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SECRETARIA DE ESTADO

DISCURSO DO OBSERVADOR PERMANENTE
DA SANTA SÉ JUNTO DA ONU
D. RAFFAELE MARTINO

16 de Outubro de 1997

 

Senhor Presidente

O lançamento das iniciativas das Instituições financeiras internacionais em favor dos Heavily Indebted Poorest Countries (HIPC) («Os países mais pobres fortemente endividados») chamou novamente a atenção da «família das nações» para a crise da dívida externa. Hoje, a questão da dívida apresenta-se, de modo mais claro do que nunca, à ordem do dia internacional.

A iniciativa dos HIPC merece apreço e apoio. Constitui um importante reconhecimento, da parte dos governos e das organizações internacionais, assim como do sector bancário, de que em muitos países a crise da dívida deturpa seriamente o processo de desenvolvimento. Além disso, reconhece que os desvios do desenvolvimento, causados pela crise da dívida, só podem ser resolvidos mediante uma vasta gama de avaliações, que inevitavelmente envolvem medidas de um substancial cancelamento da dívida.

Em inúmeras ocasiões, a Santa Sé encorajou a rápida aplicação da iniciativa dos HIPC, também no espírito com que muitas pessoas desejam celebrar o ano 2000, nomeadamente, como um Jubileu. Na tradição bíblica, o Jubileu era um ano em que se restabeleciam a harmonia e a equidade entre as pessoas e as comunidades. Entre as manifestações concretas deste espírito do Jubileu, existem a remissão das dívidas e a eliminação dos fardos que oprimem os mais pobres, a ponto de os tornar incapazes de assumir o lugar que lhes compete na edificação da sociedade, em igualdade de posição com os outros. Este é o contexto em que o Papa João Paulo II indicou o ano 2000 como um período em que é oportuno «pensar, além do mais, numa consistente redução, se não mesmo no perdão total da dívida internacional, que pesa [gravemente] sobre o destino de muitas nações » (Tertio millennio adveniente, 51).

Ao longo dos anos, o Pontifício Conselho «Justiça e Paz» tem abordado de maneira especial a questão da dívida externa. Nos próximos anos, lançará várias iniciativas, em diálogo com governos e organizações particulares, tendo em vista a sensibilização da opinião pública para esta problemática.

A responsabilidade da iniciativa dos HIPC pertence colectivamente a vários protagonistas: bancos, governos individuais e instituições regionais e internacionais. A Santa Sé avalia as constantes exigências envolvidas no exame pormenorizado da situação da dívida de cada país, empenhado na coordenação das decisões a serem tomadas pelos diferentes protagonistas. Contudo, a minha Delegação dirige um apelo a todos os responsáveis pela iniciativa dos HIPC, para que promovam rapidamente o progresso, mediante a aplicação flexível dos seus princípios, de forma que todos os países qualificados comecem a ser objecto da redução concreta da dívida já no ano 2000.

Um papel especial nesta iniciativa compete aos países mais abastados e às economias mais imponentes que, precisamente em virtude da sua superioridade, têm ulteriores responsabilidades no que concerne à promoção dum mundo mais solidário. Por exemplo, as contribuições para um especial Fundo de Crédito pode constituir uma instância de particular compromisso neste processo. Até agora, tais contributos foram numericamente limitados. Contudo, enquanto mesmo os países em vias de desenvolvimento oferecem contribuições, pareceria existir menos entusiasmo e empenho da parte de algumas das nações mais ricas. É necessário voltar a sublinhar que no mundo contemporâneo é fundamental uma cultura da solidariedade internacional. A solidariedade internacional constitui uma dimensão essencial do «bem comum» da comunidade mundial. Numa cultura da solidariedade, os cidadãos dos países mais ricos deveriam compreender a importância que têm os programas de cooperação internacional solidamente ancorados, como contributos para um mundo mais equitativo e, por conseguinte, mais estável e seguro. Numa moderna cultura da solidariedade, o sector privado, destinado a ganhar mais no processo de globalização, deverá reconhecer as responsabilidades que lhe competem no que se refere ao bem de todos. As organizações voluntárias de desenvolvimento, incluídos os organismos eclesiais, podem desempenhar um papel relevante na promoção desta cultura de solidariedade internacional.

Ao mesmo tempo que elogia a iniciativa dos HIPC, a minha Delegação também reconhece que se trata de um empreendimento limitado, que impõe condições muito exigentes para os países mais pobres, antes ainda que estes recebam os benefícios. A dificuldade de tais condições é reconhecida por todos e, desta forma, atribui maior urgência aos apelos em prol de uma aplicação mais rápida e flexível dessa iniciativa. Tal urgência é ainda maior se se considera que são os sectores mais pobres de cada sociedade a suportarem os fardos mais pesados dos atrasos e dos adiamentos.

Além disso, a iniciativa dos HIPC está destinada a não abordar de modo algum os pesos da dívida de numerosos países fortemente endividados, quer porque estes não se encontram entre os países mais pobres, quer porque os fardos da sua dívida são considerados «sustentáveis». Em muitos casos, são precisamente estes os países que foram coerentes na resposta às suas obrigações internacionais, tendo continuado com os pagamentos, até mesmo à custa de grandes sacrifícios sociais impostos aos seus cidadãos. Será necessário proceder a um renovado exame construtivo dos problemas da dívida nesses países, de forma especial mediante uma diversificada avaliação dos termos do carácter de suportabilidade da dívida, incluindo uma medida mais específica da «sustentabilidade social». Com efeito, os estudos contemporâneos acerca da crise da dívida latino-americana dos anos 80 demonstram, de modo muito clarividente, até que ponto a gestão dessa crise teve sérios efeitos sociais durante muitos anos, atrasando ou impedindo o progresso social por mais de uma década. Muitos países latino- americanos ainda estão a lutar para sair definitivamente dos efeitos dessa crise. É do interesse da inteira família das nações evitar que tal situação se repita.

Contudo, a crise da dívida externa constitui apenas um dos aspectos da mais vasta problemática da promoção da solidariedade internacional e da evolução das políticas económicas, que devem garantir a equidade no seio das nações e entre si mesmas, e nas quais há que abordar as principais preocupações dos mais pobres.

Os próprios países em vias de desenvolvimento têm a árdua tarefa de trabalhar contemporaneamente — e com frequência num ambiente desfavorável — em favor do estabelecimento de sólidas políticas económicas e de políticas que dão especial saliência ao desenvolvimento social. Todavia, estas realidades não são contraditórias: a política económica de qualquer país não será sustentável a longo prazo se não tiver em consideração o bem-estar e o progresso de todos os seus concidadãos, do povo que é a verdadeira riqueza de uma nação, o protagonista central do desenvolvimento económico e o cerne de todas as nossas solicitudes em vista do desenvolvimento sustentável.

 

 

 

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