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SECRETARIA DE ESTADO

DISCURSO DE MARY ANN GLENDON,
PRESIDENTE DA PONTIFÍCIA ACADEMIA
DAS CIÊNCIAS SOCIAIS E CHEFE DA DELEGAÇÃO
 DA SANTA SÉ NA 49ª SESSÃO DA COMISSÃO
 SOBRE O ESTATUTO DAS MULHERES

Nova Iorque, 7 de Março de 2005

 

Senhora Presidente

1. Em 2005, a Organização das Nações Unidas celebrará os aniversários de cinco momentos históricos, quando a família das nações encorajou e estimulou as mulheres, na busca do reconhecimento dos seus direitos e dignidade iguais. O primeiro e mais importante de tais momentos teve lugar precisamente há sessenta anos. Decorria a Primavera de 1945, quando os fundadores da Organização das Nações Unidas surpreenderam numerosas pessoas, proclamando a sua "fé... na dignidade e no valor da pessoa humana" e "nos direitos iguais dos homens e das mulheres". Nessa época, não havia sequer um país no mundo, em que as mulheres pudessem gozar da plena igualdade social e legal. Apresentando uma visão diferente da Carta da Organização das Nações Unidas, homens e mulheres clarividentes aceleraram um processo que depressa haveria de oferecer oportunidades sem precedentes para as mulheres do mundo. Enquanto tal processo começava a adquirir consistência, as quatro Conferências da Organização das Nações Unidas sobre as Mulheres realizadas respectivamente na Cidade do México, em Copenhaga, em Nairobi e em Pequim ofereceram ocasiões a níveis prioritários, para fomentar o progresso e definir novas direcções. Hoje em dia, o princípio de igualdade é aceite de forma oficial praticamente em todas as regiões do mundo, e tem sido considerado cada vez mais, numa vasta gama de contextos sociais.

Contudo, no momento em que estamos a celebrar estas grandes conquistas, as mulheres continuam a enfrentar novos desafios, porque os mesmos anos que deram testemunho de grandes progressos para um elevado número de mulheres, trouxeram também novas formas de pobreza para numerosas outras, além de apresentar novos desafios à vida e à dignidade humanas.

2. Uma lembrança vigorosa de que o caminho das mulheres ainda é longo consiste no facto de que três quartos da população de pobres no mundo é composta de mulheres e crianças. No mundo em vias de desenvolvimento, centenas de milhares de mulheres e crianças precisam de uma alimentação adequada, de serviços higiénicos e de assistência médica básica. E mesmo nas sociedades abastadas, o rosto dos pobres é predominantemente o das mulheres e das crianças porque, como se observou na Plataforma de Pequim, existe uma forte correlação entre a ruptura familiar e a feminização da pobreza. O peso do rápido aumento do número de divórcios e de famílias em que vivem um só dos pais tem oprimido de maneira especial as mulheres e sobretudo as que fazem sacrifícios pessoais no cuidado dos filhos e dos demais membros da família.

3. Há dez anos, a Plataforma de Pequim declarou que "a chave para afastar as mulheres e as suas famílias da pobreza é a educação". Por conseguinte, com a sua dedicação duradoura à educação das mulheres e das jovens, a Santa Sé observa com preocupação que os progressos alcançados neste campo são lentos, dado que as jovens ainda formam a maioria dos mais de cem milhões de crianças com idade para frequentar a escola primária e que contudo não o fazem (1).

Enquanto não se estabelecerem as condições para que cada jovem possa desenvolver a sua completa potencialidade humana, não só será impedido o progresso das mulheres, mas  a  própria  humanidade  ficará desprovida  de  um  dos  seus  principais recursos de inteligência e de criatividade.

4. Além disso, quando olhamos para o futuro, damo-nos conta de que uma nova sombra está a pairar sobre o caminho das mulheres, devido à mutável estrutura das faixas etárias da população mundial. A combinação entre uma maior longevidade, a diminuição da taxa de natalidade, o aumento do custo da assistência médica e a falta de assistentes que trabalham no campo da saúde já está a provocar tensões entre as gerações mais jovens e as mais velhas. A mudança das taxas de dependência está a levantar problemas sérios acerca do futuro bem-estar das pessoas idosas e mais frágeis, e especialmente das mulheres que, na sua maior longevidade, são representadas de maneira desproporcional entre os idosos dependentes e têm maiores probabilidades de viver na pobreza. Num mundo em que se está a perder, perigosamente, o interesse pela salvaguarda da vida humana, no seu frágil início e fim, as mulheres idosas estão destinadas a correr um risco particular.

5. Na sua Declaração final, na Conferência de Pequim, a Santa Sé manifestou o temor de que as secções dos documentos de Pequim, relativos às mulheres que vivem na pobreza, teriam permanecido como promessas vazias, se não fossem fomentadas por programas e compromissos financeiros oportunamente ponderados. Hoje em dia, com as crescentes desigualdades das riquezas e das oportunidades, somos obrigados a levantar novamente essa problemática. As recentes conclusões do "Projecto do Milénio", da Organização das Nações Unidas, assim como as observações directas por parte de mais de trezentas mil agências católicas que trabalham nos campos da educação, da assistência médica e das obras de socorro, de maneira particular ao serviço das populações mais marginalizadas, confirmam que os temores manifestados em 1995 continuam a ter um fundamento.

6. Senhora Presidente, aquilo que faz do flagelo das mulheres mais desvantajadas um escândalo e, ao mesmo tempo, uma tragédia, é o facto de que pela primeira vez na história, a humanidade finalmente encontrou os instrumentos para pôr fim à fome e à pobreza. Programas de acção realizáveis, como os que foram definidos no contexto das Finalidades de Desenvolvimento do Milénio (Millennium Development Goals), puseram em evidência determinadas iniciativas que, se fossem tomadas, poderiam evitar a mais de quinhentos milhões de pessoas a pobreza extrema, até ao ano de 2015. Contudo, o movimento em vista de tal finalidade já está atrasado em relação ao objectivo proposto. Sem dúvida, as finalidades e os planos de acção não são suficientes por si mesmos. Como o Papa João Paulo II indicou recentemente, é necessária "uma ampla mobilização moral da opinião pública... sobretudo nos países que alcançaram um nível de vida satisfatório e próspero"(2).

Nesta circunstância, Senhora Presidente, a Santa Sé deseja aproveitar o ensejo para confirmar os seus compromissos duradouros no campo da educação e da saúde das mulheres e das jovens, reiterando os seus intensificados esforços em ordem a despertar as consciências das pessoas mais privilegiadas.

7. Finalmente, Senhora Presidente, enquanto as mulheres progridem ao longo do seu caminho, desejamos salientar mais um problema, para o qual nenhuma sociedade ainda conseguiu encontrar uma solução satisfatória. A aplicação do princípio de igualdade às circunstâncias da vida contemporânea da maioria das mulheres das mães e das outras mulheres que dão prioridade às actividades ligadas ao cuidado dos demais continua a representar um desafio. O problema da harmonização das aspirações das mulheres a uma maior participação na vida social e económica, com as suas actividades na vida familiar, é uma questão que as próprias mulheres são plenamente capazes de resolver. Contudo, o problema não se resolverá sem algumas grandes pode-se mesmo dizer, radicais mudanças na sociedade. Em primeiro lugar, os políticos devem prestar mais atenção às considerações feitas pelas próprias mulheres, acerca daquilo que é mais importante para elas, e não tanto a particulares grupos de interesse, que parecem falar em nome das mulheres, mas muitas vezes não valorizam os interesses das mesmas. Em segundo lugar, o acto de prestar cuidados quer seja remunerado quer não deve receber o respeito que merece, como uma das mais importantes formas de trabalho humano. Finalmente, o trabalho remunerado deve ser estruturado de tal maneira, que as mulheres não tenham que pagar pela sua própria segurança e progresso, em desvantagem das tarefas em que milhões delas encontram a sua plena realização (3). Em síntese, o problema não se resolverá enquanto os valores humanos não tiverem precedência sobre os valores económicos.

Senhora Presidente, ninguém pode negar que tais iniciativas exigem profundas mudanças nas atitudes e nas organizações (4). Contudo, foi precisamente uma grande transformação cultural que os fundadores da Organização das Nações Unidas se propuseram, há sessenta anos, quando proclamaram com coragem a igualdade das mulheres e insistiram com igual vigor sobre a salvaguarda da família, da maternidade e da infância (5). Era precisamente uma profunda transformação cultural que eles visavam, quando se comprometeram na promoção de "melhores padrões de vida, com maior liberdade" para todas as mulheres e para todos os homens (6). Uma vez que percorremos um caminho tão longo, com a finalidade de fazer desta visão uma realidade, não deveríamos porventura ter a coragem de continuar até ao fim?

Obrigada, Senhora Presidente!


Notas

1. Cf. "A World Fit for Children" [Um mundo apto para as crianças], Relatório do II Encontro Mundial sobre as Crianças, par. 38 (2002).

2. João Paulo II, Discurso ao Corpo Diplomático acreditado junto da Santa Sé, em:  ed. port. de L'Osservatore Romano de 15 de Janeiro de 2005, pág. 6, n. 6.

3. Cf. Laborem exercens, 19.

4. Cf. João Paulo II, Mensagem à Sra. Gertrude Mongella, n. 5.

5. Organização das Nações Unidas, Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948), arts. 1-2, 16 e 25.

6. Organização das Nações Unidas, Declaração Universal dos Direitos do Homem, Preâmbulo.

 

 

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