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SANTA MISSA NO SEGUNDO ANIVERSÁRIO
DO FALECIMENTO DO CARDEAL JEAN VILLOT
HOMILIA DO CARDEAL
AGOSTINO CASAROLI
Igreja da Santíssima Trindade no
Monte Píncio Segunda-feira, 9 de Março de 1981
Caros amigos
Passaram dois anos desde que o estimado Cardeal Villot nos
deixou inesperadamente. Foi também durante o retiro do Vaticano.
Teremos muito cuidado de não esquecer aquele de quem partilhámos
— refiro-me a bom número dentre nós — as preocupações pela Igreja, o trabalho e
a conversação sempre cordialíssima; aquele por quem todos nós sentimos grande
estima e, alguns mesmo, respeitosa amizade; aquele que mereceu o reconhecimento
da Santa Sé e portanto da Igreja, e particularmente de três Papas sucessivos;
aquele a quem nós mesmo devemos muito.
Há bem pouco, o seu antigo Secretário particular, Mons. Charles
Duquaire, recordava, em L'Osservatore Romano, uma quantidade de
testemunhos comovedores e admiráveis sobre as diferentes etapas da vida do
Cardeal. Bom é recordarmos tais coisas para venerar como convém a sua memória,
alimentar a nossa oração de acção de graças e de intercessão, e estimular o
nosso próprio zelo. Não convém recordá-las agora em pormenor neste momento
litúrgico.
Fixar-nos-emos pelo menos na dedicação sem igual com que o
Cardeal Villot serviu a Igreja: a sua diocese de Clermont, a Universidade
católica e a diocese de Lião, o episcopado francês, a Congregação para o Clero,
depois a Secretaria de Estado e o Conselho para os Assuntos públicos da Igreja,
sem insistirmos já no Conselho "Cor Unum", na Administração do Património da
Santa Sé, e no Papa em pessoa. Faríamos melhor dizendo que ele consagrou a tudo
isso as suas forças, até ao esgotamento. Soube encarar tais cargos múltiplos e
imensos — sei-o por experiência — com o grande sentido de responsabilidade que o
caracterizava, incluindo no desempenho deles a competência, a precisão, a
pontualidade, o sentido da organização, a lucidez sobre os verdadeiros problemas
da Igreja — de que ele não esquecia nunca o aspecto pastoral — e, ao mesmo
tempo, a simplicidade de acolhimento e a amabilidade. O Senhor dotara-o de uma
inteligência penetrante, e ele mesmo soubera cultivar o domínio próprio e a
coragem no trabalho, qualidades necessárias às suas altas funções. Mas aqueles
que de perto o conheceram adivinharam também a sua grande sensibilidade diante
das pessoas e das situações. Numa palavra, no que diz respeito aos homens, ele
atraiu sobre si profundo respeito por parte de todos.
Conheceis também a concisão e a profundidade do seu testamento.
Legou à Santa Sé tudo o que lhe pertencia e abandonou-se à misericórdia de Deus.
É segundo este movimento de abandono a Deus que se articula esta
manhã a nossa oração por ele. Os textos desta liturgia da Quaresma ajudam-nos:
"Como os olhos das servas fixos nas mãos das senhoras, assim os nossos olhos
estão fixos no Senhor, nosso Deus". Renovamos ao Senhor a oferta desta vida tão
cheia, de que apenas o Senhor conhece o valor. Não ignoramos as exigências do
Senhor, quanto àqueles em particular que ele encheu das Suas graças e de
responsabilidades na Sua Igreja; como a Moisés, Ele diz: "Sede santos, porque
Eu, o Senhor, vosso Deus, sou santo". E mais do que numa multidão de preceitos,
esta santidade tem a sua pedra-de-toque na caridade manifestada a todo o homem,
e em particular aos mais pequenos dos nossos irmãos. Quem pode pensar em
corresponder a esta caridade do Senhor? Apesar disso, é ela que servirá de norma
para o julgamento de cada um dentre nós, como nos diz o Evangelho deste dia, que
a Igreja propõe também para as Missas dos defuntos. O serviço da Igreja é
serviço dos homens, dos fiéis ou de todos os que, como eles, têm necessidade da
salvação de Cristo. A caridade, que nós exercemos neste campo, será como a porta
da entrada definitiva na vida eterna. Sim, como aquele por quem nós pedimos,
seremos julgados segundo o amor.
Embora reconhecendo cada dia a nossa indigência neste ponto,
voltamo-nos para a misericórdia de Deus. Deus é maior que o nosso coração.
Pedimos esta misericórdia de Deus para o Prelado e o Servo da Igreja, cujos
despojos mortais repousam aqui — no meio desta comunidade orante das Irmãs do
Sagrado Coração —, Prelado que foi, para nós todos, como um irmão mais velho ou
um pai.
Continuaremos a pedir por ele, esperando que tenha em partilha a
paz e a luz do Senhor. Ao mesmo tempo pedimos pela Igreja: pelo Papa João Paulo
II, que ele serviu com todo o coração como também aos seus predecessores;
pedimos também por todos aqueles que, seguindo o Cardeal, têm de servir a Santa
Sé, ou em postos importantes ou na austeridade e na minúcia de um trabalho
quotidiano na Cúria, que é sempre, num caso como no outro, uma maneira de
ajudar, de preparar ou de prolongar o serviço incansável que o Santo Padre
realiza em favor da Igreja universal.
Oxalá eles compreendam e compreendamos nós, a exemplo do Cardeal
Villot, a beleza e as exigências desta missão de administradores dos mistérios
de Deus, de administradores dos mistérios confiados à Igreja! Feliz o servo
fiel! Ele sabe também que a salvação não vem senão da bondade de Deus, como a
oração que a liturgia colocará nos nossos lábios depois da comunhão: "Faz que
sintamos a alegria de sermos plenamente salvos por este sacramento".
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