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SECRETARIA DE ESTADO

INTERVENÇÃO DO CHEFE DA DELEGAÇÃO
DA SANTA SÉ D. SILVANO TOMASI NA XI SESSÃO
DA CONFERÊNCIA DA ONU SOBRE O COMÉRCIO
E O DESENVOLVIMENTO (UNCTAD)

São Paulo, 13-18 de Junho de 2004

 

Senhor Presidente

A Delegação da Santa Sé une-se aos oradores que tomaram a palavra precedentemente, felicitando-o, assim como os membros da Directoria, pela sua eleição para esta importante Conferência ministerial, no quadragésimo aniversário do estabelecimento da UNCTAD. Ela agradece calorosamente ao Governo e ao Povo do Brasil as suas boas-vindas e hospitalidade.

1. Há quarenta anos, os Estados participantes na primeira Conferência da Organização das Nações Unidos sobre o Comércio e o Desenvolvimento, realizada em Genebra, manifestaram a sua determinação em "procurar um sistema melhor e mais efectivo de cooperação económica internacional, em que a divisão do mundo em regiões de pobreza e de abundância possa desaparecer e a prosperidade consiga ser alcançada por todos". Eles reivindicaram a abolição da pobreza em toda a parte, considerando fundamental "que os fluxos do comércio mundial contribuam para eliminar as profundas disparidades económicas existentes entre as nações... O trabalho de desenvolvimento", acrescentaram os Estados, "visa o benefício dos povos no seu conjunto".

Actualmente, a UNCTAD permanece um instrumento válido para alcançar as suas aspirações iniciais e para promover o desenvolvimento e o diálogo entre os países avançados e as nações em vias de desenvolvimento. A finalidade da presente Conferência internacional demonstra a importância de fomentar a coerência entre as estratégias nacionais de desenvolvimento e os processos económicos em escala mundial.

2. Com efeito, a globalização é uma realidade. Ao longo dos últimos quinze anos, este processo foi acelerado ulteriormente pelas mudanças ocorridas na geopolítica internacional, pela rápida diminuição do preço dos transportes e, de modo particular, pela difusão das tecnologias de informação e de comunicação. Muitas das economias mundiais estão a ser cada vez mais integradas. No que diz respeito às vantagens e aos desafios, ao custo e aos benefícios, cada sociedade e cada economia deve ter em consideração os mercados mundiais.

3. A importância da dimensão económica, fundamentada na integração do mercado, é tão essencial que numerosas instituições internacionais a consideram como o elemento saliente da globalização. Contudo, a globalização possui ainda outros aspectos, como o cultural e o ético. Diante de problemas como a pobreza, a salvaguarda do meio ambiente, a segurança e o direito ao desenvolvimento, a comunidade global começa a definir objectivos comuns que são compartilhados por todos os Estados e pela sociedade civil no seu conjunto. A aceitação do direito ao desenvolvimento, e a importância da participação de todos como instrumentos para o alcançar, são alguns dos passos a dar no progresso de uma consciência conjunta dos aspectos éticos e culturais, no processo de integração. Como diz o Papa João Paulo II: "Por sua vez, a Igreja continua a afirmar que o discernimento ético no contexto da globalização deve fundamentar-se sobre dois princípios inseparáveis: em primeiro lugar, o valor inalienável da pessoa humana, fonte de todos os direitos humanos e de cada ordenamento social... Em segundo lugar, o valor da cultura humana, que nenhum poder externo tem o direito de subestimar e, ainda menos, de destruir".

4. Devemos reconhecer que os presentes benefícios ainda se encontram muito abaixo do nível apropriado, e que a dinâmica da globalização tem levado à marginalização, se não mesmo ao empobrecimento, de muitos povos da terra.

Por este motivo, os diferentes aspectos da globalização, quer sejam positivos quer negativos, devem ser enfrentados pelos vários protagonistas com uma responsabilidade conjunta. Nos diferentes contextos, a globalização produz diversos resultados. "A priori, a globalização não é boa nem má. Será aquilo que as pessoas dela fizerem. Nenhum sistema constitui um fim em si próprio, e é necessário insistir que a globalização, assim como qualquer outro sistema, se ponha ao serviço da pessoa humana; e sirva a solidariedade e o bem comum".

5. O número de pessoas que vivem abaixo do limiar de um dólar por dia per capita diminuiu desde a década de 80. Este resultado positivo foi atribuído ao processo de integração económica realizado por diversos países.

Contudo, ainda subsiste um acentuado desequilíbrio regional. Enquanto determinados países reduziram de modo sensível o seu número absoluto de pessoas que vivem na pobreza, graças a um forte crescimento, noutras regiões contudo, de modo principal na África subsariana e na América Latina, este número aumentou.

De forma geral, a relação entre a abertura económica e a diminuição da pobreza não parece ser sólida. A maior participação e integração representam um progresso importante para alcançar uma vida mais digna. Ao mesmo tempo, a compreensão da relação entre a integração económica e a redução da pobreza deve ser aprofundada e aperfeiçoada.

6. Observou-se que a integração económica, nalgumas das modalidades actuais, tem levado a uma maior desigualdade. O fosso da renda per capita entre os mais ricos e os mais pobres tem aumentado de maneira significativa, e não há indicações de que esta tendência possa ser alterada.

Além disso, este processo é muitas vezes associado à maior desigualdade no interior dos vários países. Observamos que em certos países onde há um forte crescimento económico existem também um aumento do desequilíbrio do nível de renda e um maior fosso entre as diversas camadas da população, devido aos outros aspectos da pobreza, como o acesso ao mercado, as condições de saúde, a mortalidade de modo particular a mortalidade infantil e a educação.

O aumento do desequilíbrio, quando é permanente, leva certamente à exclusão de vastos sectores da população e pode resultar num dualismo estrutural que é difícil de eliminar, uma vez que se instaura. Um exemplo é a marginalização de vastas áreas rurais e o aumento do número de pessoas empregadas no sector informal, comparado com as pessoas empregadas no sector formal, nas áreas urbanas dos países em vias de desenvolvimento, problemas estruturais que devem ser oportunamente abordados.

7. Este tipo de marginalização viola a dignidade humana e priva as pessoas do seu direito de participar plenamente nas oportunidades de crescimento, enquanto sufoca o desenvolvimento criando, assim, um círculo vicioso: muitos países são impedidos de acompanhar a complexa dinâmica da economia mundial e são impelidos para novas formas de pobreza.

8. A desigualdade constitui uma fonte de conflito. Em certos casos e sob determinadas condições, as expectativas geram a inquietação social e até mesmo a aceitação da violência como forma de expressão social.

9. Em síntese, embora a integração económica possa levar a um maior crescimento e "através do crescimento o comércio seja positivo para os pobres", é necessário tomar cuidado para evitar também a desigualdade no processo de desenvolvimento.

Dado que a abertura da economia não é, por si só, uma política antipobreza, devemos desenvolver uma compreensão do modo como as políticas de integração do comércio podem transformar-se em políticas que realmente reduzirão a pobreza.

10. A eliminação da pobreza aumenta a coesão social e torna-se um instrumento para o crescimento sustentável. Tendo em vista esta finalidade, devemos absolutamente frisar a importância da "erradicação da pobreza" como objectivo conjunto, e o caminho para alcançar isto passa através do fortalecimento do mercado nacional e, sobretudo, através do investimento no desenvolvimento dos recursos humanos e através do aperfeiçoamento da capacidade de participar nas oportunidades oferecidas pela integração económica, primeiro à população activa e, enfim, à comunidade no seu conjunto. Juntamente com o investimento na infra-estrutura, o investimento no capital humano é um factor decisivo para assegurar um crescimento que seja sustentável e não volúvel.

11. A única finalidade do desenvolvimento não consiste em fazer com que as pessoas se tornem "mais produtivas" mas, ao contrário, em garantir a sua dignidade e aperfeiçoar a sua capacidade de agir livremente.

Falar de capital humano e de recursos humanos significa identificar o elemento central no processo de desenvolvimento. O desenvolvimento não consiste só na eliminação da pobreza, mas também na melhor assistência médica e na educação, na inclusão no seio da sociedade e na fruição integral dos direitos civis e políticos por parte da população em geral. As dimensões económicas, sociais, culturais e políticas do desenvolvimento estão vinculadas entre si de maneira indissolúvel. E o nexo entre estas dimensões é a pessoa humana, em todos e em cada um dos seus relacionamentos.

12. Se quiserem tornar-se protagonistas, os homens e as mulheres precisam sobretudo de um contexto familiar e social, em que possam ser educados para enfrentar os desafios da vida com responsabilidade. Assim, as políticas de desenvolvimento deveriam tornar-se mais criativas, tendo em consideração precisamente estes aspectos. De igual importância, para garantir o desenvolvimento equitativo, é a questão do sexo das pessoas. Abordar as questões relativos ao género significa adoptar políticas e modelos de comportamento que assegurem a plena integração das mulheres, particularmente jovens, no tecido social, garantindo-lhes desta maneira a igualdade de direitos e de acesso à educação, à assistência médica e ao crescimento. O revigoramento do poder das mulheres contribui para as mudanças e produz resultados imediatos no que se refere à eficácia, ao aumento da renda e ao maior investimento em capital humano.

13. Todos os protagonistas, tanto nacionais como internacionais, públicos e privados, podem garantir o melhor êxito se, nos seus objectivos conjuntos, fomentarem um conceito de desenvolvimento que trate simultaneamente do aspecto microeconómico da assistência ao desenvolvimento dos indivíduos e da sociedade civil, e das políticas internacionais macroeconómicas de assistência.

14. A nível internacional, as políticas de assistência incluem: a renovação do fluxo da Assistência Oficial ao Desenvolvimento (ODA), a adopção das formas mais avançadas de diminuição da dívida, em vista de assegurar o desenvolvimento social, a adopção de regras comuns para controlar a volubilidade dos mercados financeiros e a revisão das regras comerciais nos mercados, que são fundamentais para o desenvolvimento dos países mais pobres. Por outro lado, o sector privado deveria ter uma maior consciência da sua responsabilidade de se empenhar como protagonista na busca desta meta de desenvolvimento.

15. No actual contexto de interdependência, os Estados devem comprometer-se no diálogo, em ordem a identificar as formas e os instrumentos específicos do seu desenvolvimento nacional individual.

Neste aperfeiçoamento do processo, a responsabilidade básica depende do governo individual. O acesso à educação e à assistência médica, uma melhor qualidade na administração pública, o bom governo, a educação dos oficiais públicos, inter alia, constituem outros tantos elementos indispensáveis para assegurar um desenvolvimento sustentável.

16. Não se trata meramente da questão de estabelecer um equilíbrio entre a responsabilidade nacional e internacional, mas sobretudo de uma problemática de reorientação da acção conjunta dos protagonistas, simultânea e coerentemente, para a mesma finalidade: o desenvolvimento amplamente compartilhado por todos os elementos da sociedade e um sistema comercial internacional que seja equitativo e justo.

Senhor Presidente

17. Não posso concluir, sem fazer menção do papel fundamental e pioneiro, desempenhado pela UNCTAD ao longo dos últimos quarenta anos, no cumprimento do seu mandato tridimensional. Sem a UNCTAD, o diálogo e a construção do consenso entre os países desenvolvidos e as nações em vias de desenvolvimento seriam menos profundos, menos eficazes e menos significativos. Num mundo cada vez mais interdependente, o papel da UNCTAD permanece válido e necessário, se quisermos exaltar as vantagens da globalização e minimizar, se não mesmo eliminar, algumas das suas consequências mais iníquas. A Santa Sé aproveita esta oportunidade para confirmar a sua assistência em vista da revitalização da UNCTAD, de tal maneira que esta possa honrar melhor o seu mandato e alcançar os seus objectivos em íntima cooperação com as importantes organizações internacionais.

Neste contexto, gostaria de sublinhar a importância do papel desempenhado pelo Secretariado da UNCTAD, congratulando-me de modo particular com o seu Secretário-Geral, Sua Ex.cia o Senhor Rubens Recupero, pelo seu compromisso e pela sua dedicação à causa do desenvolvimento mundial.

Senhor Presidente, estamos todos convencidos de que a XI Sessão da UNCTAD há-de constituir um momento decisivo no longo e difícil caminho do desenvolvimento.

 


Notas

João Paulo II, Homilia no Jubileu dos Trabalhadores, 1 de Maio de 2000.
João Paulo II, Mensagem para o Dia Mundial da Paz, 1 de Janeiro de 2001, n. 17.
João Paulo II, Carta Encíclica Centesimus annus, 58.

 

 

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