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SECRETARIA DE ESTADO

INTERVENÇÃO DE MONS. FRANCESCO FOLLO
NA 33ª SESSÃO DA CONFERÊNCIA GERAL DA UNESCO

10 de Outubro de 2005

 

Senhor Presidente da Conferência Geral
Senhor Director-Geral
Excelências

Na mensagem recentemente enviada por ocasião do 25º aniversário da visita do seu predecessor João Paulo II à UNESCO, o Papa Bento XVI garantia que a Igreja Católica continuará a participar nas reflexões e nos compromissos da UNESCO "mobilizando as suas forças, que são em primeiro lugar de natureza espiritual, para concorrer para o bem do homem em todas as dimensões do seu ser". Fazia também apelo a "mobilizar as energias da inteligência para que sejam reconhecidos em toda a parte os direitos do homem à educação e à cultura, especialmente nos países mais pobres".

Estas palavras do Papa Bento XVI exprimem de modo eloquente, para que o trabalho desta Organização seja proveitoso, como é necessário empregar todos os recursos para que a dignidade do homem seja vivida, promovida e respeitada. Trata-se de uma obra imensa e de grande alcance, que deve enfrentar todas as espécies de situações novas que é preciso compreender e problemas concretos que temos que resolver.

Antes de apresentar alguns pontos salientes, permita-me, Senhor Presidente, que agradeça sentidamente ao Senhor Director-Geral pelo último relatório sobre a actividade da Organização, apreciando a atenção dedicada ao tema da pobreza, considerada como um tema transversal, e à ênfase dada à educação das jovens, que será uma contribuição importante para o desenvolvimento social em certas regiões do mundo.

A minha delegação gostaria de evocar, em primeiro lugar, a questão da bioética, que nos impõe considerar que se trata de uma exigência moral, simultaneamente com a do respeito do homem e da sua dignidade intrínseca. É impossível negar que a biologia e a medicina, depois de se terem desenvolvido, contribuem em grande medida para melhorar as condições de vida do homem. Mas nós hoje encontramo-nos perante uma nova situação, na qual o homem pode ou poderá pôr em jogo o destino de toda a sua espécie, levado pela tentação de tratar os seus semelhantes como simples material de laboratório. Por um lado, o homem afirma que deseja curar e levar até ao momento da sua morte uma vida digna da sua humanidade mas, por outro lado, nós sabemos bem que a falta de médicos, de instalações médicas e de medicamentos priva dos seus direitos a grande maioria dos habitantes do planeta. Muito mais, face a estes novos desafios, é preciso que o homem seja e permaneça um homem, levando uma vida "humana" e falecendo com uma morte "humana".

Por conseguinte, torna-se evidente que o aspecto biológico é unicamente uma das dimensões do nosso ser, e limitar o homem a esta dimensão seria como praticar uma mutilação. Se nisto deve haver uma "bioética", é em primeiro lugar por razões éticas.

Um segundo problema concreto é o da articulação da liberdade e da justiça. A liberdade sem justiça, sabemo-lo, mais não diz do que o desencadeamento dos interesses privados. E a justiça sem liberdade é apenas uma justiça formal, a dos totalitarismos e das ditaduras de todos os tipos. Por conseguinte, é necessário promover juntas a liberdade e a justiça. De facto, o homem sem liberdade ou o homem sem justiça é tão mutilado como o homem limitado à realidade biológica do seu corpo. Mais uma vez, toda uma dimensão do seu ser, que se pode qualificar como espiritual, é negada. Desprovido de liberdade e de justiça, o homem já não é verdadeiramente homem: é alienado.

Um terceiro problema muito concreto que a minha delegação deseja ressaltar é a da verdade. Pode o homem viver humanamente se lhe é impossível dizer a verdade? A filosofia recente demonstrou-se por vezes minimalista acerca deste tema, afirmando que o conceito de consentimento poderia substituir o de verdade ou é seu equivalente. Um certo pragmatismo defende que a opinião verdadeira seria a que prevaleceria, ou seria simplesmente a que se pode integrar num sistema reconhecido como válido. Mesmo podendo observar-se que o discurso mudou e que voltam concepções mais ambiciosas da verdade, nós mesmos devemos esperar mais. É preciso reafirmar que não há liberdade nem justiça válidas se não se baseiam na verdade nos relacionamentos recíprocos entre os homens e na confiança mútua. Nós somos capazes de procurar e de conhecer a verdade, e esta capacidade faz parte do que há de mais humano em nós, porque põe em jogo a nossa razão e a nossa vontade, e torna-nos capazes de viver segundo o que a nossa consciência nos ensina.

Por fim permita-me, Senhor Presidente, que fale do último problema do qual se fala com frequência nesta assembleia, o da educação. Dado que faz parte da cultura, que deve estar sempre aberta ao universal, a educação, baseada no desenvolvimento integral do ser e no carácter central da pessoa, deve dedicar-se a formar o homem em todas as dimensões do seu ser, somático, psíquico, moral, cultural, político e religioso. A verdadeira educação não tem por objectivo único formar os cidadãos. Ela não tem simplesmente como finalidade formar homens de cultura. A educação deve ter cada vez mais por objectivo formar pessoas, livres e responsáveis, sobretudo no que diz respeito ao comportamento em matéria efectiva e social. "A educação consiste de facto em que o homem se torne cada vez mais homem, que possa antes de tudo "ser", e não somente "ter" e que, por conseguinte, através de tudo o que "tem", tudo o que "possui", saiba "ser" cada vez mais plenamente homem, como recordava aqui o Papa João Paulo II (Discurso à UNESCO, 2 de Junho de 1980).

Recordando também o relacionamento do homem com o seu corpo, com os seus semelhantes e consigo mesmo, abordamos dimensões que chamam cada ser humano a superar-se a si mesmo. Eis por que o Papa Bento XVI afirmava recentemente que a Igreja colocará "o seu contributo ao serviço da comunidade humana, esclarecendo, de maneira incessantemente aprofundada, o relacionamento que une cada homem ao Criador da vida no qual se funda a dignidade inalienável da cada ser humano, desde a sua concepção até ao seu fim natural". Trata-se da sua vocação específica, ao serviço do homem.

Agradeço-vos a amável atenção!

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