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SECRETARIA DE ESTADO

INTERVENÇÃO DA DELEGAÇÃO DA SANTA SÉ
 NA SESSÃO MINISTERIAL DO ECOSOC
SOBRE A POBREZA

Nova Iorque, 29 de Junho de 2004

Senhora Presidente

Com as indicações de que os países menos desenvolvidos correm o perigo de não atingir os objectivos da erradicação da pobreza, a Santa Sé une a sua voz à daqueles que estão a exortar urgentemente a família das nações a ir ao encontro das necessidades dos seus membros mais vulneráveis.

A minha Delegação observa com preocupação o facto de que, considerando o progresso actual, provavelmente a maioria dos países menos desenvolvidos (LDCs) não atingirá, por exemplo, os objectivos do Programa de Acção de Bruxelas (BPOA). As taxas de crescimento económico dos países menos desenvolvidos têm sido muito inferiores aos níveis necessários para começar a progredir na redução da pobreza; os fluxos de investimento não aumentaram de maneira significativa; e os fluxos da Assistência Oficial ao Desenvolvimento (ODA) e do Investimento Estrangeiro Directo (FDI) têm sido inadequados. Além disso, muitos dos países menos desenvolvidos vivem em situações de pós-conflito, enquanto 80% dos 20 países mais pobres dentre estes saíram da guerra civil somente nos últimos 15 anos.

Contudo, as dificuldades e desafios até aqui encontrados não devem ser considerados como justificações mas, pelo contrário, como encorajamentos para levar os parceiros do desenvolvimento a realizar esforços ainda mais intensos. Como o Papa João Paulo II tem insistido, "os pobres não podem esperar!". Ninguém pode negar que é imenso o desafio de contrastar aquilo que, com frequência, parece constituir um ciclo perpétuo de pobreza, especialmente dos países menos desenvolvidos.

Por vezes subestima-se, entre os obstáculos contra o progresso, o facto de que a globalização tem acelerado a desagregação de muitos estilos de vida. Na medida em que os antigos modelos de trabalho e de vida familiar se desintegram, aumenta o sentido de impotência. Na medida em que surgem novas formas de pobreza, os pobres têm cada vez mais o rosto das mulheres e das crianças. Em síntese, o mundo contemporâneo está a passar por uma fase caótica, repleta de riscos e de promessas. As pessoas que correm os maiores perigos no meio desta turbulência económica e social são, com frequência, as mais ignoradas.

Todavia, a comunidade internacional elaborou uma forma coordenada e cooperativa de habilitar os países menos desenvolvidos, a fim de que façam progredir as suas próprias economias e entrem no círculo de produção e de intercâmbio. Os elementos de tal abordagem foram vastamente definidos: o perdão das dívidas, as práticas justas de comércio, o governo da lei, o investimento no campo da educação, o cuidado médico primário, a alimentação e o saneamento.

A este propósito, a Santa Sé observa que o Programa de Acção de Bruxelas, que visa a erradicação da pobreza e da fome nos 50 países menos desenvolvidos do mundo, onde moram 700 milhões dos pobres da terra. Os compromissos específicos previstos por este Programa de Acção podem levar a aumentar a assistência destinada ao desenvolvimento, promover investimentos estrangeiros, reduzir o peso das dívidas e abrir os mercados dos países industrializados, para as exportações dos países menos desenvolvidos.

Os programas internacionais concordes de acção, como o Programa de Acção de Bruxelas, têm a potencialidade de oferecer à humanidade a chave para abrir a prisão da pobreza. Pela primeira vez na história, poderemos chegar a definir as condições para que cada menino e cada menina consigam desenvolver a sua plena potencialidade humana. Todavia, a chave para as portas da prisão não pode ser virada somente por uma das partes interessadas. Será um escândalo e uma tragédia, se as nações não se derem as mãos para virar esta chave. Neste sentido, a comunidade internacional deveria exortar os países desenvolvidos para serem os primeiros a demonstrar um maior nível de responsabilidade e de solidariedade, assim como abandonar os interesses e os objectivos do seu único grupo, em vantagem do nobre interesse do bem comum. Sem um compromisso sério por parte dos países abastados, em vista de contribuir com a sua porção de sacrifícios neste processo, os países menos desenvolvidos continuarão a viver fechados na sua actual situação de dificuldade.

Daqui a urgência deste segmento de alto nível. Como é que se podem revitalizar os compromissos já assumidos? Como é que se pode progredir mais rapidamente ao longo de um caminho bem traçado? Como parceira caracterizada por uma antiga e singular solicitude pelos povos mais pobres dos países menos desenvolvidos, a Santa Sé reconhece que é necessária uma vasta gama de medidas cooperativas económicas e políticas.

Tendo em vista o objectivo internacionalmente concordado, de reduzir para metade, até ao ano de 2015, a pobreza nos países menos desenvolvidos, a Santa Sé reconhece que actualmente existe a urgente necessidade de um compromisso efectivo a nível mundial, para mobilizar maiores volumes de recursos financeiros para o desenvolvimento, em vista de abordar a pobreza difundida no âmbito dos países menos desenvolvidos. Contudo, para poder beneficiar os países menos desenvolvidos, esta assistência financeira deve ser orientada mais eficazmente para investimentos bem analisados e produtivos, que ajudem abertamente as comunidades que se têm em vista. Paralelamente, há uma grande necessidade de promover as capacidades locais, para ajudar a preparar e a realizar tais investimentos, fomentando procedimentos de maior transparência e responsabilidade, para controlar o modo como tais recursos estão a ser utilizados. Enquanto se realizam esforços em ordem a desenvolver condições financeiras e comerciais mais adequadas, a comunidade internacional deveria continuar a buscar formas e instrumentos para tornar possível uma distribuição equitativa dos lucros e para criar condições que possam assegurar o autêntico desenvolvimento humano.

Contudo, a Santa Sé deseja frisar que qualquer medida para promover o desenvolvimento genuíno e duradouro deve ser protectivo da dignidade e da cultura do homem.

A necessidade de respeitar a dignidade e a cultura do homem levanta a questão dos recursos dos princípios éticos que são necessários para manter o desenvolvimento autêntico. Embora todos saibam que o meio ambiente natural está a ser ameaçado na nossa época turbulenta, presta-se menos atenção à crescente crise do frágil ambiente social da humanidade. As rápidas mudanças sociais e económicas e, em determinados lugares, os conflitos armados, têm exigido um preço demasiado alto das famílias e das suas estruturas sociais circunstantes. Em muitos países pobres, as famílias têm sido devastadas pelo flagelo do hiv/sida e desagregadas pela migração. Uma vez que a família constitui o ambiente primordial onde os seres humanos adquirem as qualidades de carácter e de competência que servem de fundamento para economias e políticas sólidas, os desenvolvimentos da política devem prestar atenção ao seu impacto sobre o ambiente social, que está a ser ameaçado.

O investimento em capital humano deve ocupar um lugar importante na agenda do desenvolvimento. Embora sejam materialmente pobres, os países menos desenvolvidos são ricos no que se refere à potencialidade contida no interior do homem. É na pessoa humana que se reúnem todas as dimensões do desenvolvimento desenvolvimento não apenas como eliminação da pobreza, mas também como mobilização dos dons e dos talentos de cada mulher e de cada homem, através de uma saúde, educação e oportunidade que sejam melhores. A mobilização de tal potencialidade exige uma atenção cuidadosa à situação das mulheres e das meninas, assegurando o seu acesso íntegro e equitativo ao sector da educação e da assistência à saúde, assim como aos direitos civis, políticos, económicos, sociais e culturais. Em vista destas finalidades, deve-se recorrer plenamente à experiência e aos recursos oferecidos por iniciativas fundamentadas na fé, colaborando reciprocamente nos campos da educação, da assistência médica e das obras de socorro.

Agora, que existem meios possíveis para poder derrotar os velhos inimigos da humanidade, a fome e a pobreza, não há desculpa para deixar de progredir. O principal obstáculo foi salientado pelo Secretário-Geral, que disse: "Embora possam existir recursos suficientes para combater a fome, ainda falta a vontade política de agir neste sentido". O que é que tem impedido a mobilização da vontade necessária? Não é apenas o círculo vicioso da pobreza material nos países menos desenvolvidos, mas uma certa pobreza de imaginação entre os povos mais afortunados do mundo: a falta de empatia, a incapacidade de reconhecer a interdependência de todos os membros da família humana, o esquecimento do facto de que nós dependemos radicalmente da terra, das colheitas e das crianças, que representam o futuro do homem. Em tal conexão, a Santa Sé aproveita este ensejo para confirmar os seus compromissos históricos em ambas as frentes: o seu empenhamento na promoção da educação, da assistência médica e de outros serviços essenciais aos membros mais pobres da família humana; e a sua missão correspondente, que consiste em abrir os corações das pessoas mais privilegiadas.

Senhora Presidente, é necessária uma mudança de coração, para que a comunidade internacional se torne ainda mais audaciosa, mais generosa, mais criativa e mais enérgica na sua luta em vista de pôr fim definitivamente à divisão do mundo em áreas de pobreza e de abundância.

Obrigado, Senhora Presidente!

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