The Holy See
back up
Search
riga

PONTIFÍCIO CONSELHO PARA A PASTORAL
DOS MIGRANTES E ITINERANTES


APRESENTAÇÃO DO DOCUMENTO
«ERGA MIGRANTES CARITAS CHRISTI»

INTERVENÇÃO DE D. AGOSTINO MARCHETTO
SECRETÁRIO DO DICASTÉRIO

 Sexta-feira, 14 de Maio de 2004

 

1. As migrações contemporâneas constituem o mais vasto movimento de pessoas de todos os tempos. Ao longo das últimas décadas este fenómeno, que actualmente envolve mais de duzentos milhões de pessoas, transformou-se num acontecimento estrutural da sociedade e constitui uma complexa realidade social, cultural, política, económica, religiosa e pastoral.

2. A Instrução Erga migrantes caritas Christi deseja actualizar precisamente a pastoral migratória, há trinta e cinco anos da publicação do Motu proprio do Papa Paulo VI Pastoralis migratorum cura e da relativa Instrução da Sagrada Congregação para os Bispos De pastorali migratorum cura ("Nemo est").

Além disso, a presente Instrução deseja constituir uma resposta eclesial às renovadas necessidades pastorais dos migrantes, para nos levar a transformar a experiência migratória numa ocasião de diálogo e de missão, no sinal da nova evangelização. O presente Documento tende, outrossim, a facilitar uma aplicação específica da legislação contida no Código de Direito Canónico e no Código de Direito Canónico para as Igrejas Orientais, em ordem a responder de maneira mais adequada às exigências particulares dos fiéis emigrados das Igrejas católicas orientais, hoje em dia cada vez mais numerosos.

3. A composição das migrações contemporâneas, além de se desenvolverem a partir do próprio ecumenismo, impõe igualmente a necessidade de uma visão ecuménica deste mesmo fenómeno, em virtude da presença em territórios tradicionalmente católicos de numerosos migrantes cristãos que não vivem em plena comunhão com a Igreja católica. Além disso, existe a dimensão do diálogo inter-religioso, por causa do número cada vez mais consistente de migrantes pertencentes a outras religiões, em particular à confissão muçulmana.

Assim, a todos os católicos impõe-se uma exigência especialmente pastoral, ou seja, o dever de promover uma acção fiel à Tradição eclesial e, ao mesmo tempo, aberta a novos desenvolvimentos, relativos também às estruturas pastorais, e isto em vista de as tornar aptas para garantir a comunhão entre os Agentes pastorais específicos e a Hierarquia local, que permanece decisiva na solicitude eclesial para com os migrantes, e é a primeira responsável pelos mesmos.

4. O presente Documento, depois de uma resenha das características peculiares do hodierno fenómeno migratório (o evento da globalização, a transmissão demográfica em acto e, sobretudo, nos países de primeira industrialização, o aumento exponencial das desigualdades entre o Norte e o Sul do mundo, a proliferação de conflitos e de guerras civis), ressalta as vigorosas dificuldades, que geralmente a emigração causa nas famílias e nos indivíduos singularmente, em particular para as mulheres e as crianças. Este fenómeno levanta também o problema ético da busca de uma nova ordem económica internacional para uma distribuição mais equitativa dos bens da terra, na visão da comunidade mundial como família de povos, com a aplicação do Direito internacional.

Em seguida, na presente Instrução delineia-se um precioso quadro de referência bíblico-teológica, contemplando o fenómeno migratório na história da salvação, como sinal dos tempos e da presença de Deus na história e na comunidade dos homens, em vista de uma comunhão universal.
5. Com um resumido excursus histórico, a Instrução deseja demonstrar a solicitude da Igreja pelo Migrante e pelo Refugiado, presente nos documentos eclesiais:  da Exsul familia ao Concílio Ecuménico Vaticano II, à Instrução De pastorali migratorum cura e à sucessiva normativa canónica. Esta leitura revela importantes contribuições teológicas e pastorais, assim como a centralidade da pessoa, a defesa dos direitos do migrante, a dimensão eclesial e missionária das próprias migrações, a ajuda pastoral dos leigos e dos Institutos de vida consagrada e as Sociedades de vida apostólica, o valor das culturas na obra de evangelização, a salvaguarda e a valorização das minorias, mesmo no interior da Igreja local, a importância do diálogo eclesial intra e extra e, enfim, a contribuição específica que a emigração poderia oferecer para a paz universal.

6. Outras instâncias, como a necessidade da "inculturação" da mensagem cristã, a visão da Igreja entendida como comunhão, missão e Povo de Deus, a importância sempre actual de uma pastoral específica para os migrantes, o compromisso dialógico-missionário de todos os membros do Corpo místico de Cristo e o consequente dever de uma cultura do acolhimento e da solidariedade em relação aos migrantes, tudo isto introduz na análise das exigências pastorais específicas que esperam uma resposta, tanto as dos migrantes católicos (quer de rito latino, quer de rito oriental), como as dos migrantes que pertencem a várias Igrejas e Comunidades eclesiais, a outras confissões religiosas em geral e, de maneira particular, ao Islão.

7. Em seguida, é ulteriormente especificada e confirmada a configuração pastoral e jurídica dos Agentes no campo da pastoral da saúde em particular dos Capelães/Missionários e do seu Delegado (Coordenador) nacional, dos Presbíteros diocesanos/eparquiais, dos Religiosos, das Religiosas, dos Leigos e das Associações e dos Movimentos laicais cujo compromisso apostólico é visto e considerado na perspectiva de uma pastoral de comunhão.

8. A integração das estruturas pastorais (as que já foram adquiridas e aquelas que estão em perspectiva) e a inserção eclesial dos migrantes na pastoral ordinária com o pleno respeito da sua diversidade legítima e do seu património espiritual e cultural, inclusivamente em vista da formação de uma Igreja cada vez mais "católica" é outra importante característica que a presente Instrução deseja sublinhar e propor às Igrejas particulares. Esta integração constitui uma condição essencial para que a pastoral para e com os migrantes possa tornar-se uma expressão significativa da Igreja universal e missio ad gentes (missão aos povos), encontro fraterno e pacífico, casa de todos, escola de comunhão acolhida e participada, de reconciliação pedida e oferecida, de hospitalidade e solidariedade mútuas e fraternas, assim como de autêntica promoção humana e cristã.

9. Um "Ordenamento jurídico-pastoral", actualizado e específico, coroa a presente Instrução evocando, com uma linguagem apropriada, tarefas, incumbências e funções dos Agentes pastorais e dos vários Organismos eclesiais prepostos à pastoral da imigração, com a finalidade de a tornar quanto mais adequada possível às exigências contemporâneas dos migrantes e às previsíveis perspectivas futuras.

10. Por conseguinte, este Documento une-se idealmente à Exsul familia cujo quinquagésimo aniversário celebrámos há dois anos e frisa a sua continuidade de inspiração mas, ao mesmo tempo, com uma abertura às novas perspectivas que, hoje, o fenómeno migratório nos indica. Portanto, a Igreja encontra-se continuamente comprometida na actualização dos instrumentos de análise e de programação pastoral. Também aqui a tradição e a inovação caminham pari passu.

11. Sem dúvida, há cinquenta anos ainda não entravam nos nossos lares imagens de prófugos, de refugiados e de deportados de guerra nos Balcãs, por exemplo, ou na África nem imagens de "banheiras do mar", apinhadas de cidadãos albaneses, curdos ou africanos irregulares. A televisão ainda não nos mostrava os rostos de milhares de seres humanos confusos, extenuados e famintos, à procura de um lugar de  trabalho,  em  busca  de  segurança, de um futuro para si mesmos e para a sua própria família. E ainda não nos transmitiam aquelas cenas de prepotência e de morte, aqueles rostos horrorizados de numerosos dos nossos irmãos, das devastações dos seus corpos e da desolação das suas aldeias destruídas pela violência, pelo ódio e pela vingança.

Aqueles estrangeiros, feridos e desesperados ainda não desembarcavam nas nossas praias quando, há cem anos, eram numerosos os europeus que atravessavam o oceano em busca de um trabalho e de um futuro melhor. Também nessa época, a Igreja estava presente, para garantir os primeiros socorros aos feridos, dar de comer aos pequenos e grandes, ajudar a encontrar alojamento ou refúgio por mais humilde e precário que fosse sobretudo para assumir a tarefa de abrir um caminho que ampliasse o olhar acolhedor de todos, mas em primeiro lugar dos cristãos.

12. Por conseguinte, a história continua no meio destes dramas, antigos e novos. E a Igreja está sempre presente, ao lado dos antigos e dos novos migrantes. A Instrução Erga migrantes caritas Christi deseja indicar uma vez mais, a todos os cristãos, o exemplo do Bom Samaritano que, há dois mil anos, socorreu o homem e o salvou, entregando Ele mesmo a sua vida.

 

 

 

 

top