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SECRETARIA DE ESTADO

INTERVENÇÃO DA SANTA SÉ
NA IV CONFERÊNCIA MINISTERIAL
DO "PROCESSO DE BOLONHA"

DISCURSO DE JÓZEF MIROSLAW ZYCINSKI

19 de Maio de 2005

 

 

 

Senhor Presidente
Senhoras e Senhores

Na instituição de novas formas de unidade académica, num continente em que no século passado se instauraram dois sistemas totalitários, temos o dever moral de reconhecer o valor fulcral da dignidade humana e o seu papel elementar no seio da sociedade da nova Europa. João Paulo II costumava recorrer à expressão "ecologia humana", para denotar a gama de valores básicos, necessários para promover o crescimento integral da pessoa humana. Na promoção deste crescimento, a Santa Sé salienta o papel daqueles "valores fundamentais, adquiridos com o contributo determinante do cristianismo, que se podem compendiar na afirmação da dignidade transcendente da pessoa humana, do valor da razão, da liberdade, da democracia, do Estado de direito e da distinção entre vida política e religião" (Exortação Apostólica Ecclesia in Europa, 109). Quando frisamos a busca humana da verdade, da beleza e da liberdade, salvaguardamos os valores básicos que constituem a essência do nosso desenvolvimento moral, espiritual e cultural.
Como a história nos ensina, os valores humanos só resistirão se estiverem arraigados num alicerce transcendente. O célebre membro da Universidade de Oxford e autor de The Idea of a University ("A ideia de uma Universidade"), John Henry Newman, afirmou:  "A virtude meramente humana definha, quando os homens deixam de a mergulhar no princípio religioso" (J. H. Newman, Parochial and Plain Sermons, Vol. 3, Londres 1901, pág. 40).

Consequentemente, a Santa Sé assegura que as 187 Faculdades Eclesiásticas da Europa vão conformar-se com os critérios de comparabilidade e de compatibilidade que hão-de levar à criação de uma Área Europeia de Educação Superior.

No limiar da cultura europeia encontram-se importantes elementos intelectuais, que vão para além do princípio biológico da luta pela sobrevivência. Não havia qualquer lucro ou vantagem pragmática na solicitude helénica pela metafísica, pela ética, pela matemática e pela estética. Nas suas preocupações intelectuais, os nossos antepassados gregos sublinhavam a função da autoconsciência espiritual, inspirada pelo princípio do gnothi seauthon. Eles desenvolveram o papel da avaliação ética socrática, extremamente importante nos dilemas morais. Além disso, buscaram cânones de beleza que estão completamente desprovidos de uma relação com a utilidade biológica. Tendo descoberto esta realidade, a pessoa humana começou a orientar-se rumo a um mundo transcendente, que por si só não traz qualquer vantagem concreta imediata, mas constitui o próprio âmago daquele ser a que nós chamamos animal rationale. Não deveríamos permitir que a sua existência se reduzisse ao simples nível do "homem consumista", interessado de modo principal na realização pragmática.

A herança cultural da antiga Grécia evoluiu, chegando a atingir o seu ápice na axiologia proposta por Jesus Cristo. Ele veio ao nosso mundo como um Menino desprovido de um lar, e morreu como um criminoso condenado pelos líderes da sua própria nação. Declarou bem-aventurados os pobres, aqueles que choram e os que são perseguidos. Penetrando na cultura do continente europeu, que durante muito tempo era conhecido como Cristandade (Christianitas), o Evangelho criou uma atmosfera intelectual em que os valores humanos universais eram reconhecidos, quando se evidenciavam a fraternidade humana e a igualdade de todos os filhos do nosso Pai celestial. Em tal atmosfera intelectual, por um lado foram desenvolvidos os princípios teóricos do humanismo e inclusive a doutrina dos direitos do homem; por outro, as Universidades começaram a ser instituídas, os princípios da ciência moderna foram enfim definidos na obra de Newton Principia, e as descobertas da tecnologia passaram a ser colocadas ao serviço da humanidade.

Em vista de dar continuidade a esta grandiosa tradição, na nossa prática académica a exposição consistente do humanismo integral deve ter precedência em relação à formação utilitária, em que chegam a ser ignoradas as dimensões morais e axiológicas da ciência. Os estudantes das nossas Universidades têm o direito de esperar uma formação integral, em que a simbiose entre a fé e a educação intelectual se expresse fomentando a sua sensibilidade mental e moral.
Existe uma verdade sobre a vida humana, que não pode ser expressa em termos de algoritmos lógicos. Esta verdade pode ser descoberta na investigação da filosofia, na reflexão e admiração da teologia e na contemplação da vida humana. Newton e Einstein, Planck e Gödel ofereceram grandes contribuições para o conhecimento do mundo. Todavia, este saber seria incompleto e extremamente pobre, se não tivessem existido as contribuições de Platão e de S. Tomás de Aquino, as obras teológicas de Santo Agostinho e de John Henry Newman, as experiências místicas de São João da Cruz e as reflexões espirituais de Thomas Merton. Se eliminássemos da cultura humana estes últimos elementos, permaneceríamos com uma cultura profundamente deformada e unidimensional.

Procurando fomentar o diálogo interdisciplinar tão importante para a educação integral por ocasião do III centenário da publicação da obra de Newton Principia, João Paulo II escreveu:  "A ciência pode purificar a religião do erro e da superstição; a religião pode purificar a ciência da idolatria e dos falsos absolutos. Cada uma delas pode introduzir a outra num mundo mais vasto, num mundo em que ambas podem florescer" (Carta a George Coyne, M13). Deste modo, compreendemos que nos biliões de anos de evolução cósmica, a existência da espécie humana só se calcula em milhares de anos. Neste contexto, a nossa geração tem o dever moral de assumir a responsabilidade que lhe é própria, em vista do crescimento académico e cultural do Homo sapiens. Assumindo este dever, a Santa Sé ajudará de maneira consistente a Declaração de Bolonha a formular um novo modelo académico de unidade na diversidade.

 

 

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