The Holy See
back up
Search
riga

INTERVENÇÃO DO OBSERVADOR PERMANENTE
DA SANTA SÉ NA 59ª SESSÃO DA COMISSÃO
DOS DIREITOS DO HOMEM

8 de Abril de 2003

"O diálogo inter-religioso e a paz"

 


Senhora Presidente

No seu relatório (cf. 115-128), o Relator Especial sobre a Liberdade de Religião e de Credo, Sua Ex.cia o Senhor Abdelfattah Amor, chamou a atenção para o significado do diálogo entre as religiões e civilizações, como um instrumento para promover uma maior tolerância, no contexto da liberdade de religião e de credo. Com efeito, este diálogo constitui uma importante contribuição para a paz, a interacção harmoniosa e a solidariedade entre as pessoas e os povos, num mundo em que as divisões e os extremismos podem facilmente surgir ou ser manipulados, em detrimento da unidade da família humana.

A importância do diálogo entre as religiões, ao serviço da paz, foi realçada de maneira particular no Decálogo de Assis para a Paz, assinado no final do Dia de Oração pela Paz, convocado pelo Papa João Paulo II no dia 24 de Janeiro de 2002, para o qual o Relator Especial também chamou a atenção no seu relatório ( 125).

Este Decálogo define alguns elementos básicos, que deveriam fazer parte do diálogo entre as religiões, em favor da paz.

Eles incluem:

a afirmação do facto de que a violência e o terrorismo são contrários a todo o autêntico espírito religioso;

a educação para o respeito e a estima recíproca entre os membros dos diferentes grupos étnicos, culturas e povos;

o reconhecimento do facto de que a abordagem das diferenças pode ser uma ocasião de maior entendimento mútuo;

o perdão dos erros e dos preconceitos do presente e do passado;

a promoção de uma cultura do diálogo, aberta à compreensão e ao diálogo.

A responsabilidade primeira da promoção deste diálogo compete aos próprios lideres religiosos. João Paulo II encorajou isto em muitas circunstâncias recomendando, ao mesmo tempo, que se evite o risco do sincretismo e de um irenismo fácil e decepcionante que, inter alia, prejudicaria o próprio diálogo (cf. Tertio millennio adveniente). Os líderes religiosos tem a responsabilidade ao analisarem aberta e respeitosamente as diferenças de assegurar que os elementos dos seus ensinamentos, que realçam a paz e a unidade da humanidade, se tornem mais centrais no seu diálogo. Como o Relator Especial observou, a qualidade do diálogo inter-religioso dependerá da capacidade que os líderes religiosos tiverem de "tratar a sua própria diversidade como parte de uma autêntica cultura de pluralismo".

Os líderes religiosos tem a particular responsabilidade de afirmar com determinação e de forma conjunta, todas as vezes que for possível que as tentativas de recorrer aos sentimentos religiosos para gerar a divisão, ou de usar a religião como uma desculpa para a violência ou o terrorismo, não podem harmonizar-se com qualquer espirito autenticamente religioso. Um requisito prévio para esta afirmação consiste em assegurar que os crentes evitem qualquer tentaçao de banalisar ou desvirtuar as outras religiões e os seus credos. Dever-se-ia prestar atenção à apresentação das outras religiões nos livros de texto escolares e educativos. Os textos actuais hão-de ser examinados de novo empenhando os representantes das religiões interessadas e, se for necessário, substituidos.

Há também a responsabilidade das pessoas que não abraçam um credo religioso especifico, especialmente aqueles que são responsáveis pela vida pública e pelos mass media, de tratar com respeito o credo religioso dos outros e de evitar estereótipos ou formas de banalização do credo religioso. Numa cultura de tolerância não há lugar para gestos e declarações quer da parte dos crentes, quer dos não-crentes desrespeitadoras e ofensivas daquilo que é sacrossanto para a consciência dos crentes individualmente e para as suas comunidades.

Como observei, a responsabilidade prioritária do diálogo inter-religioso compete aos líderes religiosos, mas os Estados têm a responsabilidade de assegurar um ambiente, cultura e legislação fundamentais, em cujo contexto tal diálogo possa ser empreendido, especialmente no que se refere às minorias religiosas. Contudo, como o Relator frisou no seu relatório, no mundo contemporâneo ainda existem exemplos de pessoas perseguidas mesmo cruelmente em virtude do credo religioso que abraçam.

Um princípio básico para a legislação sobre a liberdade religiosa nas sociedades pluralistas de hoje é quando, devido às circunstâncias ou à história de um povo em particular, na constituição ou na organização legislativa de um Estado é concedido um reconhecimento civil especial a uma comunidade religiosa, e também o direito à liberdade de todos os cidadãos e de todas as comunidades é reconhecido e respeitado (cf. Concilio Vaticano II, Declaração sobre a liberdade religiosa, n. 5). Ninguém pode ser considerado um cidadão de segunda categoria, pelo seu credo religioso. Cada comunidade religiosa tem direito à existência e a um reconhecimento legal, que lhe permita actuar plenamente em qualquer pais. A legislaçêo deve ser aplicada de maneira equitativa a todas as comunidades religiosas. A interpretação ou aplicação arbitrária da legislação constitui uma violação do direito devido à liberdade religiosa.

A organização legal da liberdade religiosa nao deveria promover o controlo das instituições religiosas, mas sobretudo permitir que os crentes possam praticar plena e livremente a sua religião e que só sejam sujeitos aos limites definidos no art. 1, 3 da Declaração sobre a eliminação de todas as formas de intolerância e discriminação fundamentadas sobre a religião e o credo e também, como crentes, oferecer as suas contribuições para o bem comum da sociedade a que pertencem, administrando instituições caritativas e humanitárias apropriadas (cf. ibid., art. 6 b).
Diante das crescentes tensões que existem entre os grupos étnicos, é do interesse de todos que a liberdade religiosa seja promovida e que o diálogo entre as religiões possa desenvolver-se, para o bem comum de toda a família humana.

 

 

 

top