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INTERVENÇÃO DA SANTA SÉ
NA 55ª SESSÃO DA COMISSÃO EXECUTIVA DO ACNUR

DISCURSO DE SUA EX.CIA D. SILVANO M. TOMASI

Genebra, 4 de Outubro de 2004

 

Senhor Presidente

1. Os direitos dos refugiados e algumas situações ainda insolúveis

Por ocasião do Dia Mundial dos Refugiados, Sua Santidade João Paulo II afirmou: "Cada pessoa tem necessidade de um ambiente seguro em que viver. Os refugiados aspiram a isto mas, em vários países do mundo, infelizmente são milhões aqueles que ainda permanecem nos campos de acolhimento, ou contudo, por muito tempo limitados no exercício dos seus direitos" (Angelus de 20 de Junho de 2004, n. 2). Com efeito, Senhor Presidente, muitas vezes os direitos reconhecidos aos refugiados nos documentos internacionais permanecem letra morta. Por exemplo, em numerosos países não se permite que os refugiados trabalhem um direito fundamental e, assim, ganhar o seu próprio pão (cf. Declaração Universal dos Direitos do Homem, art. 23). Tornando-se dependentes de rações alimentares, com demasiada frequência eles enfrentam uma verdadeira crise, quando as mesmas são reduzidas, juntamente com outros meios de subsistência, necessários para viver com um mínimo de dignidade. Além disso, os seus movimentos são geralmente limitados aos arredores imediatos dos campos, muitas vezes situados em regiões mais remotas, onde os refugiados e as populações locais são obrigadas a competir pelos recursos já escassos, com o risco concreto de novos conflitos, que só podem ser evitados se as necessidades de ambas as populações vulneráveis são oportunamente consideradas. A capacidade institucional que a comunidade internacional tem de fazer respeitar os direitos dos refugiados parece insuficiente. O Alto Comissário renovou os esforços conjuntos em benefício da salvaguarda dos refugiados, através de iniciativas como a chamada "Convention Plus", tão necessária de modo particular nos países de primeiro asilo. Contudo, são necessários investimentos económicos e financeiros mais consideráveis e especialmente uma maior vontade política. A garantia dos direitos dos refugiados ajudá-los-á a tornar-se "agentes de desenvolvimento" até mesmo nos países que os recebem, e não apenas receptores de assistência ou hóspedes meramente tolerados.

A opção de se estabelecer num terceiro país é igualmente necessária, e isto exige ulteriores esforços. Com efeito, quando falta a cooperação internacional, resta-nos uma quarta embora não oficial solução de facto: aglomerar milhões de pessoas em condições sub-humanas nos campos de acolhimento, sem um futuro e sem a possibilidade de contribuir para a sua criatividade. Os campos devem continuar a ser aquilo para o que foram criados: uma solução de emergência e, portanto, temporária. As situações insolúveis dos refugiados de sete a doze milhões de prófugos no mundo inteiro foram refugiados durante um período de dez anos ou mais manifestam-se como um fenómeno crescente, com a consequência de massas humanas desprovidas de esperança e de gerações de crianças que se tornam adultas sem terem passado pela infância.

2. Uma repatriação que seja "voluntária"

Hoje em dia, a repatriação voluntária tornou-se uma solução opcional duradoura. Felizmente, em determinados países a situação melhorou a tal ponto, que os prófugos podem voltar para a sua pátria em vasta escala, uma vez que, gradualmente, os motivos da sua fuga deixaram de existir e as pessoas têm a possibilidade de recomeçar a sua vida. A verdadeira diferença entre repatriação voluntária bem e mal sucedida é o modo como as pessoas voltam para o seu país: se isto acontece em condições de segurança e de dignidade; que tipo de benefícios lhes são garantidos e que género de actividades são sucessivamente desenvolvidas: eliminação das minas, assistência às crianças nascidas nos campos, a fim de que se adaptem às áreas rurais e instituição de sistemas de microcrédito ou de outros programas semelhantes. É também necessário tomar providências para resolver questões relativas às propriedades e aos direitos rurais.

No contexto de uma abordagem integral do desenvolvimento integral, estes elementos hão-de demonstrar que o interesse pelos refugiados, quer como indivíduos quer como grupos, ocupa um lugar fulcral em qualquer plano e contribuirá para estimular os refugiados a repatriarem livremente. A repatriação voluntária não significa simplesmente o regresso à pátria. Se assim fosse, haveria o risco de que as pessoas passassem de uma situação de dificuldade para uma vida de miséria no seu próprio país de origem. Naturalmente, tais planos exigem a garantia de possibilidades de assistência, com suficiência de subsídios da parte dos parceiros internacionais, e durante um período mais prolongado, em ordem a tornar possíveis as várias implementações. Todavia, este é o modo de lançar o fundamento para um regresso digno, que vise a nova integração dos refugiados com um espírito de reconstrução e de reconciliação.

3. A acção internacional

A continuação da guerra ainda obriga numerosas pessoas a abandonar as suas casas, por causa do medo da perseguição, da violação dos direitos humanos, da hostilização e da violência generalizada, com o recurso sistemático ao estupro como táctica bélica. O preço destes fluxos forçados é realmente elevado: os sofrimentos das pessoas, a perda de vidas humanas e, eventualmente, o processo de reconstrução da sociedade atingida. Não podemos ter medo de dar passos inovativos, como aconteceu, há trinta anos, com a Declaração de Cartago sobre os Refugiados, que abordou a questão da violência generalizada.

Os direitos humanos internacionais e o direito humanitário obrigam os governos a serem responsáveis pela segurança e pelo bem-estar de todos os indivíduos que se encontram sob a sua jurisdição. De maneira particular, cada um dos cidadãos tem o direito de ser salvaguardado pelo seu próprio país. Não obstante, se o Estado deixa ou não é capaz de assumir tal responsabilidade, e se os direitos humanos de uma população continuam a ser usurpados, então a comunidade internacional pode e deve manifestar a sua solicitude, tomar a iniciativa e assumir esta obrigação.

A este propósito, reitero aqui a posição expressa pelo Papa João Paulo II: "Quando, evidentemente, as populações civis correm o risco de sucumbir sob os golpes de um injusto agressor e de nada serviram os esforços feitos pela política e pelos meios de defesa não violenta, é legítimo e até forçoso empreender iniciativas concretas para desarmar o agressor. Tais iniciativas, porém, devem ser circunscritas no tempo e precisas nos seus objectivos, conduzidas no pleno respeito do direito internacional, garantidas por uma autoridade reconhecida a nível supranacional e, em todo o caso, nunca deixadas à mera lógica das armas" (Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2000, n. 11).

"Por isso, é preciso fazer o máximo e o melhor uso do que está previsto na Carta das Nações Unidas, definindo sucessivamente os instrumentos e as modalidades eficazes de intervenção, no contexto da legalidade internacional. A este respeito, a própria Organização das Nações Unidas deve oferecer a todos os Estados membros uma oportunidade equitativa de participar nas decisões, superando privilégios e discriminações que debilitam o seu papel e credibilidade" (Ibidem). A oportunidade desta intervenção é fundamental para salvar vidas e constitui uma provação para o compromisso da comunidade internacional em prol da causa dos refugiados.
Senhor Presidente, quero concluir recordando que são medidas como estas que hão-de ajudar as pessoas que vivem afastadas dos seus lares ou das suas terras, a encontrar um lugar onde viver, que reconheça a sua dignidade humana e o seu direito à segurança e à paz.

 

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