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CONFERÊNCIA DAS PARTES ENCARREGADAS
DO EXAME DO TRATADO SOBRE A NÃO-PROLIFERAÇÃO
 DAS ARMAS NUCLEARES

DECLARAÇÃO DE MONSENHOR AUDRIS BACKIS
 CHEFE DA DELEGAÇÃO DA SANTA SÉ

Genebra, 13 de Agosto de 1980

 

Senhor Presidente

Permita-me que principie por lhe apresentar, em nome da Delegação da Santa Sé, as nossas mais vivas felicitações pela sua eleição à presidência desta Conferência, assim como pela competência com que dirige os trabalhos da mesma. Desejaria igualmente manifestar as minhas sinceras felicitações ao Senhor Secretário-Geral da Conferência pela competência e grande experiência que põe ao seu serviço, em favor da causa comum do desarmamento e da paz.

A presença da Santa Sé nesta sala poderá talvez admirar os representantes de Países que só há pouco deram adesão ao Tratado de não-proliferação das armas nucleares, cujo exame é objecto da nossa Conferência. Não é portanto supérfluo recordar que a sua participação tem, como motivo único, o interesse que dedica à paz, e portanto ao desarmamento.

A Santa Sé, com efeito, não é uma "Potência" semelhante às que estão aqui reunidas por intermédio dos seus representantes: não possui potencial tecnológico, e menos ainda armamentos. Mas, por causa da sua concepção do homem e das responsabilidades espirituais quanto a ele, estima a paz, educa para a paz e ama a paz.

Por isso, a Santa Sé não procura fugir às suas responsabilidades dentro da comunidade internacional, e não hesita em comprometer a sua autoridade moral e espiritual na construção da paz, a que aspira toda a humanidade. Neste espírito, a Santa Sé aderiu em 1971 ao Tratado de não-proliferação; declarava querer dar deste modo o seu apoio e oferecer incentivo moral às disposições do Tratado, "considerando que este constitui um passo à frente notável para a criação desejada de -um sistema de desarmamento geral e completo, sob uma fiscalização internacional eficaz", como afirmava o seu instrumento de adesão ao Tratado, pois julgava que "as finalidades de desarmamento e de calma internacional de que se inspira o Tratado correspondem à sua própria missão de paz" (ibid.). Hoje ainda, o desarmamento e a calma internacional continuam a estar no centro das suas preocupações.

1. Se a Santa Sé julgava que o Tratado de não-proliferação representava, quando foi concluído, um esforço concreto da humanidade para reduzir os riscos de destruição nuclear que a ameaçam, continua a afirmar, dez anos depois da sua entrada em vigor, a esperança de que este Tratado consolide e sirva mais eficazmente a causa do desarmamento.

O perigo de uma guerra nuclear continua, de facto, a pesar sobre a humanidade. Apreciando embora como convém as iniciativas tomadas pelas grandes potências nucleares para limitar a escalada quantitativa das mesmas no sector do armamento nuclear, é bem forçoso reconhecer que se atingiu neste campo um nível tão elevado que nos encontramos de facto diante de um "equilíbrio do terror" que forma uma ameaça sempre presente.

Não nos poderíamos, com efeito, embalar com ilusões, nem aceitar facilmente informações tranquilizadoras. O equilíbrio actual é frágil, e a paz mundial permanece sujeita a erros de juízo, de informação ou de interpretação, como afirmava recentemente o Papa João Paulo II na tribuna da UNESCO. Por isso, erguia a voz para recordar aos homens de cultura e de ciência e, por meio deles, também a todos os que tomaram consciência da situação e do risco, que têm uma responsabilidade moral de primeira grandeza neste campo, que devem convencer-se da prioridade da ética sobre a técnica, do primado da pessoa sobre as coisas, da superioridade do espírito sobre a matéria (cf. Discurso à UNESCO, nn. 21 e 22). Em tal perspectiva ética convém, a juízo da Santa Sé, não perder de vista o artigo VI do Tratado, que obriga as Partes, e em primeiro lugar as potências dotadas de armas nucleares, "a continuar de boa fé negociações sobre medidas eficazes relativas à cessação da corrida aos armamentos nucleares a uma data aproximada, e ao desarmamento nuclear, e sobre um tratado de desarmamento geral e completo, sob uma fiscalização internacional estrita e eficaz".

O primeiro passo em tal processo poderia ser o compromisso, firme e irrevocável, por parte de todos os que possuem armas nucleares, de pôr termo definitivo à proliferação vertical delas. Tal compromisso constituiria a base sólida para todo o progresso seguinte no desarmamento. Não estaria nisso uma prova tangível de, os que têm as mais altas responsabilidades quanto à paz, terem querido atender às advertências lançadas há muito por eminentes personalidades, e recentemente ainda pelo Papa João Paulo II na Encíclica Redemptor Hominis (cf. n. 15) e no discurso à Assembleia Geral das Nações Unidas (cf. n. 10)? Não seria assim que nova esperança se criaria, para os povos deste mundo que, com justo motivo, vêem o perigo que está no armazenamento de armas nucleares, e são perseguidos pelo espectro da destruição que tais armamentos, empregados de maneira mesmo limitada, fariam rebentar sobre a humanidade, sobre tantos inocentes?

A Santa Sé está sem dúvida bem consciente das dificuldades que seria preciso vencer e de que as negociações, como os debates em curso, andam inseparavelmente ligados às negociações que se realizam fora desta sala, tendo como protagonistas as potências nucleares, e também de que estas negociações só muito lentamente prosseguem. Não devem contudo fazer esquecer a finalidade fixada.

Ao perigo principal de um conflito entre as grandes potências nucleares vem juntar-se também o perigo nascido de uma proliferação horizontal, facilitada tanto mais, pelos progressos científicos e tecnológicos, quanto se torna cada vez mais difícil estabelecer a distinção adequada entre as experiências nucleares levadas a termo com finalidades pacíficas e as outras. Este problema atinge dimensões novas por causa do uso cada vez mais estendido da energia nuclear, com todos os riscos que este facto comporta de desvio do material nuclear e dos conhecimentos especializados neste campo para fins não pacíficos. Não se podem pois senão animar todas as medidas de fiscalização, já existentes ou ainda por criar ou aperfeiçoar, no respeitante à transferência de tecnologia nuclear como ainda ao tratamento, à venda ou ao transporte do combustível nuclear.

Todavia, se é indispensável encontrar soluções suficientemente seguras, providas de garantias eficazes sob verificação internacional, para evitar qualquer desvio de material nuclear para fins militares, não se pode por isso esquecer o espinhoso problema da utilização pacifica da energia nuclear, nem descuidar "os meios de tornar acessíveis a todos os povos os imensos recursos da energia nuclear para usos pacíficos" (Mensagem do Papa Paulo VI à Sessão extraordinária da ONU sobre o desarmamento). Não se pode esquecer o papel que toca à A.I.E.A. neste campo: as suas iniciativas merecem ser animadas e apoiadas.

As cláusulas encerradas no Tratado de não-proliferação são utilíssimas neste particular. Com efeito, este convida claramente os signatários a repartirem os benefícios derivados do uso pacífico da energia nuclear com todos os povos e todas as nações. Tal partilha é exigida pelo sentimento da equidade subentendido pelo Tratado, quando convida os detentores dos recursos nucleares e do conhecimento especializado, que a eles se refere, a reparti-los com todos os que podem fazer valer um direito legítimo. Isto deve portanto ser realizado sem obrigar os beneficiários a aceitarem condições que na realidade constituiriam verdadeira exploração, e sem os forçar também a pagar um custo que tornaria impossível o gozo de tais recursos. Por outro lado, a grande vantagem deste Tratado está em que se propõe tornar impossível todo o uso da energia nuclear que não seja fiscalizado ou se torne irresponsável. Seria contrário a este fim, isto é ao sentimento da justiça internacional, que o seu objectivo de fiscalizar a energia nuclear ficasse deturpado em favor de um reforço do poder de alguns ã custa das necessidades legítimas do maior número.

2. Por outro lado, a Santa Sé reafirma que a solução dos graves problemas agora evocados é dependente do clima das relações internacionais, e repete ainda a sua convicção de o Tratado de não-proliferação poder servir para promover o que se combinou chamar a distensão internacional, entendendo, como lembrava o Papa Paulo VI, que esta última deve ser compreendida no sentido autêntico, "quer dizer fundada numa vontade experimentada de respeito mútuo" (Mensagem à Sessão extraordinária da ONU sobre o desarmamento). Notando, com efeito, que "o problema do desarmamento é substancialmente problema de confiança mútua", daí concluía legitimamente que "seria portanto vão, em grande parte, procurar soluções possíveis para os aspectos técnicos do desarmamento, se não se conseguisse curar de raiz a situação que serve de húmus à proliferação dos armamentos" (ibid.). Por isso, afirmava, a distensão "condiciona pôr em movimento um processo verdadeiro de desarmamento" (ibid.).

Essa análise vem encontrar-se com a do Papa João Paulo II na UNESCO, na qual vê a instabilidade da situação internacional actual ligada, não só a razões de geopolítica e a problemas económicos de dimensão mundial, mas também a terríveis incompreensões e orgulhos nacionais feridos (cf. Discurso à UNESCO, n. 21).

O primeiro passo para ser dado consiste então certamente em procurar, com boa fé e boa vontade, melhorar a atmosfera e a realidade das relações internacionais, especialmente entre as grandes potências e entre os blocos de Estados.

Senhor Presidente

Tornando suas as preocupações e as angústias de tantos homens que aspiram à paz, a Santa Sé sem nunca perder de vista o objectivo último de um desarmamento geral e completo sob fiscalização internacional, anima todos os esforços que forem postos em prática para melhorar a aplicação do Tratado, e para contribuir para aumentar a sua credibilidade aos olhos da opinião pública mundial.

Com satisfação vê que o numero das Partes passou a 114, e faz votos por ver aderir ainda outros Estados, em primeiro lugar todas as potências nucleares ou que tenham capacidade de o vir a ser, para que o Tratado possa tornar-se instrumento cada vez mais convincente, capaz de atingir as nobres finalidades que se propôs.

A Santa Sé renova pois o desejo de que as obrigações assumidas sejam plenamente respeitadas, e formula por fim o voto de que se realizem progressos concretos na aplicação do Tratado, num esforço de inteligência e de vontade política, a fim de conciliar os interesses que opõem os Estados dotados de armas nucleares e os países que ou delas estão desprovidos ou a elas renunciaram, de maneira que se encontre, como pedia a Declaração final da primeira Conferência das Partes em 1975 "um equilíbrio aceitável de responsabilidades e de obrigações mútuas".

Apesar das dificuldades, este voto é partilhado pelo conjunto dos Representantes das diferentes Partes — a Delegação da Santa Sé não o ignora: ela certifica-os de todo o seu apoio para que o resultado dos esforços corresponda expectativa que têm dentro de si todos os homens que procuram promover a paz.

Obrigado, Senhor Presidente.

 

 

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