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XXI CONFERÊNCIA INTERNACIONAL
DO PONTIFÍCIO CONSELHO PARA A PASTORAL NO CAMPO DA SAÚDE
SOBRE O TEMA "OS ASPECTOS PASTORAIS DA CURA
DAS DOENÇAS INFECCIOSAS"

DISCURSO DO CARDEAL JAVIER LOZANO BARRAGÁN

Sala do Sínodo do Vaticano
23 de Novembro de 2006

 

O tema da XXI Conferência Internacional deste ano é: "Os aspectos pastorais da cura das doenças infecciosas". É un tema actual e de grande interesse para a Igreja. As pessoas atingidas pelo vírus Ébola, Sars, Hiv ou pela gripe aviária que se encontram numa situação de fraqueza, qualquer que seja o grau de perigo da infecção, devem ser curadas, assistidas e acompanhadas espiritual e pastoralmente nos Centros que pertencem às diversas Dioceses, Ordens e Congregações religiosas da Igreja Católica.

Nesta Conferência Internacional do Pontifício Conselho para a Pastoral no Campo da Saúde nos empenharemos a aprofundar esta tarefa que se realiza de modo tão eficaz, para encontrar nova luz no Evangelho e assim melhorar a nossa acção.

Nas nossas Conferências habitualmente, depois de uma introdução à luz da palavra de Deus, consideramos a realidade do problema estudado, a sua iluminação e as guias práticas de acção.

Permito-me delinear a introdução de toda a Conferência neste mesmo movimento: ou seja, farei uma referência à realidade das doenças infecciosas no mundo de hoje; tentarei reflectir sobre a profunda solidariedade que se encontra na base de toda a Mensagem evangélica e as doenças infecciosas e sugerirei algumas linhas de acção. Portanto, trata-se de uma primeira abordagem que em seguida será desenvolvida de modo adequado nas três partes da nossa Conferência pelos tão qualificados Relatores que nos honram com a sua participação.

I. Realidade: problemática actual das doenças emergentes

As doenças infecciosas eram consideradas, até há alguns anos, um problema do passado, mas com o recente surgir da sida, o retomar da epidemia da tuberculose, a expansão de doenças bactéricas inusuais e a propagação de novas infecções virais, constituem uma séria ameaça para a saúde pública mundial.

Entende-se por doença infecciosa uma patologia devida ao contágio do organismo humano por parte de microorganismos: bactérias, vírus, micetes, parasitas, etc., com um consequente desenvolver-se dos sintomas característicos daquela doença específica.

Desde sempre, grandes epidemias e pandemias provocadas por agentes patogénicos devastaram o mundo: peste, lepra, varíola, malária, meningite, cólera, sífilis, gonorreia, tuberculose, poliomielite...

A medicina esperava, depois da descoberta dos antibióticos, poder um dia vencer todas as doenças infecciosas. Mas as recentes derrotas, como a ameaça de novos agentes patogénicos, o regresso de antigos inimigos e o desenvolver-se de cepas resistentes aos antibióticos nos recordam que nunca devemos diminuir o nível de atenção. A experiência diz-nos que, na luta contra os germes, nunca se podem dar por definitivas as vitórias obtidas. Efectivamente, durante estes últimos anos apareceram numerosas doenças, como a sida no final do século XX, que hoje se tornou uma pandemia de 40 milhões de pessoas infectadas no mundo e ultimamente tivemos o surgir da Sars, do vírus Ébola, da gripe aviária.

Os microorganismos estão em todo o lugar. Vivem nos organismos animais e vegetais, nos terrenos e na água, são transportados pelas correntes de ar. Sobrevivem mesmo na ausência de oxigénio e de luz solar. Formam colónias numerosas em qualquer tipo de superfície artificial e têm um ciclo vital que lhes permite ter um ciclo reprodutivo e um metabolismo específicos.

1. Transmissão

A transmissão de uma doença infecciosa requer a passagem de um agente infectante de uma fonte de infecção a um, ou mais, indivíduos receptivos, ou seja em grau de contrair a infecção. Esta passagem dá-se com modalidades que podem ser diferentes segundo o tipo de microorganismo e da sua difusão ambiental. Pode-se, portanto, descrever a chamada cadeia de contágio: fonte de infecção, no caso específico representa a origem da infecção que consentiu a transmissão do microorganismo do depósito da infecção a um sujeito receptivo. O depósito de infecção é constituído pelo organismo, animal ou vegetal, ou pelo ambiente no qual o microorganismo habitualmente vive e se multiplica. A via de eliminação representa o caminho através do qual um organismo infecto elimina os microorganismos. Os microorganismos são eliminados normalmente através das secreções e excreções: intestinal, doenças de transmissão orofecais (germes adquiridos por via digestiva mediante água ou alimentos contaminados e eliminados com as fezes), respiratória: doenças transmitidas por via aérea. A transmissão dá-se através de gotas microscópicas de saliva que são emitidas pela tosse e pelos espirros de um portador ou também através da fonação. Genital-urinária: doenças transmitidas sexualmente. Transcutânea: doenças de transmissão parenteral. A pele íntegra representa uma óptima barreira contra os microorganismos, mas lesões, mesmo mínimas, podem ser suficientes para que os germes penetrem.

2. Vias de transmissão

As principais formas de propagação destas, e de outras doenças infecciosas dá-se através de cinco vias. A primeira é causada por infecções de origem alimentar: notamos que a industrialização da cadeia alimentar fornece aos patogénicos novas ocasiões para encontrar o hóspede humano. Isto deve-se a diversas causas, entre as quais individuamos: a criação intensiva de peixes (salmão), de frangos e de coelhos; o transporte de alimentos pelo mundo com a probabilidade de interrupções da cadeia de frio e a possibilidade de contaminação (bactérias: Listeria, Yersinia...); a preparação industrial de alimentos como a carne.

A segunda via é pelas infecções respiratórias associadas aos dispositivos de condicionamento do ar e da água. Assim é a infecção da bactéria Legionella pneumofila, provocada pelas bactérias que crescem nos circuitos hídricos, nos frigoríficos, nos aparelhos de ar condicionado...
A terceira é pelas infecções associadas às viagens pelo mundo: doenças diarreicas e hemorrágicas, malária, febre amarela...

A quarta é pelas infecções associadas às alterações do ambiente: com o desflorestamento o homem pode entrar em contacto com os germes patogénicos. A quinta é pelas infecções associadas às novas técnicas médicas: as infecções nosocomiais. Certos instrumentos utilizados na medicina podem transmitir germes patogénicos: o cateter, sondas urinárias... No ambiente hospitalar há sempre os riscos de infecções do Hiv e da hepatite.

3. Situação actual eepidemiologia das doenças infecciosas

As doenças infecciosas são numerosíssimas e envolvem os mais diversos órgãos e aparelhos, dando origem a uma variedade de expressões clínicas: doenças respiratórias, exantemáticas, gastrenterites, neuropatias e outras em que estas servem de elemento catalizador, patologias de tipo auto-imune e cancros. Neste contexto, algumas formas infecciosas podem parecer insignificantes diante da Sida; no entanto, em determinados contextos epidemiológicos, muitas delas têm, ou tiveram, uma importância bastante significativa: por exemplo as diarreias infecciosas nos países em vias de desenvolvimento, as hepatites virais, a malária, a varíola, a lepra, a gripe, a tuberculose...
Durante muito tempo doenças infecciosas como a peste negra, a sífilis, a cólera, a tuberculose, a varíola, a difterite, a gripe espanhola, a escarlatina, a malária, a febre amarela, o tifo, o sarampo representavam as primeiras causas de mortalidade no mundo. Em 1798, Edward Jenner descobriu a vacina contra a varíola. Em 1870, Louis Pasteur descobriu o primeiro micróbio responsável de provocar uma doença infecciosa a doença do bicho-da-seda e, desse modo, pôs fim à teoria da geração espontânea publicando, em 1878, "A teoria dos germes". Em 1880 Louis Pasteur elaborou a vacina contra a cólera dos frangos. Em 1882, Robert Koch descobriu o bacilo da tuberculose. Em 1885 Louis Pasteur elaborou a vacina contra a raiva. Em 1923 Gaston Ramon descobriu a anatoxina tetânica e diftérica. Em 1921 Albert Calmette e Camille Guérin descobriram a BCG (vacina contra a tuberculose). Em 1929 Alexander Fleming descobriu a penicilina e as suas propriedades bactericidas, abrindo a estrada à cura das doenças infecciosas através dos antibióticos.

4. Anos de ilusão

No período de 1940-1970 encontramo-nos perante o que podemos definir, no campo das doenças infecciosas, anos de ilusão. A penicilina foi utilizada pela primeira vez em 1941 para curar um paciente atingido por uma septicemia provocada pelos estafilococos. Em seguida, outras famílias de penicilina foram descobertas. Portanto, naquele período, nos países ocidentais, graças ao uso dos antibióticos, tivemos uma diminuição drástica da mortalidade. Foi nesse mesmo período que foram descobertas as vacinas contra a tosse convulsa, a poliomielite, o sarampo, a papeira e a varicela. Em 1967, a OMS lançava a campanha internacional para debelar a varíola, que cada ano atingia 15 milhões de pessoas e matava 2 milhões. Certamente naquele período foram realizados progressos extraordinários nos campos da microbiologia, da imunologia, da biologia molecular e da engenharia genética favorecendo a diagnose, o estudo e a busca de novos remédios e vacinas contra estes agentes patogénicos infecciosos.

5. Anos de desilusão

Mas, desde 1970 até hoje, podemos dizer que tivemos anos de cepticismo e de desilusão. Efectivamente os micróbios desenvolvem formas de resistência. Por causa do uso não controlado de antibióticos e antivirais, as bactérias e os vírus patogénicos tornaram-se resistentes, ou melhor multirresistentes através do fenómeno de selecção das mutações ou de transfert de genes de resistência. Surgem a emergência e a reemergência das doenças infecciosas. Entre as doenças emergentes temos: o vírus Ébola, legionella, Hiv, Hcv, Hbv, Sars... (hepatitis C, hepatitis V). Como doenças reemergentes, assomam numerosas, de forma mais virulenta, junto com os microorganismos multirresistentes aos medicamentos. O exemplo típico é a tuberculose, que tinha sido debelada no passado e que voltou a surgir, associada à sida, atingindo numerosas pessoas com graves depressões de imunidade.

6. Morte

As doenças infecciosas são responsáveis por 43% dos falecimentos nos Países em vias de desenvolvimento contra 1% nos Países industrializados. É necessário acrescentar que 15% dos tumores são de origem infecciosa. Por exemplo: os tumores do fígado podem ser provocados pela Hbv e Hcv; o da pele pela Hhv-8 (vírus do herpes); o do colo do útero pelo papilomavirus; o do nasofaringe pelo vírus Ebv (Epstein-Barr Virus); o do estômago pela bactéria helicobacter pylori. No entanto, 90% dos óbitos provocados pelas doenças infecciosas no mundo devem-se unicamente a seis grupos infecciosos.

Registra-se que as seis principais doenças infecciosas que afligem hoje o mundo, e o número de pessoas mortas anualmente são: Sida/Hiv, 3,1 milhões em 2004. Doenças respiratórias bactéricas agudas, 3 milhões/ano. Doenças diarréicas (rotavirus, adenovirus, shigellosi, Escherica coli, cólera, febre tifoide), 2,5 milhões/ano. Tuberculose, por volta de 2 milhões/ano. Malária, mais de um milhão de mortes/ano. Sarampo, 750.000 mortes/ano. Total: 12.350.000 mortes/ano.
As dificuldades mais significativas que actualmente encontramos na cura das doenças infecciosas são os efectivos testes diagnósticos, as mutações e as resistências aos medicamentos, a necessidade de novos remédios, vacinas e a dificuldade de encontrar fundos e pessoal para o tratamento.

II. Cristo e a cura dos doentes infectados

Nas considerações anteriores indicamos alguns aspectos científicos relativos à realidade actual das doenças infecciosas. Mas o nosso objectivo, tendo em consideração as observações científicas e a própria realidade, põe-se além de quanto acima descrito. De facto, interrogámo-nos sobre os aspectos pastorais no tratamento destes doentes.

1. A Palavra de Deus

A iluminação sobre as doenças infecciosas, por parte da Palavra de Deus, seria quase a mesma para qualquer outra doença. Seria a reflexão frequentemente oferecida sobre o sofrimento e a dor. Mas, neste caso, para especificar um pouco mais, é necessário examinar o modo como Cristo procedeu diante destas doenças infecciosas quando as curou.

Evidenciam-se, neste campo, as curas dos leprosos.

Para entender come age Cristo quando cura os leprosos, é necessário ter em vista a concepção cultural que no seu tempo rodeava esta doença e que provém da legislação de Moisés no Antigo Testamento.

Seja permitida uma citação do capítulo 13 do livro do Levítico:

"Se alguém for atacado de lepra, deve ser levado ao sacerdote. O sacerdote examina-o e vê uma inflamação esbranquiçada na pele com os pêlos brancos e com aspecto de estar em carne viva, é um caso de lepra crónica. O sacerdote deve declará-lo impuro. Não precisa de o mandar ficar isolado para verificação. Ele está impuro... Se ao observá-lo o sacerdote verifica que a mancha da cabeça ou da testa está branca avermelhada, tendo todo o aspecto de lepra, esse homem está atacado de lepra. Está impuro; o sacerdote deve declará-lo impuro, por causa do mal que ele tem na cabeça" (13, 9-11; 43-44).

Temos dois elementos para evidenciar: falta de higiene e marginalização. Devido à impureza era proibido tocar os leprosos e pela marginalização era-lhes proibido habitar junto com o povo.

Passemos agora aos Evangelhos e vejamos o procedimento de Cristo na cura destes doentes. Temos relatos nos três Sinópticos de Mateus, Marcos e Lucas:

Mateus:

"Ao descer do monte, Jesus foi seguido por uma grande multidão. Então aproximou-se dele um homem com lepra, que se ajoelhou e lhe disse: "Senhor, se quisesses, podias curar-me". Jesus estendeu a mão, tocou-lhe e disse: "Quero, fica curado!" No mesmo instante, o homem ficou livre da lepra. Jesus então disse-lhe: "Escuta, não fales disto a ninguém. Vai mostrar-te ao sacerdote e oferece a Deus o sacrifício que Moisés ordenou, para ficarem a saber que estás curado" (8, 1-4).

Marcos:

"Veio depois um homem com lepra procurar Jesus e pediu-lhe de joelhos: "Se tu quisesses, podias curar-me." Jesus teve imensa pena dele, tocou-o com a mão e disse-lhe: "Quero, sim! Fica curado". E naquele mesmo instante o homem ficou curado. Então Jesus repreendeu-o em tom severo, mandou-o embora e disse-lhe: "Escuta! Não fales disto a ninguém. Vai primeiro ao sacerdote, para ele te examinar, e pela tua cura oferece o sacrifício que Moisés determinou, para que saibam que estás curado"" (1, 40-44).

Lucas:

"Uma vez Jesus estava numa certa povoação onde havia um homem cheio de lepra. Mal viu Jesus, inclinou-se até ao chão e pediu-lhe: "Senhor, se tu quisesses, podias curar-me." Jesus tocou-lhe e disse: "Quero sim! Fica curado". E ao dizer isto logo o homem ficou são. Mas Jesus deu-lhe ordem para não contar a ninguém o que se tinha passado e acrescentou: "Vai mostrar-te ao sacerdote e oferece a Deus pela tua cura o sacrifício que Moisés mandou. Assim ficam a saber que estás curado"... Quando Jesus se dirigia a Jerusalém, atravessou a Galileia e a Samaria. Ao entrar em certa aldeia, saíram-lhe ao encontro dez doentes com lepra. Ficaram a uma certa distância e puseram-se a gritar: "Jesus, Mestre, tem pena de nós!". Jesus olhou para eles e disse: "Vão ter com os sacerdotes para que eles vos examinem". Eles foram e enquanto iam no caminho, ficaram curados. Um deles, quando viu que estava curado, voltou e louvava a Deus em voz alta. Ajoelhou-se aos pés de Jesus, curvando-se até ao chão em agradecimento. E este era samaritano. Então Jesus perguntou: "Não eram dez os que foram curados? Onde estão os outros nove? Mais nenhum voltou para dar graças a Deus, a não ser este estrangeiro?". Depois disse-lhe: "Levanta-te e vai-te embora. A tua fé te salvou"" (5, 12-14; 17, 11-19).

2. Estender e tocar

No cumprimento das leis e prescrições mosaicas, os leprosos que encontram Cristo param "à distância", sentem-se impuros, fora da convivência humana; quem os toca também ficará impuro. O Senhor cura-os e manifesta-lhes a sua vontade salvífica com as palavras e com dois sinais muito consistentes: estende as mãos e toca-os. Cristo não aceita somente aproximar-se aos leprosos mas estende a sua mão, recebe-os e toca-os. Cristo identifica-se com o leproso, torna-se completamente solidário com eles. Destrói a impureza e a marginalização deles, manifesta a sua plena solidariedade com eles.

3. A solidariedade

Parece-me que aqui podemos encontrar uma chave especial de iluminação para considerar o tratamento pastoral aos doentes infectados. O tratamento deve ser totalmente impregnado de solidariedade.

Hoje fala-se frequentemente de solidariedade, tanto que até chega a parecer que se trata de um conceito leigo ou, na maioria dos casos, de uma virtude da qual Cristo nos deu um exemplo. Mas, se olharmos mais profundamente esta solidariedade que se exprime nas curas acima mencionadas, encontramos algo diverso. Ou seja: esta maneira de agir que o Senhor tem com os doentes contaminados, não é casual, mas deriva da mesma vida divina que nos veio dar; está no coração da Redenção. A solidariedade verdadeira e profunda é a participação da vida divina que Cristo nos dá com a Redenção.

Na cura dos leprosos Cristo faz emergir esta solidariedade come nascente de vida: vida divina, da qual se participa já na cura física dos doentes.

4. Solidariedade e Vida divina

Ao entrar na intimidade desta solidariedade, entramos na intimidade da vida divina e vemos que se trata de uma solidariedade pessoal, ou seja, que se trata da Terceira Pessoa da Santíssima Trindade: o Espírito Santo.

Deste modo a solidariedade coincide com a autêntica espiritualidade, ou seja: a acção do Espírito Santo, o amor. O Espírito Santo é o amor de Deus que se faz história na misericórdia solidária do Pai Eterno que nos envia o seu Filho redentor através da sua encarnação pascal.

O Espírito Santo é a intercomunicação trinitária infinita no amor. A Terceira Pessoa da Santíssima Trindade mostra-nos a natureza divina de Deus como Amor; um amor que é a entrega total do Pai ao seu Filho e do Filho ao seu Pai que, na sua total dedicação, fazem proceder deles a pessoa Amor, a pessoa Dom, que é o Espírito Santo. Portanto, o Espírito Santo significa a infinita posse pessoal individual tanto do Pai como do Filho em si próprios, posse que o coloca em condição de se poder doar de modo absoluto. Aqui encontra-se a essência da solidariedade. Quando falamos da solidariedade humana, esta é autêntica somente quando é feita à imagem de Deus. O homem torna-se filho de Deus somente através da solidariedade, que significa receber numa doação gratuita plena tudo aquilo que é e doá-lo também sem medida a Deus e aos outros.

Somente sob esta luz se pode entender o mistério da solidariedade redentora: de facto, a maior doação que se possa pensar é a doação até à morte: "Ninguém tem mais amor do que quem dá a vida pelos seus amigos" (Jo 15, 13). Desta doação, até à morte, o Pai cria a solidariedade da humanidade redimida. Consequentemente, a autêntica solidariedade é aquela a que não importa o risco da perda da vida até ao ponto de poder dar a vida pelos outros.

III. Algumas linhas pastorais de acção na luta contra as doenças infecciosas
e o tratamento dos doentes infectados

Se, partindo desta solidariedade, desejarmos então reflectir sobre as doenças infecciosas em geral, afluiremos na pastoralidade das doenças infecciosas, assim como Cristo se fez pastor destes doentes.

Devemos recomeçar a partir desta espiritualidade e pastoralidade para saber o que significa, nos nossos tempos, o que fez Cristo: estender as mãos e tocar os doentes infectados. Certamente não significará renunciar levianamente às elementares regras de higiene, mas tem completamente um outro significado. É colocando exactamente a higiene em primeiro lugar que se chegaria à solidariedade para com estes doentes.

Indicamos algumas sugestões, a partir da solidariedade cristã que, sem dúvida, serão melhor explicadas na terceira parte do nosso estudo.

1. Pesquisas

No campo da medicina em si própria significa mudar a motivação segundo a qual se fazem pesquisas. Ordinariamente estas fazem-se segundo leis de mercado. Assim se determina o que produzir e para quem produzir. Resumindo, o impulso é dado pelo lucro. Neste campo encontramos os remédios "órfãos", ou seja aqueles que já não são produzidos para combater estas doenças, não porque não sejam necessários, mas porque servem a gente pobre do Terceiro Mundo, que não pode pagar um preço que deixe uma margem aceitável de lucro. Por outro lado, não se deve transcurar que, vista a globalização do mundo, as doenças infecciosas que antes se poderiam pensar exclusivas do Terceiro Mundo, hoje encontram-se em todo o lugar, pois os micróbios e os vírus não têm fronteiras.

2. Ecologia

Esta solidariedade também deverá conduzir-nos a vencer o egoísmo no desfrutar o ambiente; a poluição atmosférica, especialmente a hídrica, favorece de modo claro a difusão das doenças infecciosas. Deve-se dedicar especial atenção ao lixo que, se não for devidamente destruído ou reciclado, contamina o terreno e a água. Devemos tentar evitar aquele género de agricultura e de criação de animais que, geridos com estas águas ou nestes terrenos, difundem as doenças infecciosas.

Foi demonstrado que o desflorestamento é outro factor que influi na difusão de doenças infecciosas. Uma linha de acção seria, portanto, uma acção endereçada a conservar o ambiente no qual incide fortemente a presença florestal. O desflorestamento, muitas vezes efectuado unicamente para o lucro económico de poucos, é claro que se opõe à solidariedade, até mesmo no perfil da luta contra as doenças infecciosas.

3. Industrialização

Torna-se necessária também a revisão da industrialização da cadeia alimentar, a criação intensiva, os alimentos transgénicos, a interrupção calor-frio no transporte dos alimentos. Não falamos da eliminação destas técnicas, que são mais eficazes hoje que nas épocas passadas para saciar tanta gente, mas de examinar os processos e contra o pensamento, muitas vezes predominante, que o principal objectivo da produção não seja o lucro mas sobretudo a saúde e a satisfação das necessidades da população.

4. Higiene

Também para esta solidariedade se nos torna necessário seguir com muita atenção todas as regras higiénicas e a devida limpeza nos ambientes domésticos, públicos e de trabalho.
É necessário assim o correcto processo sanitário por parte dos doentes infectados, de forma que estes evitem propagar a infecção. O controle sanitário internacional deve ser bem seguido, tanto por parte de quem viaja como das Autoridades migratórias.

É verdade que os profissionais da saúde e todos aqueles que curam os doentes infectados devem tomar as devidas precauções mas, por um lado, estas precauções não devem chegar a negar a devida ajuda ou a prestar a assistência necessária, externando aquela repugnância ou temor que, em vez de ajudar o doente ainda o fazem piorar mais. Neste campo a própria solidariedade impõe um controle rigoroso do ambiente hospitalar, tanto da limpeza apropriada dos ambientes de hospitalização como também dos instrumentos cirúrgicos utilizados.

5. Cursos

Neste sentido é preciso programar cursos de relação e de ajuda para voluntários e agentes pastorais que trabalham nos hospitais e nas casas de cura, e encontros de formação de pastoral no campo da saúde e de ética para capelães, médicos e enfermeiros dos hospitais e das clínicas.

6. Assistência

Na prática deve-se fomentar a assistência a este tipo de doente e aos familiares. Esta assistência significa, na Pastoral da saúde, em primeiro lugar assisti-los com os Sacramentos, sobretudo o Sacramento da Reconciliação, a Eucaristia e o Sacramento da Unção dos Enfermos. Destes Sacramentos surgirá, tanto para os doentes como para todos aqueles que se ocupam deles, a força solidária para os curar do melhor modo.

Conclusão

Eis indicados alguns caminhos para preencher de solidariedade, espiritualidade e amor o tratamento dos doentes. Deste modo este tratamento espiritualiza-se, partindo e sendo impregnado pelo amor que suscita o Espírito nos corações dos fiéis e faz-se plenamente pastoral, seguindo o exemplo de Cristo, o Pastor.

Esta é a raiz de muitas outras acções pastorais que nos podem vir em mente, com uma imaginação criativa para auxiliar ainda mais estes doentes.

Acolher os doentes, identificar-se com eles, serão os dois pilares para a cura dos doentes infectados e para a luta contra as doenças infecciosas. Deste modo a solidariedade cristã será a alma dos agentes da saúde e de todos os que se empenham na observância da exortação evangélica: "Curate Infirmos".

 

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