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HOMILIA DO DECANO DO SACRO COLÉGIO,
CARDEAL CARLO CONFALONIERI
EM SUFRÁGIO PELOS DEFUNTOS
SUMOS PONTÍFICES PAULO VI E JOÃO PAULO I

Basílica Vaticana
Domingo, 27 de Setembro de 1981

 

Comemoramos hoje, ao mesmo tempo, os dois últimos Papas falecidos, João Paulo I e, anteriormente, Paulo VI; aquele, arrebatado de repente à vida, apenas 33 dias depois da sua elevação ao Sumo Pontificado, o segundo conservado na nossa admirada recordação, como igualmente presente mediante um magistério ainda agora vivo e a ressoar: um e outro objecto do nosso reconhecido afecto e da nossa oração implorante pela dedicação ao alto ministério, a que a Divina Providência os tinha chamado em diversa medida.

Não esperais certamente, venerados Irmãos, uma descrição pormenorizada da vida de ambos, embora por vários títulos merecedora de consideração, e de resto a Vós bem conhecida. Mais longe no tempo, Paulo VI, que ilustrou não só Brescia, em cujas vizinhanças nasceu, mas também a mais populosa capital lombarda, Milão, onde durante não poucos anos foi Arcebispo, e sobretudo Roma e a Cidade do Vaticano, onde despendeu tanto do seu vivacíssimo talento e da sua avisada perspicácia; e, mais recentemente, João Paulo I, Patriarca de Veneza, cuja eleição ao Pontificado apenas tivemos tempo de aclamar, vendo-nos privados dele depois de poucas semanas, não sabemos, nem ousamos perguntar, por qual desígnio de Deus tão inesperado. Tem mais utilidade pensar no exemplo e no ensinamento deles, chegados até nós em diversa medida, para obtermos ulteriores e confortadores incitamentos no cumprimento exacto e generoso dos nossos deveres na esfera a cada um confiada pelo Senhor. Neste momento, além disso, o olhar da fé faz que os vejamos na luz daquelas últimas expectativas para que se volta confiadamente o cristão, embora empenhado no cumprimento dos deveres próprios de cada dia, como os que preparam e determinam a definitiva qualificação da nossa existência terrena.

É já paraíso a certeza e a posse da vida eterna, mas da vida pode-se participar e gozar em diversas medidas; daqui a justificação dos nossos sufrágios, quando, também com esta fraterna e suplicante oferta, pretendemos dilatar os confins da felicidade que Deus, na luz soberana e confundível do seu juízo, destinou proporcionalmente aos méritos de cada indivíduo, adquiridos durante os anos do caminho terreno rumo à pátria celeste.

Há de facto graus e graus no esplendor da luz de que Deus nos reveste e na glória que a acompanha. As nossas orações, orações de mortais, elevam-se assim, humildes e confiantes, ao trono de Deus na inabalável esperança de que os confins sejam cada vez mais dilatados e intensificadas as expressões daquela felicidade que as almas absorvem da união com Deus, que é o soberano dador da mesma, como também é o centro da atracção universal e transformadora.

Vemos ainda João Paulo I na sua breve aparição na varanda externa de São Pedro, na tarde sombria de 26 de Agosto de há três anos, em humilde atitude de surpresa e de expectativa: de surpresa por aquele inesperado espectáculo de uma transbordante multidão que aplaude; de expectativa, como ele invocou, de orações como ajuda, oferecida pelos filhos ao novo Chefe espiritual da catolicidade. Poucas semanas depois, com sentimentos bem diferentes, haveríamos de saudar na mesma praça de São Pedro os restos mortais do defunto, e de sufragar com devota oração, sim, mas com o espírito amargurado, a sua alma humilde e boa, passada depois de tão breve tempo para a luz lá do alto, onde está a confluência e a paz de todas as almas que aqui na terra servem o Senhor para a prometida beatificante visão ultraterrena.

Paulo VI, são ainda muitos os que o conheceram pessoalmente: permanece todavia para todos, aquele imenso tesouro de ensinamentos, que distribuía longamente meditados, às incessantes vagas de peregrinos e visitantes, "que acorriam, ansiosos e devotos, às frequentes audiências papais. O seu foi felizmente um pontificado de longa duração, acompanhado também por regiões distantes, com interesse sempre crescente, pelo poderoso influxo que exercia sobre o pensamento e sobre a atitude do mundo e não só da cristandade", orientando os espíritos para a visão nítida e determinante dos problemas, incessantemente propostos pela vertiginosa sucessão dos acontecimentos em todas as partes da terra.

Daqueles exemplos e ensinamentos fomos beneficiários sentimos o dever de agradecer a Deus, as luzes que daqueles caminhos nos vieram, confortando o nosso vário e movimentado caminho.

Se a responsabilidade da vida é totalmente nossa, e pessoal para cada um de nós, todavia as influências que a estimulam e a diferenciam exercem uma pressão que inicia na sua fisionomia e nas suas possibilidades. Entre estas influências distingue-se e tem notável importância o exemplo; quem está em cima encontra-se por isto mesmo mais exposto aos olhares e às considerações dos outros, por conseguinte mais empenhado e responsável é o seu modo de se apresentar e exprimir para corresponder mais perfeitamente ao próprio dever de favorecer os irmãos e também as expectativas de quantos vivem à nossa volta e nos observam.

O Evangelho de hoje, que à primeira vista parece estar muito longe do argumento em que nos detivemos, corrobora a prática dos nossos deveres, recordando a importância do trabalho e a disponibilidade alegre para ele. As duas atitudes dos protagonistas diferenciam-se substancialmente, seguindo um caminho oposto: um diz que sim e não faz; o outro diz que não e faz; o louvor é para o segundo. Isto até certo ponto; porque a resposta do segundo inicialmente também é desoladora, embora mais correcta na condescendência. A perfeição seria ter dito imediatamente sim, sem primeiro opor uma negação que trouxe dor ao pai de família: aparece de facto também neste segundo irmão a rebeldia do primeiro.

Muitas vezes ouvimos dizer e dizemos também nós que o trabalho é oração; quem trabalha reza. Quando o nosso trabalho é dedicado a Deus e oferecido a Deus, torna-se oração. Esta de facto é essencialmente a oração: a união com Deus ao louvá-lo e ao suplicá-lo. Se esta oferta se verifica, não com a palavra mas com a acção, conserva a sua dignidade e até a reforça e intensifica, porque é como elevarmo-nos todos nós  mesmos na exaltação e na glória de Deus. Assim transformamos e santificamos a vida que, embora permanecendo com as suas actividades específicas, se insere na vida mesma de Deus, diríamos que é divinizada.

Recordamos a este propósito a recente Encíclica do Santo Padre  João Paulo II, gratos por um documento de tão profunda doutrina e de tão larga eficácia: acolhida com reverência também pelos estratos sociais que não costumam ver com particular interesse as coisas da Igreja, tão prático e actual é o ensinamento que dela brota, claro e explícito o reconhecimento dos seus valores na civilização em que vivemos, largamente caracterizada por aplicações cada vez mais conformes às necessidades e benéficas para atingir altas metas, que o engenho humano tem em vista e às quais aspira a inexausta actividade de cada país e de cada formação social.

Directamente da sua boca teríamos ouvido com alegria mais intensa a, exaltação do trabalho, que o Santo Padre João Paulo II conhece por experiência pessoal desde os anos de juventude, também nas formas mais pesadas do exercício manual. Quanto teriam sido eficazes aquelas reevocações e excitantes aqueles ensinamentos! Mas infelizmente as consequências do insano atentado de há três meses contra a sua augusta Pessoa privam-nos de tanta luz e de tanto incitamento. Procuremos remediar, venerados irmãos, com a nossa boa vontade e ao mesmo tempo intensifiquemos as orações por que, completamente restabelecido nas forças, possa dentro em breve estar sempre no meio de nós, a guiar-nos com a palavra e com o exemplo, para um esplendor sempre maior do Santo Reino de Deus, que está no centro das nossas comuns aspirações e na base de todo o nosso trabalho humano e cristão.

 

 

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