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INTERVENÇÃO DA SANTA SÉ JUNTO DAS NAÇÕES UNIDAS
 POR OCASIÃO DA XVI SESSÃO ORDINÁRIA
DO CONSELHO DOS DIREITOS DO HOMEM
SOBRE O TEMA: DIREITO À ALIMENTAÇÃO E À VIDA

DISCURSO DE D. SILVANO M. TOMASI

Genebra, 8 de Março de 2011

 

Presidente!

O direito à alimentação é fundamental, porque está intrinsecamente ligado ao direito à vida. Porém, cerca de um bilião de pessoas não goza deste direito. A comunidade internacional deve «enfrentar um dos desafios mais graves do nosso tempo: libertar da fome milhões de seres humanos, cujas vidas estão em perigo por falta do pão quotidiano» (Mensagem do Papa Bento XVI ao Director-Geral da fao, Jacques Diouf, por ocasião do Dia Mundial da Alimentação de 2007).

São necessárias duas condições: ter alimentação certa, em quantidade suficiente. Cada pessoa deveria ter acesso à alimentação. Seria oportuno dirigir uma atenção especial aos 2,5 biliões de pessoas que dependem da agricultura para o próprio sustento quotidiano. Entre elas encontram-se a maioria daqueles que sofrem de subalimentação e fome. Existem soluções para melhorar a situação, mas requerem uma acção vigorosa por parte dos governos e dos povos dos países envolvidos. Esperemos que também a comunidade internacional possa agir. A minha delegação deseja indicar algumas condições que considera necessárias para poder usufruir do direito humano à alimentação e para o desenvolvimento de políticas de segurança alimentar como requisito prévio para a auto-suficiência.

Em primeiro lugar, é preciso reconhecer e reforçar o papel central da agricultura na actividade económica. Portanto, para reduzir a subalimentação nas áreas rurais, a produção per capita deve aumentar e promover deste modo a independência alimentar local, regional e nacional. São necessários investimentos para melhorar a produtividade nos sectores das sementes, da formação e da partilha dos instrumentos de cultivo e dos meios de comercialização. São também essenciais as transformações estruturais, de acordo com a especificidade de cada Estado. Por exemplo, devemos garantir a segurança da propriedade do terreno aos agricultores, especialmente àqueles que possuem pequenas parcelas de terreno. O direito à propriedade da terra, como era costume, pode ser novamente considerado. Um direito de propriedade transparente oferece ao agricultor a oportunidade de empenhar o próprio terreno em troca de um crédito periódico para poder comprar o que precisa. Além disso, a razão de ser da propriedade da terra tornou-se, hoje em dia, cada vez mais importante perante à expansão do fenómeno da apropriação da terra. Na África subsariana, 80% da terra é ocupada pelos pobres desprovidos dos títulos de propriedade. Além disso, a pertença às cooperativas e o acesso aos serviços de informação poderiam reforçar a produtividade.

Devemos garantir o acesso dos alimentos àqueles que necessitam. A crise alimentar actual demonstrou que algumas regiões estão a enfrentar graves carências e, nas áreas que tradicionalmente produzem alimentos, neste momento as reservas estão esgotadas ou de qualquer modo reduzidas. Estas circunstâncias causam fortes limitações à ajuda alimentar em situações de emergência. O fluxos de produtos alimentares exige diversas condições: os mercados locais deveriam ser eficientes, transparentes e abertos. A informação deve fluir de forma eficaz. É indispensável investir em estradas, transportes e armazenagem das colheitas. Os obstáculos às exportações, que foram estabelecidas pelos Estados soberanos, devem ser eliminadas. Estes impedimentos agravam temporariamente as carências nos países de importação e provocam um elevado aumento dos preços; enfim, a ajuda alimentar desempenha um papel fundamental em casos de catástrofe, que não deveriam abalar a produção agrícola local. Por exemplo, a distribuição de grandes quantidades de alimentos quer gratuitos quer a nível económico pode prejudicar os agricultores da região que não conseguem mais vender os próprios produtos. Deste modo, coloca-se em perigo o futuro da agricultura local.

Por conseguinte, deveriam ser tomadas medidas adequadas para tutelar os agricultores contra a instabilidade dos preços, que tem um impacto muito forte sobre a segurança alimentar, por várias razões: os preços elevados tornam os géneros alimentares inacessíveis aos pobres e os preços baixos dão aos agricultores informações erradas sobre as plantas jovens necessárias para a colheita do ano sucessivo. Para evitar a instabilidade dos preços ou pelo menos conter o seu impacto, as colheitas locais devem ser protegidas contra a oscilação brusca dos preços internacionais. Os impostos da alfândega à entrada de um país importador (ou a adaptação cíclica das precauções especiais ou diferenciadas) devem ter em consideração, em primeiro lugar, a necessidade dos consumidores pobres e, depois, o preço que devem pagar os pequenos agricultores para que se possam permitir um estilo de vida digno e promover a produção. A especulação deveria ser limitada aos agentes necessários para um adequado funcionamento dos mercados futuros. Os governos deveriam evitar introduzir medidas que aumentam a instabilidade e são chamados a reflectir sobre o facto de que a alimentação não pode ser uma questão de especulação nem um instrumento de pressão política, como qualquer outro bem. A criação de reservas regionais de matérias-primas (cereais, azeite e açúcar) pode criar um dúplice benefício: estas reservas devem ser vendidas a um preço acessível em caso de emergência e podem também abrandar a instabilidade dos preços locais.

A disponibilidade de produtos alimentares não é um factor suficiente para garantir alimentação a todos. As pessoas devem receber um salário suficiente para poder comprar alimentos ou, então, a alimentação deveria ter um preço acessível aos pobres. Isto levanta a questão relativa a uma rede completa de segurança, que consiste em tornar acessível os produtos alimentares com preços abordáveis para os mais pobres a nível regional. O nível de facilitações deveria variar conforme o preço do mercado, de modo que o custo reduzido dos géneros alimentícios possa permanecer estável. É uma ilusão acreditar que existe um «bom preço» do trigo ou do milho. O preço que um consumidor pobre pode estar em condições de pagar, pode não corresponder ao que necessita um pequeno agricultor africano para viver. Devemos criar mecanismos que reduzam a distância entre estes dois preços e, no que diz respeito aos países mais pobres, a solidariedade requer que estes sejam financiados a nível internacional.

Um desenvolvimento recente na procura mundial de segurança alimentar concerne a compra ou o arrendamento de grandes extensões de terrenos cultiváveis por parte de organizações estrangeiras em vários países. Parece uma razoável condição prévia, pretender que as pessoas que vivem nestes territórios sejam respeitadas, incluídas nos projectos e que o crescimento do nível de segurança alimentar na região seja favorecido. Enfim, investir na resolução da fome e na agricultura é essencial para erradicar a fome e a subalimentação.

Concluindo, Presidente, a insegurança alimentar não é inevitável, tendo em consideração as amplas áreas agrícolas e idóneas para a pastagem ainda exploráveis. O direito à alimentação pode ser garantido a todos, graças a uma acção concordada e determinada, corroborada pela convicção ética de que a família humana é uma só e deve continuar na solidariedade a favor das populações urbanas e rurais.

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