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SECRETARIA DE ESTADO

INTERVENÇÃO DE SUA EX.CIA D. CELESTINO MIGLIORE,
 OBSERVADOR PERMANENTE DA SANTA SÉ JUNTO
À ONU NO ÂMBITO DO "FORO DE ESTOCOLMO"

Quinta-feira, 6 de Abril de 2006

 

Todos nós que trabalhamos no âmbito da Organização das Nações Unidas, que graças à Declaração Universal dos Direitos do Homem (UDHR) se tornou a casa dos direitos humanos, encontramo-nos muitas vezes a debater acerca do modo como enfrentar a mais vergonhosa, intolerável e flagrante violação do mais fundamental de todos os direitos humanos: o direito à vida, como se manifesta no fenómeno do genocídio. No entanto, quando temos em consideração os depoimentos apresentados pelas testemunhas de tais tragédias, o carácter dos nossos encontros torna-se particularmente impelente. Por conseguinte, gostaria de agradecer aos painelistas tudo o que acabaram de compartilhar connosco.

Há não mais de uma semana, nesta mesma sala, celebrámos um acontecimento análogo para salvaguardar a memória e as lições de dois genocídios atrozes do século passado. Nessa circunstância, alguém observou: parece que os nossos "Nunca mais!" estão a tornar-se "Sempre de novo!". Não obstante esta observação talvez tenha sido apropriada, tive a sensação de que foi um comentário extremamente triste, até um pouco cínico.

Contudo, devemos admitir que às vezes é difícil não concordar com uma observação como esta. Se a negação é o penhasco de Sísifo, que faz rolar indefinidamente os acontecimentos dramáticos do alto da montanha, então a nossa indiferença é provavelmente o pior de todos os elementos, acompanhado como na realidade é pela falta de vontade política.

As palavras "Nunca serás apenas um espectador!" foram justamente pronunciadas na primeira Conferência do "Foro de Estocolmo", em boa parte como uma resposta a esta situação. O "Foro de Estocolmo" contribuiu para lançar um novo mecanismo no âmbito do sistema da Organização das Nações Unidas, encarregado de obter informações acerca das violações de massa dos direitos humanos; de comunicar ao Conselho de Segurança informações relativas aos primeiros alarmes de genocídio; de emanar recomendações; e de fomentar a cooperação entre o Conselho de Segurança e o Secretário-Geral, em questões relativas aos genocídios. Foi nomeado um Conselheiro Especial do Secretário-Geral, que continua a trabalhar em prol da coordenação destas quatro tarefas.

O longo debate sobre a reforma da Organização das Nações Unidas, em vista do Encontro mundial, em Setembro do ano passado elaborou e, em seguida, inseriu no próprio Documento Conclusivo do Encontro Mundial, os parâmetros éticos e jurídicos que a consciência e as sensibilidades do tempo moderno desenvolveram a este propósito. Ele pôs em evidência a responsabilidade da salvaguarda, como um elemento essencial da razão de ser de qualquer Estado. Trata-se da ideia segundo a qual a soberania de qualquer Estado deve ser tratada como uma responsabilidade, e não apenas como um direito, e que o Estado só interpreta e exerce a soberania que lhe é própria, quando se sente pronto e desejoso de assumir a sua responsabilidade em relação aos próprios cidadãos e diante da comunidade internacional.

Tradicionalmente, sempre se considerou que cada Estado tem a responsabilidade primária de proteger a sua própria população contra crimes ou desastres provocados pelo homem, como o genocídio, a penúria forçada ou a violação dos direitos humanos. Mais recentemente, este conceito tem sido ampliado através de um crescente consenso que, se um determinado país não pode ou não quer intervir para tutelar a sua população, a comunidade internacional representada pela Organização das Nações Unidas tem não só o direito, mas também o dever de intervir.

Actualmente, estes meios de intervenção encontram-se nas mãos do Conselho de Segurança; ou talvez seja mais apropriado dizer que estão nas mãos da vontade política dos próprios Estados.
A vontade política depende também da sociedade civil, de cada um de vós e de mim.

Tragicamente, o genocídio continua a representar uma ameaça em certas regiões do mundo, onde nem sempre é fácil identificar as suas causas e os seus sinais reveladores. Ele está latente lá onde a eliminação da oposição é considerada uma "rápida solução" para as rivalidades manifestas e os conflitos insolúveis; onde as relações injustas entre os grupos são mantidas ou justificadas de maneira evidente, através de ideologias; onde, debaixo da superfície de uma ordem aparente, as brasas do ódio continuam a arder, em virtude da falta do perdão mútuo e da reconciliação; e onde a aceitação dos erros do passado e a "purificação da memória" são impedidas pelo medo de um confronto com a realidade histórica. Não se trata de simples indícios de uma iminente ameaça de genocídio. E aqui ousaria mesmo insinuar que eles constituem também factores identificáveis com a alimentação do terreno do terrorismo.

Formulamos votos a fim de que, através da consciência dos acontecimentos que se verificam tanto perto como longe de nós, toda a sociedade civil possa fomentar a necessária determinação política que, em última análise, há-de fazer prevalecer as forças da boa vontade. Para que deste modo, quanto antes possível, a realidade subjacente à expressão "nunca mais!" consiga finalmente sobressair.

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