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INTERVENÇÃO DO SECRETÁRIO PARA AS RELAÇÕES COM OS ESTADOS
DA SANTA SÉ POR OCASIÃO DA MESA REDONDA SOBRE
 A DISCRIMINAÇÃO CONTRA OS CRISTÃOS
REALIZADA PELA ORGANIZAÇÃO
PARA A SEGURANÇA E A COOPERAÇÃO (OSCE)

DISCURSO DO ARCEBISPO DOMINIQUE MAMBERTI

Roma, 12 de Setembro de 2011

 

Senhor Presidente
Excelências
Senhoras e Senhores

A Santa Sé agradece à presidência lituana da OSCE, ao Gabinete das Instituições democráticas e dos direitos humanos (ODIHR), ao Governo italiano, à Cidade de Roma e a todos os que contribuíram para a organização deste encontro.

A Santa Sé é um Estado que participa na OSCE desde a sua fundação em 1975 e procura contribuir com vigor para as suas actividades e os seus projectos, quer através da participação directa quer mediante a sua Missão Permanente em Viena. Em Maio deste ano, os três representantes pessoais do actual presidente, a fim de combater contra as intolerâncias e discriminações, realizaram a primeira visita ao Vaticano, um evento que ressaltou ulteriormente a cooperação constante entre a OSCE e a Santa Sé.

Uma das razões principais desta mesa redonda é o facto de que a garantia da liberdade religiosa sempre esteve, e ainda está, no centro das actividades da OSCE. Desde quando foi incluída na Acta Final de Helsínquia de 1975 e confirmada em termos específicos nos relatórios sucessivos, entre os quais o Documento Final de Viena de 1989 e o Documento do Encontro de Copenhagen sobre a Dimensão Humana da então CSCE em 1990, a tutela da liberdade religiosa continuou a ocupar um lugar central na forma como a OSCE enfrenta, na globalidade, os problemas relativos à segurança.

É neste contexto que os crimes provocados pelo ódio contra os cristãos constituem um argumento de particular interesse para a OSCE em geral e para a Santa Sé em particular. Na sua mensagem para o Dia mundial da paz de 2011, Bento XVI sublinhou que «os cristãos são, actualmente, o grupo religioso que padece o maior número de perseguições devido à própria fé. Muitos suportam diariamente ofensas e vivem frequentemente em sobressalto por causa da sua procura da verdade, da sua fé em Jesus Cristo e do seu apelo sincero para que seja reconhecida a liberdade religiosa. Não se pode aceitar nada disto, porque constitui uma ofensa a Deus e à dignidade humana; além disso, é uma ameaça à segurança e à paz e impede a realização de um desenvolvimento humano autêntico e integral».

Poderíamos objectar, com razão, que a maioria dos crimes motivados pelo ódio contra os cristãos se verificam fora da área OSCE. Todavia, existem sinais de alerta mesmo dentro da área. O relatório anual do ODIHR sobre os crimes provocados pelo ódio oferece provas irrefutáveis do crescimento da intolerância contra os cristãos. Ignorar este facto, bem documentado, significa enviar sinais negativos também àqueles países que não fazem parte dos Estados participantes na nossa Organização. Por conseguinte, é essencial incentivar em todos os países uma nova consciência do problema. Por esta razão, a Santa Sé acolhe favoravelmente a resolução da Assembleia parlamentar da OSCE, adoptada este ano em Belgrado, como um passo importante «para iniciar um debate público sobre a intolerância e a discriminação contra os cristãos», assim como está estabelecido no documento. Como consequência desta conferência, é desejável que se tomem medidas concretas para combater a intolerância contra os cristãos.

A fim de prevenir os crimes provocados pelo ódio, é essencial promover e consolidar a liberdade religiosa, cujo conceito deve ser claro desde o início. No seu discurso de 10 de Janeiro de 2011 aos membros do Corpo Diplomático acreditado junto da Santa Sé, o Santo Padre afirmou que o direito à liberdade religiosa «é, na realidade, o primeiro dos direitos, porque historicamente se afirmou em primeiro lugar e ainda porque tem como objecto a dimensão constitutiva do homem, isto é, a sua relação com o Criador». Observou também que actualmente, em numerosas regiões do mundo, o direito à liberdade religiosa «é demasiadas vezes posto em discussão ou violado» e que «a sociedade, os seus responsáveis e a opinião pública hoje se dão conta em medida maior, embora nem sempre de maneira exacta, desta grave ferida infligida à dignidade e à liberdade do homo religiosus».

Com base nestas premissas, conclui-se que a liberdade religiosa não se pode limitar simplesmente à liberdade de culto, embora seja obviamente um aspecto importante. Com o devido respeito pelo direito de todos, a liberdade religiosa inclui, entre outros, o direito de pregar, educar, converter, contribuir para o debate político e participar plenamente nas actividades públicas.

A liberdade religiosa autêntica não é sinónimo de relativismo nem da ideia pós-moderna segundo a qual a religião é um componente marginal da vida pública. Bento xvi sublinhou várias vezes o perigo de um secularismo radical que remete, a priori, qualquer tipo de manifestação religiosa à esfera pessoal. O relativismo e o secularismo negam dois aspectos fundamentais do fenómeno religioso, e portanto do direito à liberdade religiosa, que ao contrário exigem respeito: a dimensão transcendente e social da religião, no âmbito da qual a pessoa humana procura relacionar-se, por assim dizer, com a realidade que a domina e circunda, de acordo com os ditames da sua consciência. A religião é mais do que apenas uma opinião pessoal ou de Weltanschauung. Sempre teve um impacto na sociedade e nos seus princípios morais.

Como evidenciei precedentemente, quando enfrentamos o tema sobre a negação da liberdade religiosa e da sua relação com os crimes provocados pelo ódio, normalmente pensamos nas perseguições violentas contra as minorias cristãs nalgumas regiões do mundo. A Santa Sé agradece à OSCE e a cada Estado participante particularmente activo ao denunciar o homicídio e a detenção de cidadãos inocentes, assassinados ou perseguidos só porque acreditam em Cristo. Por outro lado, se é verdade que o risco de crimes provocados pelo ódio está ligado à negação da liberdade religiosa, não deveríamos esquecer que existem graves problemas nalgumas áreas do mundo, onde felizmente não se verificam perseguições violentas contra os cristãos. Lamentavelmente, actos devidos a preconceitos contra os cristãos estão a tornar-se rapidamente uma realidade também nos países onde são a maioria.

Bento XVI fez referência a este fenómeno no mesmo discurso de Janeiro passado ao Corpo Diplomático, quando disse: «Voltando o nosso olhar para o Ocidente, deparamos com outros tipos de ameaça contra o pleno exercício da liberdade religiosa. Penso, em primeiro lugar, em países onde se reconhece uma grande importância ao pluralismo e à tolerância, enquanto a religião sofre uma crescente marginalização. Tende-se a considerar a religião, toda a religião, como um factor sem importância, alheio à sociedade moderna ou mesmo desestabilizador e procura-se, com diversos meios, impedir toda e qualquer influência dela na vida social».

Certamente, ninguém confundiria nem compararia a marginalização da religião com a perseguição dos cristãos noutras regiões do mundo. Porém, esta Conferência contribuirá, sem dúvida, para esclarecer a repercussão dos crimes devido ao ódio contra os cristãos também nas regiões onde a opinião pública internacional nunca esperaria que se verificassem. Com efeito, estes crimes são alimentados invariavelmente num ambiente em que a liberdade religiosa não é plenamente respeitada e a religião é descriminada.

Na região da OSCE, somos amplamente abençoados graças ao consenso sobre a importância da liberdade religiosa. Por conseguinte, é importante continuar a falar sobre a essência da liberdade religiosa, do seu vínculo fundamental com a ideia da verdade, e da diferença entre a liberdade religiosa e o relativismo, que simplesmente tolera a religião embora a considere com uma certa hostilidade. Cito novamente a mensagem para o Dia mundial da paz de 2011: «Por conseguinte, a liberdade religiosa deve ser entendida não só como imunidade da coacção mas também, e antes ainda, como capacidade de organizar as próprias opções segundo a verdade...Uma liberdade hostil ou indiferente a Deus acaba por se negar a si mesma e não garante o pleno respeito do outro. Uma vontade, que se crê radicalmente incapaz de procurar a verdade e o bem, não tem outras razões objectivas nem outros motivos para agir senão os impostos pelos seus interesses momentâneos e contingentes, não tem uma “identidade” a preservar e construir através de opções verdadeiramente livres e conscientes. Mas assim não pode reclamar o respeito por parte de outras “vontades”, também estas desligadas do próprio ser mais profundo e capazes, por conseguinte, de fazer valer outras “razões” ou mesmo nenhuma “razão”. A ilusão de encontrar no relativismo moral a chave para uma pacífica convivência é, na realidade, a origem da divisão e da negação da dignidade dos seres humanos».

Precisamente esta visão, que identifica a liberdade com o relativismo ou com o agnosticismo militante e faz surgir dúvidas sobre a possibilidade de conhecer melhor a verdade, poderia ser um factor que está na origem do aumento destes acidentes e crimes provocados pelo ódio, que constituirão o argumento do debate de hoje. Espero que esta mesa redonda proporcione novo vigor à obra da OSCE e do ODIHR neste âmbito e faço votos também por que eventos semelhantes se realizem com regularidade.

 

 

 

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