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INTERVENÇÃO DA SANTA SÉ NA CONFERÊNCIA
SOBRE A CRISE FINANCEIRA ECONÓMICA MUNDIAL

DISCURSO DE D. CELESTINO MIGLIORE,
OBSERVADOR PERMANENTE DA SANTA SÉ
JUNTO DAS NAÇÕES UNIDAS

Nova York
Sexta-feira, 26 de Junho de 2009

Senhor Presidente!

A Santa Sé está feliz por esta oportunidade de comentar as recomendações que agora emergem dos debates que se realizaram sobre o impacto da crise financeira e económica global nos países em vias de desenvolvimento. Ao fazê-lo, aplaudimos mais uma vez a iniciativa adoptada nos últimos meses pelas Nações Unidas para envolver todos os seus membros no debate.

Não devemos esquecer que são os pobres, tanto nos países desenvolvidos como naqueles em vias de desenvolvimento, que sofrem maiormente e que são menos capazes de se defenderem do impacto desta crise. A perda de postos de trabalho em primeiro lugar e, em segundo a falta de acesso a um emprego, à alimentação, à assistência de base à saúde e às estruturas educacionais, são uma triste realidade quotidiana. No final dos encontros do Comité para o Desenvolvimento realizado no final de Abril, o Banco Mundial calculou que outros 55-90 milhões de pessoas se encontrarão em situação de pobreza extrema em 2009, especialmente mulheres e crianças; ao mesmo tempo, prevê-se que este ano o número de pessoas que sofrem de fome de modo crónico supere um bilião. Além disso, diminuíram também as perspectivas de vencer a pobreza extrema até 2015 através dos oito Objectivos de Desenvolvimento do Milénio.

Portanto, o primeiro forte compromisso moral para a Santa Sé consiste em enfrentar estas desigualdades sociais e económicas que se estão a acentuar e que minam a dignidade fundamental de tantos habitantes da terra. Ao mesmo tempo as instituições da Igreja em todo o mundo aproveitaram esta conjuntura para promover novas estruturas de solidariedade e para auspiciar e encorajar uma nova orientação dos sistemas financeiros e económicos nacionais e globais rumo a princípios de justiça, solidariedade e subsidiariedade.

Dada a vulnerabilidade de tantos pobres do mundo, apoiamos as propostas avançadas para os tutelar através de medidas de estabilização a curto prazo, adoptando simultaneamente medidas a longo prazo para garantir fluxos financeiros sustentáveis e reduzir as possibilidades de que se verifique uma nova crise. Pedimos também com urgência que a futura agenda não seja excessivamente ambiciosa. As acções a curto prazo devem concentrar-se em meios capazes de dar uma ajuda concreta em tempo razoável às pessoas mais necessitadas. As medidas a longo prazo para cuja realização com frequência é necessário desenvolver um consenso político mais forte deveriam concentrar-se sobre acções que apoiem a sustentabilidade. Por conseguinte, nós apoiamos o equilíbrio prático que foi sugerido entre a exigência de uma acção eficaz a curto prazo e as propostas de rever a estrutura do sistema económico global a longo prazo.

Em termos de acção específica, acolhemos com prazer os compromissos assumidos durante a cimeira do G20 realizada em Londres no passado mês de Abril para tornar disponíveis mais de mil biliões de dólares como ajuda adicional. Mas, infelizmente, apenas uma pequena parte destas ajudas foi destinada aos países mais pobres em vias de desenvolvimento. Portanto, é fundamental destinar mais uma ajuda financeira adequada a estes países, cujas necessidades financeiras devem ser monitorizadas atentamente. É também importante que tais ajudas sejam dadas a condições mínimas pelos IFI (Institutosde Finanças Internacionais).

Estamos conscientes das dimensões humanas e sociais desta crise global. À luz de tudo isto, apoiamos as medidas dirigidas ao reforço da segurança alimentar, o apoio às despesas sociais e, mais em geral, uma despesa pública que coloque as pessoas no centro. A este propósito, apreciamos de maneira particular as propostas para os necessários recursos adicionais a destinar ao Vulnerability Financing Framework do Banco Mundial.

A nova crise global não deve servir de pretexto para esquecer as questões que preocupam há muito tempo. Na Conferência de Doha ressaltámos a importância de reafirmar o princípio de desenvolvimento financeiro sustentável e de garantir um caminho rumo ao desenvolvimento sustentável para todos os países em vias de desenvolvimento. De maneira particular, a eliminação dos subsídios para as exportações agrícolas é uma medida que pode levar a notáveis benefícios aos países muito pobres em vias de desenvolvimento. Esta prerrogativa essencialmente moral tornou-se, no entanto, ainda mais urgente visto que a crise financeira global se agravou. Por conseguinte, unimo-nos aos Estados-membro para solicitar uma conclusão rápida da Conferência de Doha da Organização Mundial do Comércio, no sentido em que sejam respeitados os compromissos assumidos a favor dos países menos desenvolvidos. Da mesma maneira, é importante que os países desenvolvidos mantenham os seus empenhos de Assistência Oficial para o Desenvolvimento (ODA).

Em relação às medidas destinadas à prevenção da repetição desta crise no futuro, apoiamos regulamentações práticas e factíveis para garantir a transparência global e o controlo a todos os níveis do sistema financeiro. Ressaltamos que na base da actual crise económica existe uma ideologia que coloca o indivíduo e os desejos individuais no centro de todas as decisões económicas. A prática da economia reflecte este centro ideológico e tentou cancelar os valores e a moralidade do debate económico em vez de tentar integrar tais preocupações na realização de um sistema financeiro mais eficaz e justo.

Esta visão do mundo criou uma sociedade onde os lucros económicos e pessoais a curto prazo são realizados à custa de outrem e têm o efeito de produzir um individualismo que não reconhece os direitos e as responsabilidades partilhadas, necessários para criar uma sociedade que respeite a dignidade de todas as pessoas.

Enquanto a comunidade das Nações Unidas assume esta responsabilidade colectiva de apoiar os países mais pobres em vias de desenvolvimento neste tempo de crise financeira, julgamos oportuno recordar as reflexões feitas pelo Papa Bento XVI no início do ano, ao celebrar o Dia Mundial da Paz. Ele deu particular ênfase à necessidade fundamental de um "forte sentido de solidariedade global" entre países ricos e países pobres para enfrentar de maneira eficaz a luta contra a pobreza. O seu apelo foi essencialmente moral, fundado no bem comum para todos os seres humanos.

No âmbito do comércio internacional e das finanças iniciaram-se processos que consentem uma integração positiva da economia que conduz a um melhoramento geral das condições. Ao mesmo tempo, estão a decorrer processos na direcção oposta que marginalizam os povos e podem conduzir a guerras e conflitos. Não obstante o grande crescimento do comércio depois da II Guerra Mundial, muitos países permaneceram com baixo rendimento e ainda estão marginalizados do ponto de vista do comércio. Neste países, muitos dos quais se encontram em África, está em jogo uma questão fundamental de igualdade global. Também no âmbito das finanças a recente crise mostra como a actividade financeira pode ser concentrada sobre si mesma e ter uma perspectiva a curto prazo, sem qualquer consideração a longo prazo do bem comum.

Para concluir, insistimos na nossa instância de dar prioridade aos países mais pobres neste tempo de crise e de adoptar uma abordagem ética (I) no campo económico por parte de quantos trabalham nos mercados internacionais, (II) em âmbito político da parte de quantos desempenham uma função pública e (III) de consentir uma participação que inclua todos os membros da sociedade civil. Só adoptando uma abordagem semelhante será possível realizar uma solidariedade global autêntica.

Obrigado, Senhor Presidente!

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