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SECRETARIA DE ESTADO

INTERVENÇÃO DA SANTA SÉ NA 61ª SESSÃO
DA COMISSÃO DOS DIREITOS HUMANOS DA ONU
ACERCA DA QUESTÃO DA INTOLERÂNCIA RELIGIOSA

 DISCURSO DE SUA EX.CIA D. SILVANO TOMASI, C. S.

Genebra, 2 de Abril de 2005

 

Senhor Presidente

1. O compromisso constante em prol da liberdade religiosa e da eliminação de todas as formas de intolerância religiosa constitui uma prioridade importante para a Delegação da Santa Sé. A minha Delegação compartilha esta solicitude com a presente Comissão, enquanto dá o seu consenso ao compromisso contínuo em vista de chamar a atenção para os abusos frequentemente invisíveis ou ocultos, que só têm um eco fraco no campo internacional. Fundamentado na própria dignidade da pessoa humana, e não tanto numa concessão por parte do Estado, encontra-se o direito de cada homem e de cada mulher a não ser forçado a agir contra as suas próprias convicções, nem impedido de agir em conformidade com as suas persuasões em matérias religiosas, tanto a nível particular como público, no plano individual ou em associação com outras pessoas (1).

A confirmação deste direito humano fundamental e a sua aplicação universal é oportuna e, ao mesmo tempo, necessária. Ela não só reflecte a posição frequentemente defendida pela Santa Sé, mas promove os requisitos da Declaração Universal dos Direitos do Homem (cf. art. 18), do Acordo Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e dos outros instrumentos consolidados da livre prática da religião no seio da sociedade, como a Declaração sobre a eliminação de todas as formas de intolerância e discriminação fundamentadas sobre a religião ou a crença. Efectivamente, parece que há o risco de subestimar o facto de que "a natureza social da pessoa humana exige que os indivíduos dêem uma expressão externa aos actos religiosos internos, que eles dialoguem com os outros acerca de questões religiosas", de maneira especial com as suas autoridades religiosas, que possam decidir mudar de religião, que lhes seja permitido promover instituições, indicar livremente os seus próprios ministros, ter acesso às propriedades de que necessitam, além de outras actividades, naturalmente sem infringir o direito dos outros (2).

2. Este direito humano fundamental deve constituir uma das questões de interesse da comunidade internacional, uma vez que a violação do mesmo está a ter continuidade e até mesmo a piorar, nalguns casos relativos tanto aos cristãos como aos demais grupos religiosos, de forma especial se a sua situação é minoritária, como foi indicado pelos Relatórios Especiais sobre a liberdade de religião e de crença e sobre as formas contemporâneas de racismo, de discriminação racial, de xenofobia e de outras intolerâncias. A política do não-empenhamento parece ser aceitável nalgumas regiões, onde o cristianismo e outras minorias religiosas são ameaçados ou directamente perseguidos, debilitando desta forma a indivisibilidade dos direitos humanos. "O direito à liberdade de religião", já observava o Papa João Paulo II, "está ligado de modo tão estreito aos outros direitos fundamentais, que se pode afirmar, com justa razão, que o respeito da liberdade religiosa é como um "teste" para a observância dos outros direitos fundamentais".

3. O respeito pela liberdade religiosa é essencial para uma coexistência pacífica e construtiva. O processo de globalização que testemunhamos promove um pluralismo mais amplo, até mesmo nas sociedades que permaneceram isoladas durante séculos, e o crescente fenómeno das migrações leva as religiões a estabelecer contactos mais estreitos entre si, através da expressão concreta e do comportamento dos seus seguidores. Sem o respeito mútuo e sem o compromisso do Estado em prol da aplicação imparcial e concreta do direito à liberdade religiosa, a potencialidade dos conflitos destruidores e a perda da liberdade para a sociedade tornam-se, infelizmente, bastante previsíveis. Desta forma, para contrastar qualquer tendência homogeneizadora de globalização, intensificou-se a busca da comunidade, e a religião é com frequência um dos principais componentes deste esforço. As extremas formas de secularismo que não reconhecem o papel público da religião tornam-se socialmente contraproducentes.

4. Senhor Presidente, diante dos antigos preconceitos e leis discriminatórias, o direito à liberdade de religião e de crença deve confrontar-se com novos desafios, como a hostilidade aberta e até mesmo a morte, enfrentados por religiosos e religiosas comprometidos na salvaguarda dos direitos humanos, e como a falta de tolerância religiosa em relação a diversas comunidades cristãs, fomentada pela chamada Guerra do Terror. São necessários uma renovada vigilância e um novo discernimento. A aplicação séria dos instrumentos que já existem a propósito do direito à liberdade religiosa e à crença, bem como uma verificação permanente neste sector, contribuirão para fazer com que "em todas as partes do mundo, a liberdade religiosa seja protegida por uma eficaz tutela jurídica, e se observem os deveres e direitos supremos dos homens, para desenvolver a vida religiosa na sociedade"(3).

Com efeito, os Estados são os primeiros responsáveis pelo respeito de tais direitos. Contudo, a educação geral e o diálogo inter-religioso contribuirão em grande medida para fazer com que todos adquiram a consciência da importância crítica do respeito e do apreço recíprocos, e isto num momento em que alguns protagonistas não governamentais justificam as suas inaceitáveis acções violentas com ideais religiosos. A verificação do direito à liberdade religiosa seria mais eficaz, se os dados exactos pudessem ser reunidos sistematicamente e analisados sob um ponto de vista profissional.

5. Em síntese, Senhor Presidente, esta Delegação está convencida de que "juntamente com a liberdade religiosa, todas as outras liberdades se desenvolvem e prosperam". A liberdade de pensamento, de consciência e de religião constitui um direito garantido pelas normas dos direitos humanos internacionais, tanto para os indivíduos, como para as comunidades e as suas estruturas institucionais, que são três dimensões inseparáveis. A implementação integral deste direito é o desafio que se apresenta a todos nós.


1. Cf. Concílio Ecuménico Vaticano II, Declaração sobre a Liberdade religiosa, Dignitatis humanae, n. 2.

2. João Paulo II, Discurso ao Corpo Diplomático acreditado junto da Santa Sé, 9 de Janeiro de 1989, n. 6.

3. Concílio Ecuménico Vaticano II, Declaração sobre a Liberdade religiosa, Dignitatis humanae, n. 15.

 

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