The Holy See
back up
Search
riga

INTERVENÇÃO DO OBSERVADOR PERMANENTE DA SANTA SÉ
NA 19ª SESSÃO ORDINÁRIA DO CONSELHO DOS DIREITOS HUMANOS
 SOBRE A LIBERDADE RELIGIOSA
(GENEBRA, 27 DE FEVEREIRO - 23 DE MARÇO DE 2012)

DISCURSO DO ARCEBISPO SILVANO M. TOMASI

Genebra, 1 de Março de 2012

 

Senhora Presidente!

A aplicação dos direitos humanos hoje representa um desafio difícil, especialmente no que diz respeito ao direito fundamental e inalienável de cada pessoa à «liberdade de pensamento, de consciência e de religião ou credo». Além disso, a situação política instável, a percepção errada do papel da religião, a vantagem pessoal, e as ambiguidades subtis na compreensão do secularismo levam à intolerância e até à real perseguição das pessoas por causa da sua fé ou religião. A liberdade de manifestar a própria religião ou o próprio credo no ensino, na prática, no culto e na observância, garantida pelas leis sobre os direitos humanos e pelos instrumentos internacionais, é ignorada em vária regiões do mundo. Estas políticas e práticas asfixiantes põem em risco a contribuição de numerosos cidadãos a favor da vida social e do progresso dos seus respectivos países. A Santa Sé aprecia a atenção constante dedicada pelo Conselho dos Direitos do homem a este importante tema, assim como o compromisso e as decisões tomadas em mérito pelos Procedimentos Especiais.

Contudo, em vários países a diferença entre os princípios declarados, amplamente aceites, e a sua aplicação concreta quotidiana está a aumentar. Estudos competentes fornecem dados certos sobre esquemas actuais e repetitivos de graves violações do direito de liberdade religiosa. Os cristãos não são as únicas vítimas, mas os ataques terroristas contra os os cristãos na África, no Médio Oriente e na Ásia aumentaram de 309% desde 2003 até 2010. Cerca de 70% da população mundial vive nos países com graves limitações à fé e à prática religiosa, e são as minorias religiosas quem paga o preço mais alto. Geralmente, as crescentes restrições postas às religiões dizem respeito a 2,2 bilhões de pessoas. Os indivíduos atingidos ou perderam a protecção da sua sociedade ou experimentaram restrições injustas impostas pelo governo ou tornaram-se vítimas da violência devido a um fanatismo impulsivo (http://www.pewforum.org/Government/Rising-Restrictions-on-Religion.aspz; ver também Portes Ouvertes: Index mondial de Persécution des chrétiens, 2011; Cf. Ayaan Hirsi Ali, The War on Christians, Newsweek, 13 de Fevereiro de 2012). Os acontecimentos demonstram que servem ulteriores esforços da parte da comunidade internacional a fim de garantir a protecção das pessoas no exercício da liberdade de religião e da prática religiosa. Estas medidas são urgentemente necessárias, pois em numerosos países a situação agrava-se e a denuncia efectiva destas violações é pouco enfatizada, quando ao contrário deveria ser destacada nas Relatórios pertinentes.

A Declaração universal dos direitos do homem indica o respeito da dignidade humana de todas as pessoas como fundamento sobre o qual se baseia a tutela dos direitos humanos. Nas circunstâncias actuais é oportuno recordar que os Estados devem garantir a todos os cidadãos o direito de gozar a liberdade de religião de forma individual, na família e como comunidade, e de participar nas actividades públicas. Com efeito, a liberdade de religião não é um direito derivado ou concedido, mas um direito fundamental e inalienável da pessoa humana. Um credo religioso nunca deve ser sentido ou considerado prejudicial ou ofensivo quando é diferente do da maioria. A tarefa do governo não é definir a religião ou reconhecer a sua importância, mas conferir às comunidades de fé uma personalidade jurídica, a fim de que possam agir pacificamente no âmbito de uma estrutura legal. O respeito da liberdade religiosa de todos pode ser ameaçado quando é reconhecido o conceito de «religião de Estado», especialmente quando se torna fonte do tratamento injusto do próximo, quer pertença a uma fé diversa, quer não a tenham.

Além das considerações institucionais, o problema fundamental relativo à promoção e à tutela dos direitos humanos no âmbito da liberdade religiosa é a intolerância, que todos os anos leva à violência e ao assassínio de numerosos inocentes só por causa das suas convicções religiosas. Por conseguinte, a responsabilidade realista e colectiva é a de apoiar a tolerância recíproca e o respeito dos direitos humanos, assim como uma maior igualdade entre os cidadãos de religião diferente, a fim de realizar uma democracia saudável, na qual sejam reconhecidos o papel público da religião e a diferenciação entre a esfera religiosa e a temporal. Na vida concreta, as relações entre a maioria e a minoria, se forem enfrentadas no contexto de uma aceitação recíproca, permitem a cooperação e o acordo e abrem o caminho para uma coexistência pacífica e construtiva. Contudo, a fim de alcançar este objectivo desejável é necessário ultrapassar uma cultura que menospreza as pessoa humana e que tenta eliminar a religião da vida pública. O Papa Bento XVI descreve claramente esta situação quando afirma que: «Infelizmente em certos países, sobretudo ocidentais, difundiu-se nos meios políticos e culturais, bem como nos mass media, um sentimento de pouca consideração e por vezes de hostilidade, para não dizer menosprezo, para com a religião, particularmente a religião cristã. É claro que, se se considera o relativismo como um elemento constitutivo essencial da democracia, corre-se o risco de conceber a laicidade apenas em termos de exclusão ou, mais exactamente, de recusa da importância social do facto religioso. Mas uma tal perspectiva gera confronto e divisão, prejudica a paz, perturba a ecologia humana e, rejeitando por princípio atitudes diversas da sua, torna-se uma estrada sem saída. Por isso, é urgente definir uma laicidade positiva, aberta, que, fundada sobre uma justa autonomia da ordem temporal e da ordem espiritual, favoreça uma sã cooperação e um espírito de responsabilidade compartilhada» (Bento XVI, Discurso aos Membros do Corpo Diplomático para a troca de bons votos de início de ano, segunda-feira, 11 de Janeiro de 2010).

Senhora Presidente!

As religiões não constituem uma ameaça, mas um recurso. Contribuem para o desenvolvimento das civilizações, e isto é um bem para todos. As suas liberdades e actividades devem ser salvaguardadas, a fim de que a colaboração entre as confissões religiosas e as sociedades possa favorecer o bem comum. É urgente uma cultura da tolerância, de aceitação recíproca e de diálogo. O sistema de educação e as mídia desempenham um papel importante, excluindo o preconceito e o ódio dos livros didáticos, dos noticiários e dos jornais, e difundindo informações claras e correctas sobre todos os grupos que compõem a sociedade. Contudo, a falta de formação e de informação, que facilita a manipulação das pessoas para obter vantagens políticas, está muitas vezes ligada com o subdesenvolvimento, a pobreza, a impossibilidade de participar efectivamente na gestão da sociedade. Uma maior justiça social oferece um terreno fértil para a actuação de todos os direitos humanos. As religiões são comunidades baseadas nas convicções e a sua liberdade garante uma contribuição de valores morais, sem os quais não é possível a liberdade de todos. Por esta razão, a comunidade internacional tem a responsabilidade urgente e benéfica de contrastar a crescente tendência para a violência contra os grupos religiosos e a neutralidade enganadora, que de facto visa neutralizar a religião.

 

  

top