges Beneditinos, que através da observância da Sagrada Regra vivem o seu espírito, procurando fecundar sempre esta terra com a Palavra de Deus.

São Gregório Magno, nos seus Diálogos, escreve: "Se desejarmos conhecer com exactidão e certeza os costumes e a vida de São Bento, é na sua Regra que se podem conhecer todos os actos do seu magistério, porque o santo homem não pôde ensinar melhor do que com o exemplo da sua vida".

No fundo, neste juízo encontra-se toda a história de São Bento, mas também o sentido do seu ensinamento que perdura ininterruptamente há quinze séculos, e originou, apraz-me ressaltá-lo também como Prefeito da Congregação para as Causas dos Santos, uma admirável geração de santos.

A santidade do Patriarca do monaquismo ocidental deixou um sulco profundo no tecido também civil e social do inteiro continente europeu, do qual é principal padroeiro. Um tema de grande actualidade que, não ocasionalmente, poucos dias antes do Conclave que o elegeu para a Cátedra de Pedro com o nome de Bento XVI, o Cardeal Joseph Ratzinger, precisamente aqui em Subiaco, recordou afirmando: "Temos necessidade de homens como Bento de Norcia o qual, em tempos de dissipação e decadência, se imergiu na solidão mais extrema conseguindo (...) fundar Montecassino, a cidade sobre o monte que, com tantas ruínas, reuniu todas as forças das quais se fundou um mundo novo. Assim Bento, como Abraão, tornou-se pai de muitos povos" (Andrea Pamparana, Benedetto Padre di molti popoli, Ancora 2006, pp. 5-10).

2. Tudo isto parte de um jovem estudante de Norcia desiludido com a Roma do seu tempo, que percorreu apenas uma nesga de terra, entre Roma, Subiaco e Cassino, como uma pequena pedra que arrasta um desabamento, o qual é muito particular: um desabamento de santidade.

Contar a história de São Bento e dos Beneditinos, de facto, significa contar a mais exaltante e também a mais incrível, aliás, a mais paradoxal das vicissitudes da vida "religiosa" cristã. São Bento e os seus monges lançaram as bases do monaquismo ocidental. Foram mestres de espiritualidade e de pensamento. Situaram-se entre os construtores da Europa, unificando-a sobre os comuns valores cristãos e contribuindo de maneira única para a sua civilização. Desde o início até hoje, deram à Igreja 10 milhões de monges e monjas, trinta papas, 260 Cardeais, milhares de Bispos, e sobretudo mais de 360 santos (cf. L'esercito del Papa, Gianfranco Svidercoschi, Rai Eri, ed. Ancora, 2003, pp. 13-19).

As abadias beneditinas, promovendo os estudos, as indústrias e as artes, desempenharam uma grande função civilizadora; por isso foram o centro da vida, não só religiosa, mas também cultural, social e política. Em resumo, a obra de um santo, Bento de Norcia, foi tão grande, com a difusão da sua espiritualidade, que representou uma base inegável da Europa e do seu caminho histórico.

3. Nesta Solenidade do Trânsito de São Bento, a Liturgia propõe uma série de leituras que ilustram este Padroeiro da Europa. Como Abraão, do qual nos falou a primeira leitura tirada do Livro do Génesis, Bento é aquele que aceita a chamada do Senhor e respondendo livremente a esta vocação recebe em troca uma bênção que se propagará de geração em geração. Assim se dirige o Santo, na Regra, a quantos aceitam viver segundo o seu projecto: "Eu dirijo-me pessoalmente a ti, quem quer que sejas, que tendo decidido renunciar à vontade própria, empunhas as armas fortes e valorosas da obediência para militar sob o verdadeiro rei, Cristo Senhor". A obediência de Abraão e de Javé, de Jesus ao Pai, de Bento ao Espírito Santo, de vós, monges, que seguis o mesmo caminho, são uma só coisa. Como recordava Master Ekchart, nós devemos tornar-nos "um" na única Vontade do Pai. Não é ocasional que precisamente no Prólogo da Regra, Bento tenha colocado a condição-base para ser monge na busca da vontade de Cristo Senhor.

Mas a vontade é um dos aspectos que caracterizam o homem. O outro é o conhecimento, que em São João indica sempre a experiência, como é típico do pensamento semítico e hebraico em particular. Na grande oração sacerdotal de Jesus no Evangelho há pouco proclamado, o Senhor pede que "te conheçam a ti, único Deus verdadeiro, e àquele que enviaste, Jesus Cristo".

Neste conhecimento cumpre-se a Obra Divina, dado que conhecer Deus e viver a sua Vida são uma só coisa. Como para a vontade, também o conhecimento faz com que de duas se faça uma só coisa. Um conhecimento experiente que precisa de um progresso contínuo. "Portanto, é necessário instituir uma escola do serviço do Senhor". Nesta escola monástica não se aprendem as coisas do mundo, mas como servir ao Senhor e neste serviço aprender como se tornar uma só vontade e um só ser com Nosso Senhor. Uma escola "para que sejam como nós uma só coisa", como nos disse o Evangelho de hoje.

A primeira obra do monge, para São Bento, como escreve no capítulo IV da Regra, não é um "fazer", mas pertencer à categoria do ser. Os instrumentos das obras boas são tais que é preciso "antes de tudo amar o Senhor Deus com todo o coração, com toda a alma, com todas as forças; depois, o próximo como a si mesmo". É esta a primeira "obra"e a maneira de a realizar.

vontade específica do Verbo Encarnado, Jesus Cristo, é unicamente esta, para que o amor com que me amaste esteja neles e eu neles. Assim ensina Bento aos seus filhos o valor da santidade que se alcança através do amor de Cristo, com uma humildade genuína. São precisamente o amor e a humildade os caminhos que Bento indica, não só aos seus filhos, mas também a todos nós, para alcançara santidade e seguir Cristo.

4. Bento continua a ser uma personagem atraente. Um homem dotado de atracção nunca pode ser sombrio, negativo nas suas relações com o mundo, mas dotado de grande fascínio, de grande generosidade. Devemos pensá-lo como um homem concreto, realista e, como demonstrou muitas vezes na sua vida, um homem cheio de esperança. Mestre exigente que se esforçou sempre por ser mais amado do que temido, porque a misericórdia, para ele, vem antes da justiça. Um homem positivo como são sempre os santos. O caminho da santidade indicada por São Bento caracteriza-se por um profundo discernimento e equilíbrio: conciliando trabalho e oração, solidão e vida comum, também hoje é possível aproximar-se de Cristo, realizando um programa de vida, válido não só para o monge, mas também para o simples cristão.

Por isso me apraz concluir com este comentário de optimismo, porque a vida monástica se vive "dilatato corde", com um coração "em expansão", como afirma o Prólogo da Regra. Deveria ser o mesmo para a vida cristã. Se aprendêssemos isto dele, todos daríamos um passo em frente, ou até um salto, no caminho da santidade. Monges e não monges, devemos olhar para São Bento, porque é um dos poucos grandes mestres de humanidade que marcaram a história, não só da cristandade, mas da própria civilização.

Benedictus benedicat!

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