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ABERTURA DO II CONGRESSO INTERNACIONAL
SOBRE A FAMÍLIA DAS AMÉRICAS
(ACAPULCO, 20-24 DE AGOSTO DE 1982)

DISCURSO DE D. FRANCISCO JOSÉ COX HUNEEUS,
 SECRETÁRIO DO PONTIFÍCIO CONSELHO PARA A FAMÍLIA

Acapulco, 20 de Agosto de 1982

 

Agradeço sinceramente o convite que me foi feito para usar da palavra, neste importante Congresso, na minha qualidade de Secretário do Pontifício Conselho para a Família. O objectivo da minha intervenção será precisamente ilustrar o que é o Pontifício Conselho, organismo criado por Sua Santidade João Paulo II, o qual devia ser dado a conhecer precisamente no dia 13 de Maio de 1981, dia em que ele sofreu o atentado.

É providencial poder falar-vos, neste ambiente de pessoas que estão a trabalhar com entusiasmo e competência num campo importante da pastoral da Família. Sois os que melhor podeis compreender o que Sua Santidade desejava ao constituir o Pontifício Conselho.

Uma das características mais salientes do apostolado de João Paulo II tem sido a Sua incessante e marcada insistência sobre a família. Aos Bispos latino-americanos reunidos neste maravilhoso país, em Puebla, assinalou-lhes ele como o primeiro dos campos prioritários para o futuro, a pastoral da família, dizendo-lhes que "dela ia depender em grande parte o futuro da evangelização" (Discurso de abertura, em Puebla).

Há os que criticam o Santo Padre de, ao falar tanto da família, não estar ele numa linha tão renovadora e audaz como manifesta, por exemplo, quando fala do trabalho na Encíclica Laborem Exercens. É um profundo erro. O Santo Padre insiste muito na família não para repetir pensamentos já conhecidos ou para não fazer caso do desenvolvimento do mundo contemporâneo refugiando-se numa estrutura tradicional. Muito pelo contrário!

Quem quer compreender realmente porque insiste tanto o Santo Padre na família, deve colocar-se na perspectiva que anima a palavra e a acção pastoral do Papa. Ele vê que a humanidade caminha para o ano 2000... está olhando para o futuro. Tem clara consciência de que nos coube viver uma época de mudanças radicais, provocadas pelo vertiginoso crescer do conhecimento científico e das suas aplicações no campo da técnica, que em poucos anos transformou a face da terra e as condições de vida dos homens como nunca antes acontecera na história.

Mudanças transcendentais, que, infelizmente, não foram acompanhadas por um adequado crescimento interno do homem nem no conhecimento de si mesmo nem no próprio domínio. Os valores morais e éticos não foram suficientemente sólidos para fazer que o homem use bem, para o seu verdadeiro serviço, os imensos poderes que ele mesmo foi conquistado.

Muitas vezes vimos que estes se converteram no maior inimigo do homem. O Santo Padre, na Encíclica Redemptor Hominis pode perguntar-se, com toda a razão, se tantos desses progressos externos tomaram o homem mais homem, mais pessoa, mais solidário, mais generoso, mais fraterno... afinal, mais humano e mais feliz (cf. Redemptor Hominis, 15). A resposta é, infelizmente, negativa numa grande percentagem.

O critério de valorização do progresso do homem é o que nos interessa. Com que parâmetro medimos o progresso da humanidade? Quando haverá verdadeiro progresso? Na Familiaris Consortio (n. 43), o Santo Padre faz-nos ver que estamos numa sociedade fortemente despersonalizada e despersonalizante, desumana e desumanizante, massificada e massificadora. Este é o critério de fundo: nível de humanismo. Não importa tanto o nível de riqueza, de poder, de consumir, mas o critério de ser mais homem, mais pessoa humana. Porque, afinal, a isto está ordenado qualquer outro progresso para merecer este nome.

Que imenso desafio para a Igreja é constatar que, precisamente nos países que gozam de maior desenvolvimento económico, se verificam, ao mesmo tempo, os mais inquietantes índices de desumanização. Pois, não é índice de máxima desumanização o crescimento da percentagem de suicídios em países de grande bem-estar? Não é falta do sentido humano da vida a rejeição da vida mesma, o temor de gerar filhos e a falta de temor para os matar no seio materno por meio do aborto provocado, ou de evitá-los de qualquer maneira pelo indiscriminado uso de anticoncepcionais? Não é uma falta de humanismo o pavoroso avanço da droga, causando cada dia mais vítimas entre os jovens dos países mais industrializados do mundo? Tudo isto faz notar que progresso económico não é sinónimo de progresso humano.

O Papa busca o progresso humano. O progresso do homem enquanto homem, como criatura e filho de Deus. Busca o progresso que está indissoluvelmente ligado ao progresso moral, espiritual do homem, pois no seu espírito é onde se enraízam os verdadeiros valores que tornam a vida formosa e válida. O Papa busca o que pode despertar e fortalecer aquela maravilhosa capacidade que o homem tem e constitui a sua mais profunda vocação e, ao mesmo tempo, a sua mais irresistível força para realizar o verdadeiro progresso do mundo até convertê-lo nesse lar por todos aspirado. Essa força é o amor!

No n. 17 da Familiaris Consortio o Santo Padre faz uma afirmação de capital importância: "À família é confiada a missão de guardar, revelar e comunicar o amor". E mais adiante diz que "a família possui e irradia ainda hoje energias formidáveis capazes de arrancar o homem do anonimato (Familiaris Consortio, 43). Aqui estão os pontos-chaves da visão do Santo Padre sobre a família. Considera-a como a ferramenta, a instituição, o instrumento fundamental para devolver ao homem a sua humanidade, o seu carácter propriamente humano. Por isso, a família é um instrumento de eficaz e profunda renovação social.

O Santo Padre vê também como a família nos dias de hoje está profundamente afectada por este negativo desenvolvimento moderno. Assim como "se repercutem na família os resultados mais negativos do subdesenvolvimento", como diz Puebla, também, e quem sabe se ainda mais profundamente, ameaça a família o espírito consumista, individualista, materialista, que invadiu os países mais economicamente desenvolvidos. De facto, é neles que se vê a mais profunda desintegração familiar. Ninguém duvida da profunda crise que afecta a instituição familiar cm grandes zonas do mundo.

Por isso, para que a família possa realizar a sua missão humanizadora e evangelizadora no mundo moderno, é necessário preocupar-se dela mesma que, por sua vez, se encontra ameaçada e debilitada. O instrumento de humanização e evangelização encontra-se deteriorado, incapacitado para realizar a sua função. É necessário fortalecê-lo, desenvolver-lhe as suas capacidades e virtualidades. Família, torna-te aquilo que és! Sê o que és chamada a ser!, diz o Santo Padre ao iniciar a terceira parte da Familiaris Consortio. E preciso devolver à família as razões da sua esperança, a consciência da sua missão e do seu valor.

Para isto instituiu o Santo Padre o Pontifício Conselho para a Família. Isto é, para ter um organismo pastoral que se preocupe das famílias do mundo, de fortalecê-las, ajudá-las e evangelizá-las, para que elas, por sua vez, sejam efectivamente essas células vitais e activas tanto da Igreja como da mesma sociedade. Isto, dito em termos gerais. Agora, é necessário explicá-lo em termos mais concretos e particulares.

O Pontifício Conselho para a Família é o primeiro organismo criado pelo Santo Padre no seu pontificado. Teve origem mediante um documento chamado "Motu Proprio", de 9 de Maio de 1981. Nele são descritas as funções a serem desempenhadas pelo Pontifício Conselho, que são numerosas, variadas e muito importantes. O que nos permite ver também como são difíceis. Apenas como exemplo, citarei algumas das tarefas enumeradas no n. 5 do Documento:

— ter contactos de informação e intercâmbio de experiências e orientações com todos os episcopados do mundo;

— cuidar da difusão da doutrina da Igreja sobre os problemas familiares para que seja ela conhecida e proposta ao povo cristão na catequese e no conhecimento científico;

— promover e coordenar os esforços pastorais em vista do problema da procriação responsável segundo a doutrina da Igreja;

— estimular os estudos referentes à espiritualidade matrimonial e familiar;

— incentivar, apoiar e coordenar os esforços em defesa da vida em todo o arco da sua existência a partir da sua concepção;

— promover estudos para integrar a família mediante os conhecimentos das ciências teológicas e humanas;

— preocupar-se da formação de agentes pastorais, sustentar e regular a actividade das organizações católicas internacionais familiares;

— colaborar com os Dicastérios da Cúria romana em todas as matérias relacionadas com a família; formação de sacerdotes, etc.;

— promover a síntese de documentação sobre a situação humana, social e pastoral da família em diversos países.

É impossível ilustrar todos estes aspectos em poucos minutos. Pode-se avaliar que as suas finalidades são imensas. Deter-me-ei a explicar alguns dos aspectos mais importantes.

1. O facto da existência do Pontifício Conselho. É um grande passo adiante na concepção pastoral. Muitas vezes, a pastoral achou-se excessivamente fraccionada, com associações destinadas para cada tipo de pessoas: crianças, jovens, intelectuais, operários,... mas descuidou-se da célula originária que reúne todos eles. Os tempos mudaram e é necessário voltar a ela. Assim, a família deve ser considerada em si mesma, como unidade complexa, ao mesmo tempo como objecto de apostolado e como sujeito activo. A existência na Cúria de um organismo expressamente destinado a preocupar-se pela família, deve ser considerada por todas as Dioceses e Conferências Episcopais como uma clara indicação para a sua própria estruturação. A Santa Sé fez a experiência de que não convém manter o organismo da família simplesmente como uma parte do Conselho para os leigos: não consegue desenvolver toda a sua vitalidade.

2. O carácter pastoral do Conselho Pontifício. Trata-se de um organismo chamado a servir a pastoral da família no mundo inteiro. Não é ele em primeiro lugar um organismo de estudo, nem de controle, nem de investigação ou de informação. É um organismo pastoral, isto é, que representa o Santo Padre como Pastor na sua preocupação de servir a vida das famílias. A pastoral não prescinde da doutrina, mas não se limita a ela. Não prescinde do estudo, não se limita ao estudo. A pastoral é o esforço que a Igreja faz, sob a guia do pastor, por fazer crescer a vida daqueles que lhe são confiados. Como o pastor que congrega o rebanho, o alimenta, o leva a buscar alimento bom e generoso, e água pura e abundante, o defende dos perigos e inimigos, o conduz mostrando-lhe caminhos novos e antigos para os verdes prados. E se uma ovelha se desgarra, o pastor deve deixar as 99 no redil e sair para buscá-la... até encontrá-la e, quando a encontra, cheio de júbilo põe-na nos ombros e, voltando para o redil, alegra-se com os seus amigos. Quando uma ovelha está doente, cura-a com amor especial... Assim deve ser o Conselho Pontifício para as famílias do mundo: encarnar a benéfica presença do pastor para elas, a fim de se sentirem acolhidas, defendidas, compreendidas, guiadas, alimentadas... A principal característica do carácter pastoral é o amor às famílias e o estar disposto a dar a vida por elas, assim como o pastor que conhece as suas ovelhas e elas conhecem a sua voz e seguem-no. Nós, como pastores, devemos conhecer as nossas ovelhas e os seus problemas, demonstrar-lhes que as amamos e estamos dispostos a dar vida por elas. Então elas escutarão a nossa voz e a seguirão...

3. Entre os muitos aspectos que a acção pastoral comporta está o de cada um se sentir compreendido, respeitado, valorizado no seu serviço e coordenado com os outros que trabalham pela família. A pastoral deve realizar a imagem do corpo, como a descreve São Paulo, no qual muitos membros, todos distintos, contribuem para a existência de um só corpo, com um só espírito. O campo da pastoral familiar é vastíssimo, porque a família é uma estrutura extremamente complexa em si mesma e porque, além disso, há formas muito diversas de vida familiar e de culturas em que ela existe. É necessário que existam numerosos grupos, pessoas e associações que trabalhem nos diversos campos da pastoral familiar segundo os carismas suscitados por Deus. É necessário que se trabalhe na espiritualidade familiar, na formação de grupos de famílias, nas escolas, na formação de assessores sacerdotes e religiosos, na educação das crianças, na fraternidade responsável, nos métodos naturais, na formação religiosa, moral e litúrgica das famílias, nos meios de comunicação social, na legislação civil, na projecção das famílias na vida social do país, etc. .Tudo isto, e ainda muito mais, faz parte de uma pastoral familiar orgânica, completa, profunda. Cada um deve respeitar o que é feito pelo outro. Isto vale também dentro do campo específico dos métodos naturais. Posto que neste ponto tenham surgido alguns problemas especiais, quero referir-me de modo particular a eles.

A investigação da fecundidade humana e a sua aplicação para o exercício de uma paternidade responsável, é coisa recente, nova na história. Como é nova também a grande quantidade de meios contraceptivos que em poucos anos invadiu o mundo, causando inúmeros problemas e graves consequências sobretudo de ordem moral e social especialmente na juventude. Com paciência e competência, médicos e investigadores vão descobrindo métodos para conhecer cada vez com maior facilidade e exactidão, os dias férteis e infecundos de cada mulher, proporcionando assim uma base objectiva pura praticar a abstinência sexual nos dias fecundos se se quer — por motivos fundados — distanciar um nascimento ou evitá-lo. É normal que haja diversos métodos para estabelecer os dias fecundos da mulher. O Santo Padre falou recentemente de que é em realidade "providencial", dado que existe tal diversidade de casais e de situações em que estas se encontram. É normal, também, considerar cada um o método usado, "o melhor de todos": por alguma coisa o escolheu. Mas, o que não é normal nem bom, é que surjam atritos, discussões estéreis ou inimizades entre pessoas que, afinal, estão a trabalhar pelo mesmo fim.

A Igreja apoia todos os que desejam trabalhar por tornar possível a regulação da fecundidade segundo os princípios por ela proclamados. Por isso trago aqui o caloroso e cordial apoio ao vosso trabalho, que se distinguiu por uma particular fecundidade. Peço-vos, contudo, que o vosso zelo não vos leve a considerar que esta é a única alternativa ou a única alternativa cristã. Antes, convido a tornardes-vos portadores de um amplo espírito de colaboração para que muitos possam beneficiar das vossas experiências e vós possais beneficiar com as dos outros. Assim enfrentaremos melhor esse terrível inimigo da juventude e das famílias de hoje que é a contracepção. Devemos unir e multiplicar as nossas forças. As famílias de hoje e de amanhã exigem isto de nós. Este é o trabalho do Conselho Pontifício. Espero compreendais bem com que espírito são pronunciadas estas palavras, com que afecto e responsabilidade as dirijo.

4. O Conselho Pontifício, como organismo pastoral, deve desenvolver múltiplas iniciativas de serviço, para animar, coordenar e estimular as diversas dimensões da pastoral familiar. Estamos a iniciar um trabalho. Fazemo-lo lentamente. Mas vamos progredir segundo as necessidades. A primeira iniciativa em curso é o Encontro dos Responsáveis Europeus da Pastoral Familiar, programado para fins de Novembro em Roma. Foram convidados, de cada país da Europa, um Bispo, um sacerdote, um casal e também uma religiosa. O tema geral é a "Familiaris Consortio". Temos grande esperança neste encontro. E a este seguirão outros, nos diversos Continentes. Em seguida, outros, sobre temas específicos, por exemplo: a preparação para o matrimónio, a espiritualidade conjugal, a educação dos filhos e, naturalmente, sobre a paternidade responsável e os métodos naturais. Haverá também publicações e informações para os meios de comunicação, para os Bispos, e para os organismos de pastoral familiar. Contaremos com um bom centro de documentação sobre a família e a sua pastoral. E, se Deus quiser, muitas iniciativas para servir as pessoas e grupos, de modo especial os Bispos e os movimentos, os serviços e organizações que trabalham em favor da família.

Irmãos, chegou o momento de terminar. De novo me congratulo com os organizadores e participantes deste grande Congresso. Agradeço-vos sobretudo o trabalho oculto que está por detrás da vida de cada um. Agradeço-vos, em nome do Santo Padre, o empenho em ajudar as famílias a tornar verdade a visão cristã do matrimónio e do amor. Coloco-me à vossa disposição com o Pontifício Conselho para, no que nos é possível, servir as famílias, das quais depende em grande parte o futuro da humanidade.

 

 

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