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INTERVENÇÃO DA SANTA SÉ NA 36ª SESSÃO
 DA CONFERÊNCIA GERAL DA UNESCO
 [25 DE OUTUBRO - 10 DE NOVEMBRO DE 2011]

DISCURSO DE MONSENHOR FRANCESCO FOLLO
 OBSERVADOR PERMANENTE DA SANTA SÉ

Paris, 29 de Outubro de 2011

 

Senhora Presidente da Conferência Geral
Senhora Directora-geral
Excelências

Em nome de Sua Santidade o Papa Bento XVI, tenho a grande honra de felicitá-la, Senhora Katalin Bogyay, Embaixadora da Hungria junto da UNESCO, pela sua eleição como Presidente desta prestigiosa Assembleia. Tenho também o prazer de lhe formular os melhores votos pelo bom êxito no cumprimento da sua missão, que a Senhora Irina Bokova, Directora-Geral, à qual dirijo também as minhas saudações, certamente apoiará com a eficácia e a inteligência que todos nós lhe reconhecemos.

Gostaria ainda de expressar o agradecimento e a estima da Santa Sé pela excelente qualidade dos trabalhos do Secretariado da UNESCO. Os documentos, sobretudo os 36 c/3, c/5 e c/6, foram preparados de forma clara e chamaram a nossa atenção. Demonstram a rica reflexão e a acção eficaz que estão na base de cada um dos cinco sectores da UNESCO. Além disso, focalizam a cultura da paz para uma educação integral relacionada inclusive com o desenvolvimento sustentável, a fim de responder às transformações culturais e climáticas relativas aos seres humanos que habitam o nosso planeta.

A 9 de Junho de 2011, o Santo Padre disse: «A ecologia humana é uma necessidade imperativa. (...) Além disso, é necessário interrogar-se sobre o justo lugar que devem ocupar a técnica» e o desenvolvimento relacionados com a educação. O Papa continuou, afirmando: «As Nações Unidas parecem-me ser o contexto natural para tal reflexão, que não deverá ser ofuscada por interesses políticos e financeiros cegamente partidários, de modo a privilegiar a solidariedade em relação ao interesse particular».

Acolhendo este convite de Sua Santidade, é possível propor algumas reflexões que visam consolidar a colaboração positiva existente entre a Santa Sé e a UNESCO, onde os Estados trabalham juntos para construir a paz no respeito das pessoas, dos povos, das culturas e dos continentes.

Thomas More, na sua obra Utopia, descreveu uma sociedade «em nenhum lugar» no mundo, mas que segundo a sua opinião permanece uma sociedade possível. Existe a possibilidade de ampliar a nossa sociedade «em nenhum lugar» conforme as dimensões do mundo? A questão permanece aberta! Porém, pode-se constatar que talvez isso seja possível no seio das comunidades que aceitam a paz e a não-violência. Para enriquecer e tornar eficazes os projectos de paz universal, certamente seria conveniente acrescentar também projectos de paz local. A paz local é um contributo obrigatório para alcançar a paz universal. Sabemos que o homem é um ser social criado para viver em comunidade. Em primeiro lugar é na comunidade, a qual é uma pequena sociedade, que devemos encontrar modelos ou ensinamentos para viver em paz. Estas pequenas sociedades são numerosas, mas citarei apenas três.

A primeira é a família. Se o homem deve aprender a ser humano, é na família, em nenhum outro lugar, que começará a fazê-lo. Ser homem e tornar-se homem não se excluem. Se o devir deve encontrar o seu início e o seu desenvolvimento é na célula social originária, formada pela comunidade primária constituída pelos pais e os filhos, que os achará. Portanto, aprender a viver na família é uma prioridade. Já o beato João Paulo II escrevia na Exortação Apostólica Familiaris consortio: «Diante da dimensão mundial que hoje caracteriza os vários problemas sociais, a família vê alargar-se de modo completamente novo o seu dever para com o desenvolvimento da sociedade: trata-se também de uma cooperação para uma nova ordem internacional, porque só na solidariedade mundial se podem enfrentar e resolver os enormes e dramáticos problemas da justiça no mundo, da liberdade dos povos, da paz da humanidade» (n. 48, 22 de Novembro de 1981).

A escola constitui a segunda sociedade que é necessário mencionar. Sabemos que a criança vai à escola para aprender, e isto lhe permitirá encontrar um trabalho no futuro. Todavia, a escola não é um lugar em que a criança, no singular, apenas aprende, mas é também o lugar em que as crianças, no plural, aprendem a comportar-se como «seres sociais». A escola ensina várias disciplinas e a criança necessita deste saber. Precisa de uma «cultura» e de conhecimentos diversificados. Mas a escola falharia a sua missão se propusesse apenas um ensino teórico, esquecendo de favorecer a integração numa vida comum serena, necessária para o desenvolvimento de cada homem. A família é o espaço privilegiado do primeiro encontro com o próximo. Através da iniciação no conhecimento e na alteridade, a escola amplia este encontro. A família deve ser um lugar de paz, mas não o único lugar de paz. Portanto, devemos fazer todos os esforços possíveis a fim de que as crianças aprendam a viver juntas respeitando as legítimas diferenças e experimentando a fraternidade humana e a amizade.

O Papa Bento XVI no Discurso ao mundo da educação católica, pronunciado em Londres a 17 de Setembro de 2010, afirmou: «Como sabeis, a tarefa do professor não consiste unicamente em comunicar informações ou em oferecer uma preparação técnica em vista de proporcionar benefícios económicos para a sociedade; a educação não é, nem deve ser considerada puramente utilitarista. Ela diz respeito sobretudo à formação da pessoa humana, à sua preparação para viver plenamente a própria vida — em poucas palavras, refere-se à educação para a sabedoria».

Sabemos que a sabedoria não nasce só de um acúmulo de informações; ela é o fruto da experiência e de uma arte de viver, e para os cristãos constitui uma dádiva de Deus, um dom que não é inato, mas que se pede e se constrói continuamente. Portanto, não se trata só de saber para poder, mas de saber para servir, saber para estar com os outros em paz. Por isso, a Santa Sé aprecia profundamente o ponto 3 do grande programa da Educação 36/c5: «Favorecer as respostas do sistema educativo aos desafios contemporâneos em vista de uma cultura da paz e da não-violência».

Num mundo profundamente dividido, ameaçado por conflitos violentos multiformes, a escola pode formar pacificadores e promover uma cultura de diálogo aberta à autocrítica. Deste modo, a escola pode contrastar situações de grande desigualdade, exigir que os direitos humanos sejam respeitados em todos os lugares e, sobretudo, educar a compreender o que somos: uma única família humana!

A família e a escola encontram-se naquela que poderíamos definir a cidade. Não se deveria entender este terceiro lugar de vida como a nação ou o país. Convém limitar o seu significado retornando à origem grega de cidade, povoado ou aldeia. Por isso, é possível afirmar que a exigência em prol da paz vai além do ponto 2 do grande programa das Ciências sociais e humanas. Este último deseja «promover uma cultura de paz, através da não-violência, baseada sobre os direitos do homem, da democracia, da reconciliação, do diálogo, incluindo todos os parceiros políticos e sociais, especialmente os jovens». O nosso mundo está cada vez mais urbanizado e a cidade tornou-se o lugar de vida da maioria dos nossos contemporâneos. Transformou-se de forma contraditória num lugar em que se exprimem e são vividas a cultura mais requintada e a maior violência, o lugar da riqueza e da pobreza estridente. Por conseguinte, é preciso trabalhar a fim de que a cidade ou o país, o povoado ou a aldeia, sejam realmente humanos. Ou seja, que no seu seio a comunidade de pessoas que os constituem seja sensibilizada para a aceitação vital de edificar a própria existência conforme os princípios positivos que derivam das respectivas culturas, que levam a uma cultura de paz e proíbem a violência sob qualquer forma. A edificação e a construção da paz utilizando os três níveis, família-escola-cidade, pode levar a uma cultura da paz susceptível de influenciar, de forma mais ampla, a convivência harmoniosa das nações.

A Igreja católica, como é conhecido por todos, foi sempre, ao longo da sua história de dois milénios, promotora da educação, da cultura e das ciências. Portanto, a Santa Sé não subestima a importância da cultura científica apresentada no grande programa das Ciências 36 c/5, ou seja, «estudar os âmbitos nos quais a UNESCO pode alcançar o objectivo global das ciências para a paz», assim como as actividade relativas à gestão das Ciências naturais transnacionais e as colaborações científicas regionais que a mesma apoia. Obviamente, compartilha a ideia de ter em conta a cultura e o diálogo intercultural nas políticas de desenvolvimento para promover uma cultura de paz definida pelo sector da cultura. Todavia, a busca de uma coerência e de uma unidade das diversas culturas, sabendo pôr em evidência o que possuem de positivo e de construtivo, pode permitir ao homem encontrar os meios necessários para se tornar plenamente humano e, portanto, artífice eficiente da paz. A este propósito, a plataforma intersectorial para uma cultura de paz e de não-violência tem uma relevância especial para a UNESCO e é importante para a humanidade, pois todas as actividades humanas devem ser promotoras de uma cultura de paz. Talvez por isso, seja possível sugerir que se dê mais importância a esta actividade intersectorial da Cultura de paz, tendo em conta o facto de que se trata do mandado da própria UNESCO.

Convencido de que o ser humano ocupa um lugar central e tem um valor nobre, o Concílio Vaticano II afirmava: «Com efeito, o homem é o protagonista, o centro e o fim de toda a vida económico-social» (Gaudium et spes, 63). E Paulo VI pôde escrever: «O que conta para nós, é o homem, cada homem, cada grupo de homens, até se chegar à humanidade inteira» (Popolorum progressio, 14). Sua Santidade Bento XVI acrescentou na sua Encíclica Caritas in veritate: «O primeiro capital a preservar e valorizar é o homem, a pessoa, na sua integridade» (n. 25). E afirmou: «O autêntico desenvolvimento do homem diz respeito unitariamente à totalidade da pessoa em todas as suas dimensões (...), se não é desenvolvimento do homem todo e de todo o homem, não é verdadeiro desenvolvimento» (nn. 11 e 18).

Deste modo continuaremos a colocar a pessoa, o seu desenvolvimento integral e o bem comum no centro das nossas reflexões e acções.

 

 

   

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