The Holy See
back up
Search
riga

INTERVENÇÃO DA DELEGAÇÃO DA SANTA SÉ
NA XXI CONFERÊNCIA DA UNESCO EM BELGRADO

DISCURSO DO NÚNCIO APOSTÓLICO
 DOM ERNESTO GALLINA

Belgrado, 30 de Setembro de 1980

 

Senhor Presidente

Junto a minha voz às das eminentes personalidades que me precederam a felicitá-lo por causa da eleição para a Presidência desta 21ª Sessão da Conferência Geral.

Quero expressar também quanto nós apreciamos a hospitalidade e a simpatia das Autoridades e da gente deste País, a quem manifestamos o nosso reconhecimento num espírito de sincera amizade.

Senhor Presidente, Senhoras e Senhores

1. A Delegação da Santa Sé deseja em primeiro lugar exprimir sentimentos de profunda gratidão pelo acolhimento tão delicado e caloroso que a Unesco reservou há pouco a Sua Santidade o Papa João Paulo II.

A sua visita contribuiu intensamente para estreitar as relações estabelecidas há longos anos entre a Santa Sé e a Unesco, para melhor marcar a larga comunhão de vistas que as une e para reforçar a colaboração de ambas.

A nossa Delegação está autorizada a confirmar, por ocasião desta Conferência Geral, a estima do Santo Padre pela Unesco e seu nobre ideal, e a sua firme intenção de prosseguir animando e favorecendo todas ás iniciativas que venham a merecer um esforço comum.

2. Seja-me, em seguida, consentido, no espírito mesmo que alimentou a referida visita, apresentar breves reflexões sobre alguns dos numerosos temas inscritos no programa da Organização, tendo em conta as considerações do Director-Geral na sua excelente introdução ao projecto do programa-balanço 1981-83 e na sua sucessiva relação preliminar sobre o plano a meio termo 1984-89. A nossa opção é consequência da particular importância de ambas.

3. Não poderá maravilhar ter para nós a questão dos direitos do homem o privilégio de primeira reflexão. Porque também a Organização lhe reserva Lugar importantíssimo. E porque são demasiado dolorosas e numerosas as situações em que hoje estes direitos são contrastados ou mesmo ignorados.

A investigação da Unesco no sector dos direitos do homem vai tendo feliz progresso. Hoje está-se procurando com certa insistência alargar o conceito dos direitos do homem, até ao ponto de se falar de novos direitos: isto é belo e atraente; mas deve ficar espaço para um exame atento e esclarecido, especialmente sobre dois pontos. Primeiro: a possibilidade de conflitos entre os direitos do indivíduo e os das colectividades e das nações: é necessária a harmonização deles que afaste todos os atentados contra os direitos imprescritíveis da pessoa humana. O segundo ponto refere-se aos direitos chamados de segunda espécie: os que implicam serviços por parte da colectividade: o direito à educação, à cultura, à informação e à saúde. A sua legitimidade não exime da consideração das possibilidades concretas da colectividade, que muitas vezes, pela escassez dos seus meios, não poderá dar às justas exigências senão uma resposta imperfeita. Dentro porém dos limites impostos pela realidade, serão sempre respeitados os dois critérios de uma autêntica jerarquia dos valores e da especial solicitude que a justiça reclama para os mais desfavorecidos.

4. Um sector em que a Unesco é protagonista no seio das Nações Unidas é o da formação do homem. Estão aqui em jogo os valores fundamentais que a Unesco deve, por missão, preservar e promover.

Crescente importância no seu programa está em adaptar a formação do homem ao seu futuro emprego: com consequências fortemente condicionadoras para a vida profissional do homem e para o desenvolvimento mesmo, que é questão não só de bens e de meios mas sobretudo de homens. Mas com este tema, no sector da escola, a Unesco liga o do ensino geral, reconhecendo assim que a formação do homem não pode circunscrever-se à preparação para um emprego.

Desejaríamos exprimir o voto de que a Organização fizesse sempre brilhar mais esta visão largamente compreensiva da formação do homem, segundo a qual este não deve ser preparado só para uma função produtiva, mas também para a sua futura vida familiar, tão carregada de responsabilidades, para o seu encargo de cidadão activo e consciente, para o uso dos tempos livres que lhe favorecem, não a apatia ou mesmo a degradação da existência, mas um autêntico florescimento.

5. Sobre a cultura, não repetiremos as ideias amplas e profundas explicadas à Unesco pelo Santo Padre. Mas, segundo as suas palavras desejaríamos evocar os graves problemas frequentemente levantados em muitos países pelo pluralismo cultural. Certa falta de realismo impede às vezes a conciliação de dois aspectos igualmente preciosos: por um lado, a unidade nacional, o bem comum confiado aos cuidados do Estado e as riquezas de uma história comum; por outro, as culturas dos vários grupos, que devem manter-se, respeitar-se e promover-se em todos os seus elementos, em particular nos da língua, da religião e das tradições.

Os conflitos são muitas vezes graves e a conciliação difícil: mas o esforço é obrigatório, e bem o está realizando a Unesco com a sua acção benemérita em tantos caminhos, entre os quais sobressai o da identidade cultural.

6. Desejaríamos também sublinhar o valor que a Santa Sé reconhece às iniciativas da Unesco para crescente solidariedade que une os povos, favorecendo uma sã concepção do progresso, da ciência e da técnica, que possa ser fonte e força do desejado vínculo mundial.

Esta solidariedade será melhor compreendida e mais ardentemente buscada, se os homens souberem descobrir de novo e rever que pertencem a uma comum humanidade, que são fundamentalmente iguais e mais ainda, sendo crentes, que a mesma divina criação os torna irmãos. Os cristãos nunca poderão esquecer a mensagem de Cristo, que tanto pediu a unidade dos homens, centrando-a no amor recíproco que seja reflexo do amor de Deus.

7. A Unesco há muito tempo que está traduzindo este sentimento de unidade e solidariedade humana, à escala agora planetária, em projectos de salvaguarda das mais belas realizações monumentais reconhecidas como património da humanidade.

O conceito de património da humanidade tem assim unicamente uma expressão parcial, por significativa que seja. É preciso alargá-la até fazer-lhe incluir a ideia, várias vezes expressa nos documentos da Santa Sé, do destino universal de todos os bens: recursos naturais e criações do espírito humano, como são as obras de arte, mas também as descobertas científicas e técnicas.

Também aqui surge o dever do realismo, que leva à busca da conciliação entre esta exigência e a soberania das nações, sobre os próprios recursos naturais e as próprias criações colectivas ou individuais, e de modo mais completo sobre todos os bens que têm relação directa com o próprio território e, mais ainda, com o próprio ser enquanto "nação".

Eis que estamos no centro elaborador da nova ordem económica, concebida pela Unesco, como uma das colunas principais do seu programa. Oxalá a Organização contribua, pela parte que lhe compete, ao bom êxito da desejada conciliação que pressupõe é necessário ter a coragem de o dizer sacrifícios substanciais por parte de quem possui mais, em favor. de quem possui menos, e trocas justas que favoreçam verdadeiramente o bem de todos.

8. A análise atenta do vasto programa da Unesco renderia a tocar pontos demasiado numerosos sobre cuja importância ninguém poderia nunca duvidar.

São fascinadores e ao mesmo tempo dramáticos os temas da cooperação em todos os sectores da actividade do espírito, para a superação de todos os resíduos de injustas dominações, para o anulamento de discriminações infelizmente persistentes, para o impulso em favor de um judicioso abandono das armas e para o progressivo fortalecimento de uma paz verdadeira.

Importa valorizar os novos meios de comunicação, que lançam pontes de pensamento e de palavra, tornando inúteis e danosas as trincheiras de fogo. O cristianismo está fundado na "boa comunicação" de uma "Palavra" eterna: o Evangelho do Verbo de Deus.

É preciso desenvolver a rede de convenções internacionais, que reúne os povos do mundo num entendimento cada vez mais profundo. A Santa Sé pretende exercer nisto um papel de presença e de propulsão, porque sabe que a sua supernacionalidade a liberta de condicionamentos geográficos, mas que a sua missão a liga a todos os lugares onde se trabalha pela concórdia, pelo amor e pela paz.

9. Seja-me permitido terminar lembrando um pensamento de Cristo: "Chorareis e lamentar-vos-eis o mundo alegrar-se-á e vós estareis tristes; mas a vossa tristeza converter-se-á em alegria: A mulher, quando esta para dar à luz, sente tristeza, porque é chegada a sua hora; mas, depois de ter dado à luz o menino, já se não lembra da aflição, pelo prazer de ter vindo ao mundo um homem" (Jo 16, 20-21).

O mundo vive numa época de trabalhos e de penas, mas também de grandes esperanças.

Oxalá a Unesco, também com a sua 21ª Conferencia geral, contribua para a vinda de uma humanidade melhor num mundo renovado.

 

 

top