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INTERVENÇÃO DA SANTA SÉ NA 56ª SESSÃO DA CONFERÊNCIA GERAL
DA AGÊNCIA INTERNACIONAL DE ENERGIA ATÓMICA (AIEA)

DISCURSO DE MONSENHOR DOMINIQUE MAMBERTI

Viena, 17 de Setembro de 2012

 

Senhor Presidente

Tenho a honra de lhe transmitir, Senhor Presidente, assim como ao Director-Geral da Agência internacional de energia atómica (AIEA), Senhor Yukiya Amano, e a todos os distintos participantes desta 56ª Conferência geral da AIEA, os melhores votos e as cordiais saudações de Sua Santidade Bento XVI, que por ocasião do 50º aniversário da AIEA, disse: «É cada vez mais actual e urgente o compromisso de encorajar a não-proliferação de armas nucleares, promover um progressivo e concordado desarmamento nuclear e favorecer o uso pacífico e seguro da tecnologia nuclear para um autêntico desenvolvimento, respeitoso do ambiente e sempre atento às populações mais desvantajadas» (Angelus, 29 de Julho de 2007)

Num mundo em globalização crescente e incisiva «o risco do nosso tempo é que, à real interdependência dos homens e dos povos, não corresponda a interacção ética das consciências e das inteligências, da qual possa resultar um desenvolvimento verdadeiramente humano» (Bento XVI, Caritas in veritate, 9).

Este risco torna-se ainda mais evidente se considerarmos também o chamado «renascimento nuclear» a nível mundial e os seus numerosos desafios, que dizem respeito: ao vínculo entre desarmamento e não-proliferação nucleares, ao crescimentos da procura de energia, às ameaças do terrorismo e do mercado clandestino nuclear, à segurança nuclear, e assim por diante. Estes desafios só podem ser enfrentados seriamente cultivando uma cultura da paz fundada sobre a primazia do direito e o respeito pela vida humana.

Neste contexto, a AIEA pode e deve contribuir a fim de favorecer uma «interacção ética das consciências e das inteligências» (ibidem), que é essencial para responder àqueles desafios e promover um desenvolvimento humano realmente integral que, segundo a Santa Sé, deve ser «de alcance universal, no diálogo entre o saber e a realização prática» (cf. ibidem, n. 4).

Senhor Presidente!

Todos nós conhecemos as fortes interacções existentes entre o desarmamento nuclear e a não-proliferação nuclear: são interdependentes e reforçam-se reciprocamente; a sua actuação transparente e responsável representa um dos instrumentos principais não só para combater o terrorismo nuclear, mas também para realizar concretamente uma cultura da vida e da paz, capaz de promover de maneira eficaz o desenvolvimento integral dos povos. Nesta perspectiva, a comunidade internacional deveria demonstrar uma expressão de intenções visível e eficaz, que vise construir e fortalecer as bases legais internacionais para a eliminação sistemática das armas nucleares. Já não é possível considerar moralmente suficiente reduzir os estoques de armas nucleares supérfluas enquanto se modernizam os arsenais nucleares e se investem grandes quantias de dinheiro para garantir a sua produção futura e a sua conservação. Por estas razões, a Santa Sé considera o Tratado de não-proliferação de armas nucleares (TNP) como a pedra angular do regime global de não-proliferação nuclear e continuará a oferecer a própria contribuição para a preparação de um terreno fértil, que permita à IX Conferência de exame do TNP, agendada para 2015, produzir resultados consistentes e encorajadores não só para o fortalecimento do mesmo Tratado, mas também para tornar este último um instrumento mais eficaz a fim de responder aos novos desafios que surgem no horizonte nuclear.

Senhor Presidente!

A segurança global não pode basear-se nas armas nucleares. A Santa Sé considera o Tratado de interdição completa de ensaios nucleares (CTBT) um instrumento importante para alcançar este objectivo, sem mencionar as suas aplicações potenciais, civis e científicas, através do Sistema internacional de monitorização. Tenho a honra de saber que o nome da Santa Sé, assim como o meu, estão na lista dos países que apoiam a Declaração ministerial da VI Conferência ministerial do CTBT. A Santa Sé está convicta de que, trabalhando juntos, a ratificação e a entrada em vigor do Tratado representarão uma contribuição significativa para o futuro da humanidade, assim como para a salvaguarda da terra e do meio ambiente, confiados aos nossos cuidados pelo Criador.

A este respeito, inclusive a ratificação por parte de todos os países, especialmente das Potências nucleares, dos respectivos Protocolos aos Tratados para as zonas livres de armas nucleares é de grande importância. A Santa Sé reafirma o forte apoio aos esforços que visam instituir estas zonas no Médio Oriente e está confiante relativamente aos debates que se realizarão sobre este tema na Finlândia. As zonas livres de armas nucleares constituem o melhor exemplo de confiança, esperança e afirmação que a paz e a segurança são possíveis sem a posse de armas nucleares.

A humanidade merece pelo menos a cooperação plena de todos os Estados nesta matéria importante. Cada passo na agenda do desarmamento e da não-proliferação deve ser fundado sobre os princípios do valor primordial e inerente da dignidade humana e da centralidade da pessoa, que constituem a base do direito humanitário internacional. No passado mês de Maio, durante a primeira Comissão preparatória da Conferência de exame de 2015 dos Estados Partes do TNP, a Santa Sé co-patrocinou a Declaração conjunta sobre a dimensão humanitária do desarmamento nuclear, uma das principais novidades que emergiram durante este encontro. As armas nucleares têm a capacidade destrutiva de ameaçar a sobrevivência da humanidade e enquanto continuarem a existir, a ameaça à humanidade perdurará. Além disso, as armas nucleares são inúteis para enfrentar ameaças actuais como a pobreza, a saúde, a mudança climática, o terrorismo e a criminalidade transnacional. O único modo para garantir que estas armas não sejam utilizadas no futuro é através da sua eliminação total, irreversível e verificável, sob o controle internacional. Neste âmbito, a AIEA tem um papel central a desempenhar.

Senhor Presidente!

Desde a sua fundação, a Agência internacional para a energia atómica tornou-se um ponto de referência insubstituível para a cooperação internacional na utilização da tecnologia nuclear para finalidades pacíficas e para o desenvolvimento humano integral. A este propósito, a Santa Sé dá as boas-vindas a Fiji, San Marino e Trindade e Tobago como novos Estados membros da família da AIEA.

Uma questão importante que diz respeito não só à família da AIEA, mas ao género humano na sua globalidade, é a segurança nuclear. A Santa Sé acompanha de perto os progressos realizados na actuação do Plano de acção da AIEA sobre a segurança nuclear e congratula-se com a Agência por esta realização. O que sobressaiu das instalações nucleares de Fukushima-Daiichi revelou rapidamente que uma crise local nuclear é de facto um problema nuclear global. Além disso, realçou que o mundo está exposto a riscos reais e sistemáticos, não só hipotéticos, com custos incalculáveis, e que é necessário desenvolver uma coordenação política internacional que nunca se verificou precedentemente, fazendo emergir deste modo numerosas questões.

A segurança energética e nuclear requerem a adopção de técnicas apropriadas e de medidas legais, assim como de acções e de respostas a nível cultural e ético. A curto prazo, as medidas técnicas e legais são necessárias para a protecção das zonas e dos materiais nucleares e também para a prevenção dos actos de terrorismo nuclear, cujos possíveis efeitos devastadores são realmente difíceis de imaginar. A longo prazo, serão necessárias medidas de prevenção, capazes de penetrar nas raízes culturais e sociais mais profundas, como por exemplo programas de formação para a difusão de uma «cultura da segurança» quer no sector nuclear quer na consciência pública em geral. Um papel especial deve ser reservado aos códigos de comportamento para os recursos humanos que, no âmbito nuclear, devem estar sempre conscientes dos possíveis efeitos das suas actividades. A segurança depende dos Estados, mas sobretudo do sentido de responsabilidade de cada pessoa.

Senhor Presidente!

O Programa de cooperação técnica (TCP) da Agência é um dos instrumentos principais para transferir a ciência e a tecnologia nucleares aos Estados membros a fim de promover um desenvolvimento social e económico integral. Estas iniciativas, quando têm como objectivo as necessidades dos Estados beneficiários e dos seus parceiros no âmbito das prioridades nacionais, ajudam a combater a pobreza e podem contribuir para encontrar soluções mais pacíficas para os graves problemas que a humanidade enfrenta.

A este respeito, a Santa Sé participa no Fórum científico deste ano, dedicado ao tema «Alimentação para o futuro: enfrentar os desafios através das aplicações nucleares». Este tema evidencia a necessidade premente de combater a fome e a subalimentação de muitos membros da família humana. Obviamente, a Santa Sé não tem soluções técnicas para oferecer. Não obstante tudo, na sua opinião as biotecnologias e as tecnologias nucleares não podem ser avaliadas unicamente com base em interesses económicos imediatos. Devem ser submetidas, em primeiro lugar, a exames científicos e éticos rigorosos, a fim de prevenir que se tornem perigosas para a saúde humana e para o futuro do nosso planeta.

No contexto do tcp, gostaria de mencionar também o papel especial dos radionuclídeos utilizados nos diagnósticos e no tratamento de doenças malignas. A terapia radioactiva é um dos tratamentos fundamentais de tumores e mais de 50% dos pacientes, aos quais foi diagnosticada tal doença, poderiam beneficiar deste tipo de terapia, quer aplicada sozinha quer conjuntamente com a cirurgia e a quimioterapia. Todavia, nos países em vias de desenvolvimento mais de metade dos pacientes com tumores não têm acesso à radioterapia por causa da carência de equipamentos apropriados e de pessoal suficientemente treinado e com experiência na física clínica e médica. A Santa Sé aprecia o trabalho e os esforços da AIEA e dos seus parceiros no planeamento e na difusão de programas de controle dos tumores e encoraja a AIEA a continuar a perseguir e reforçar estas actividades extremamente importantes. O Programa de acção para a terapia contra os tumores (pact), finalizado a aumentar a capacidade da Agência de apoiar os países membros na tarefa extraordinária de combater os tumores e instituir centros regionais de excelência para a radioterapia, merece ser mencionado com respeito.

Permita-me concluir, Senhor Presidente, com a seguinte reflexão: ao considerar as políticas nucleares a partir da perspectiva do «desenvolvimento integral da pessoa humana» (Declaração sobre o direito ao desenvolvimento, 1986, parágrafo 5), que implica não só o desenvolvimento material, mas sobretudo cultural e moral de cada pessoa e de todos os povos, a Santa Sé considera, e convida todos à mesma atitude, o contributo da Agência internacional de energia atómica para a paz, saúde e prosperidade.

Obrigado, Senhor Presidente!

 

 

  

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