PONTIFÍCIO CONSELHO "JUSTIÇA E PAZ" REFLEXÕES DE D. RENATO RAFFAELE MARTINO O PAPA E A PAZ
Nestes últimos dias, o magistério do Papa centrou-se na paz como um "dom especial do Ressuscitado" (Rosarium Virginis Mariae, 40). Desta maneira, a paz não foi afastada, mas aproximada do homem; deste modo, a paz foi libertada das ideologias e de toda a possível instrumentalização e, por conseguinte, tornou-se verdadeiramente "possível". Radicar a paz em Deus e compreendê-la sobretudo como um dos seus dons significa, por um lado, torná-la "indisponível" às manipulações partidárias e, precisamente por este motivo, colocá-la à disposição dos homens e fazer dela algo plenamente humano. A paz vem do Alto e, por isso, está também ao nosso alcance. Que isto não se pareça com um paradoxo! Firmemente radicada em Deus, ela torna-se um aspecto caracterizador da fé cristã no Emanuel, no Deus-connosco; ela adquire intensidade e penetra os meandros mais profundos do nosso ser. Remetida para o Alto, ela torna-se utilizável aqui em baixo, libertando-se das ideologias para se tornar algo humano, uma coisa nossa, uma coisa "minha". Radicada em Deus, a paz adquire impulso e liberdade, torna-se atraente e convincente, porque se torna uma "vocação". A paz é, inclusive, uma questão "minha", interpela-me também a mim, precisamente porque não pertence a ninguém em particular, mas é uma dádiva do Alto. Assim, a verticalidade transforma-se em horizontalidade. Quanto mais a paz se fundamenta em Deus, mais ela pertence a todos e não apenas a uma única pessoa. Nenhuma bandeira a pode interpretar completamente, ninguém é plenamente titular da mesma e nenhum interesse concreto pode eximir-se do seu confronto. Ninguém está isento de culpas no que se lhe refere, embora nem todas as culpas sejam iguais. A paz torna-se uma "medida" e um critério de discernimento, uma "agenda": elenco de coisas a fazer, ou seja, deveres. Como "dom de Deus", ela pertence à humanidade e é o seu bem comum. Ela é susceptível e condescendente, exigente e disponível. Susceptível, porque não tolera compromissos e instrumentalizações mesquinhos; condescendente, porque se põe ao alcance de todos, "mesmo" dos grandes da terra; exigente, porque é feita para as pessoas convictas e intrépidas; e disponível, porque se adapta ao realismo da gradualidade e à tolerância das debilidades humanas. Neste magistério, inseriu-se a incansável actividade diplomática do próprio Papa e da Santa Sé, que se encontraram com os principais protagonistas da política mundial. Recentemente, os jornais falaram das últimas duas potências que ainda subsistem: os Estados Unidos da América e a opinião pública mundial. Considerando a actividade diplomática do Papa e da Santa Sé nestes últimos dias, pode ter-se a impressão de que existe uma terceira "potência" mundial em acção. Mas seria redutivo considerar a incessante actividade diplomática da Santa Sé com os olhos da política internacional habitual, com os critérios dos Estados e dos exércitos. A força desta acção diplomática concentra-se totalmente na sua natureza pastoral, de anúncio da Notícia cristã aos corações dos homens. A Igreja não se compromete na política, mesmo quando o Papa se encontra com os mais importantes Chefes de Estado, em períodos preocupantes como o do momento presente. Mas quando a Igreja anuncia Cristo, a verdadeira Paz, e quando se compromete a impedir que desfaleça a convicção de que a paz, antes de ser construção das Chancelarias, é um dom de Deus e o fruto da obra dos homens justos, então não pode deixar de ter, inclusivamente, repercussões "políticas" positivas. Em terceiro lugar, a oração e o jejum da Quarta-Feira de Cinzas. Também desta vez, a contemplação cristã revelou-se repleta de realismo. A oração pela paz não constitui uma evasão, mas uma imersão na vida; o jejum pela paz, que o Papa pediu no dia 5 de Março passado, não foi uma manobra vazia: tendo os olhos fixos em Cristo, como afirma a Carta Rosarium Virginis Mariae (cf. n. 40), podemos tornar-se construtores da paz. O realismo cristão fundamenta a paz no "Deus da Paz" e, precisamente por este motivo, faz dela algo que é utilizável aqui e agora, faz dela a moeda do diálogo e do confronto, da intrepidez em prol do bem comum, da coragem criativa e também do realismo cheio de sabedoria. Exactamente porque a paz é recebida trata-se de um dom ela está também nas nossas mãos. Não é fabricada, mas faz-se germinar ou frutificar. E é criada pouco a pouco, até que o "não" à guerra se torne um "rever" o caminho que a tornou possível. Significa ter os pés firmes no chão, com a consciência de que o itinerário rumo à paz é longo, mas não impossível, que as resistências são numerosas, mas não insuperáveis, que o passado impede o futuro, mas não o prejudica e, sobretudo, que não existe "a" guerra, mas sim "as" guerras, aquelas sobre as quais os meios de comunicação apontam os reflectores nos momentos de emergência, mas também aquelas esquecidas, e que permanecem escondidas, ocultadas por interesses e ideologias, e ainda aquelas que são "toleradas", porque são politicamente correctas. O valor acrescentado destes três elementos, estreitamente unidos entre si num único "conjunto" significativo, com toda a probabilidade construirá um ponto de partida importante para a pedagogia da paz no mundo, uma passagem da consciência moral da humanidade a um nível superior de maturidade.
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