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INTERVENÇÃO DO OBSERVADOR PERMANENTE
DA SANTA SÉ JUNTO À UNESCO NA
XLVII SESSÃO DA CONFERÊNCIA
INTERNACIONAL SOBRE A EDUCAÇÃO

Genebra, 9 de Setembro 2004

 

 Senhor Presidente!

Por ocasião da realização da quadragésima sétima sessão da Conferência internacional sobre a educação, a delegação da Santa Sé deseja expressar-lhe, Senhor Presidente, o seu apreço e garante-lhe o seu apoio a fim de fazer desta reunião um sucesso ao serviço de uma educação de qualidade para os jovens de todos os países.

Senhor Presidente!

Num mundo em grande mudança, a formação da pessoa torna-se ainda mais uma prioridade. Será necessário tentar ler e decifrar as mudanças antropológicas e sociais e chegar às fontes e a uma concepção do Homem, e mais precisamente da Pessoa, as únicas que podem fundar um projecto de educação respeitador da dignidade e do futuro dos nossos jovens.

No início do século XXI, o desafio educativo reside, segundo o nosso parecer, no facto de não nos contentarmos exclusivamente com a tecnologia e com a sua capacidade de nos dizer como produzir mas principalmente de procurar responder à questão do profundo porquê do agir.

Não se veja nesta afirmação negatividade ou catastrofismo algum, mas a convicção de que unicamente uma lucidez activa, comprometida, pode permitir que a Escola dê, no nível que é da sua competência, respostas e pontos de apoio.

Tendo tomado esta precaução, será conveniente realçar que o fechamento egoísta, a limitação à esfera privada dos aspectos morais e espirituais, a crise dos vínculos sociais e a construção do bem comum, a redução do relacionamento com o tempo, o fechamento no momento e no presente, o desabamento do futuro que deixaria de ser o devir, o esvaziamento da intimidade e da integridade da pessoa pela lógica do mercado, são sintomas de evoluções que são ao mesmo tempo chaves de leitura de um certo número de dificuldades reencontradas no âmbito da Escola, objectos de trabalho e de investimento para fazer com que cada aluno passe do estado de indivíduo ao de pessoa, e pontos de interrogação para questionar o próprio acto educativo.

A escola é ao mesmo tempo determinada e atravessada, no seu interior, por estes movimentos. Uma das dificuldades é constituída pelo facto de que na maior parte, estes movimentos levam a pôr em questão os pontos de referência e as práticas educativas.

Como ter a mais alta ambição de formação intelectual em volta do saber fundamental para cada um, se ele se baseia unicamente sobre um questionamento que só pode ser o fruto de um relacionamento mais global com o mundo, amplamente determinado por tudo o que cada qual vive no âmbito escolar? Então, o que é que se trata de saber compreender e decifrar?

A fim de prosseguir o projecto fundamental de qualquer educação que é descoberta da alteridade, dever-se-ia tomar em consideração a marca narcisista que o ponto de referência mediático quotidiano constrói, duas ou três horas por dia, através dos meios de comunicação, para os adolescentes do colégio e do liceu.

Como compreender estas crianças hiperactivas já desde a escola materna, manifestando oposição, fechamento em si e incapacidade de se relacionar e de se inserir na vida social, assim como os sintomas das perturbações que normalmente são características da adolescência, sem saber analisar a perda dos pontos de referência no âmbito do exercício da autoridade que se verifica hoje em dia nos educadores?

De que maneira educar realmente para a cooperação, a acção colectiva, a defesa do bem comum em grupo, numa sociedade que privilegia a força, a competição e o sucesso individual?

Senhor Presidente!

Poderíamos prosseguir uma longa enumeração e fazê-la variar segundo a sensibilidade, a formação e o ponto de vista de cada um. Mas seja qual for a opinião individual, sentimos que a quotidianidade da educação está atravessada pela questão dos laços antropológicos que a modernidade contribui para tecer e que seria necessário saber enquadrar. Eles obrigam a considerar uma escola da relação.

Uma pessoa, que é um "vínculo de relações", constrói-se com o intercâmbio relacional, no encontro com o próximo, semelhante e diferente. A pessoa é, ao mesmo tempo, única e unida a todos os seus irmãos e irmãs em humanidade:  a identidade é antes de mais relacional. A vida é doada, a pessoa não é a fonte da sua existência, precisa do olhar do próximo para existir, cresce em humanidade através do intercâmbio; doar, receber e retribuir são os três modos relacionais que fazem com que a pessoa exista. Uma Pessoa constrói-se pouco a pouco ao longo de toda a sua existência. A educação deveria ajudá-la a fazer este longo trabalho de libertação progressiva.
Uma Pessoa inscreve-se na história, o que significa inscrever-se numa cultura e sair do imediato através de uma ancoragem numa aventura pessoal e colectiva.

O carácter sagrado da pessoa ultrapassa o "simples" respeito, afirmando o carácter absoluto e transcendente de qualquer aspecto humano. O carácter sagrado da pessoa não depende da sua condição nem dos seus actos, é incondicional.

A pessoa pode edificar-se unicamente como homem e como mulher. A condição de um ser sexuado é constitutiva da própria identidade da pessoa. A criança constrói-se em relação com o próximo na diferenciação sexual.

"A pessoa humana que, pela sua natureza própria, tem absolutamente necessidade de uma vida social, é e deve ser o princípio, o sujeito e o fim de todas as instituições. Por conseguinte, a vida social não é para o homem algo a mais: é também pelo relacionamento com o próximo, pela reciprocidade dos seviços, pelo diálogo com os seus irmãos que o homem progride..." (cf. Gaudium et spes).

Senhor Presidente!

Qualquer ensinamento e qualquer educador deve também ousar perguntar-se se há coerência entre o sentido que nós afirmámos mediante o projecto educativo do estabelecimento do modo de considerar cada pessoa (alunos, colegas, pais, pessoas administrativas, etc.) e de lhe reconhecer o seu papel, o seu lugar e a sua originalidade.

Propor uma educação da Pessoa faz com que a escola seja o lugar onde a transmissão do saber se realiza segundo o modelo da partilha, e não da acumulação... onde todas as crianças, quaisquer que sejam as suas dificuldades, são recebidas na sua dignidade. A longa experiência educativa da Igreja Católica propõe este tipo de educação e confirma que no centro das preocupações está o desenvolvimento da pessoa em todos os estudantes, que a escola deveria preparar, antes de mais, para que se comportem como pessoas dignas e livres.

Obrigado, Senhor Presidente!

 

 

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