The Holy See
back up
Search
riga

HOMILIA DO CARDEAL AGOSTINO CASAROLI
 DURANTE A SANTA MISSA PARA
OS JOVENS PEREGRINOS IRLANDESES

Castel Gandolfo, 27 de Agosto de 1981

 

1. Não é difícil imaginar o sentimento de desapontamento que não podeis reprimir no fundo do vosso coração, caríssimos jovens, por à vossa peregrinação nacional — organizada para vir dizer ao Papa o vosso "obrigado" pela visita apostólica por ele feita ao vosso país e em particular à juventude irlandesa — faltar precisamente aquilo que no programa deveria ser o momento culminante: a reunião eucarística a que o Santo Padre deveria pessoalmente presidir hoje nos jardins de Castel Gandolfo, como para repetir o dia radioso de Galway, 30 de Setembro de 1979.

Ele não deixará porém que fiqueis privados da sua presença e da sua bênção no termo do Sagrado Rito, e está já espiritualmente perto de vós neste momento: para orar convosco e por vós, como vós aqui vos recolhestes a rezar por ele e a agradecer ao Senhor — depois de momentos de dramática inquietação, precisamente pela sua vida e longos meses de alternativas de temores e de esperanças pela sua saúde — a agradecer ao Senhor ter hoje finalmente ouvido as orações da Igreja e as expectativas do mundo, tornando-nos a dar o PaI, convalescente ainda mas curado.

Se o Papa estivesse agora aqui, dirigir-vos-ia a sua luminosa e quente palavra, aquela palavra de que vós ainda trazeis no coração o eco imperecível. Repetir-vos-ia, certamente, e desenvolveria tudo que vos disse em Galway e nas outras etapas da sua peregrinação à terra da Irlanda, particularmente no Phoenix Park de Dublin e em Drogheda.

Chamado, dalgum modo, a substitui-lo e a representá-lo junto de vós nesta manhã, devo eu dirigir-vos a minha palavra em sua vez: e fá-lo-ei, brevemente, com todo o afecto, que não pode deixar de alimentar um coração de sacerdote, especialmente pelos jovens, como vós.

2. Tantas vezes vos foi dito que a juventude é a primavera da vida e que os jovens são o amanhã do mundo e da Igreja, que se torna quase impossível repetir-vo-lo. Não se trata de uma coisa tão óbvia que se torna até banal?

Todavia estas frases, embora sejam continuamente reditas, nada perdem da sua profunda verdade.

Primavera da vida é a juventude, não só porque precede a maturidade do homem, camo a primavera precede o verão, o outono e o inverno da existência, mas porque — como a primavera ela os prepara e lhes prenuncia as características. O amanhã da humanidade são os jovens, não só porque a roda da vida, que a todos nos impele, os levará bem depressa a tomarem o posto das gerações maduras de hoje, mas sobretudo porque a juventude prepara, condiciona e em certa medida predetermina aquilo que será aquele amanhã: um verão e um outono estuantes de vitalidade e ricos de frutos, ou pelo contrário cansados e estéreis; um inverno sereno e alegre, na consciência do bem feito, ou pelo contrário triste e desconsolado, no vazio de uma existência inutilmente vivida,

Eis portanto para vós, caros jovens, a minha palavra de amigo e de sacerdote: Vivei a vossa juventude com alegria e com seriedade. Vivei a vossa juventude, vivei a primavera da vossa vida de um modo e com um estilo genuinamente cristãos.

3. Parece-me quase ouvir, nesta altura, uma objecção ou uma perplexidade aflorar ao vosso coração: Seriedade, sentido de responsabilidade, esforço de preparação para o amanhã concorrem, certamente, bastante bem com a concepção e o estilo cristão da vida; mas a alegria? Viver como cristão não significa porventura inspirar o próprio comportamento na palavra d'Aquele que disse: "Quem quer ser meu discípulo, tome a sua Cruz e siga-me"?

Não é verdade que houve o atrevimento de afirmar que o Cristianismo matou a alegria?

Como podem, de facto, a Cruz e a alegria caminhar ao mesmo passo? A não ser que se tenham atingido os quase inacessíveis cumes da grande santidade, atingidos os quais a Cruz é precisamente fonte de uma alegria sem par com as usuais da nossa vida.

É verdade, meus caros amigos: Todos somos chamados à santidade, embora pouquíssimos consigam, por especial graça do Senhor, subir-lhe os altos cimos. E se a alguns Deus — devemos também dizer: por singular privilégio — pede que se unam de modo particular aos sofrimentos e à Cruz de Cristo, na penitência e na mortificação, também a todos nós, a vós, o Senhor pede que o sigamos, tomando e levando a nossa Cruz.

4. Mas, em que consiste tal Cruz? Primeiro que tudo e essencialmente, no esforço necessário para procurar fugir àquilo que a terminologia cristã chama "o pecado", ou seja a desobediência à lei moral: a inscrita no coração do homem, aquela que, não sendo respeitada, o homem não é verdadeiramente homem; e aquela, superior mas sempre profundamente a corresponder com a originária dignidade do homem, que nos deu Cristo com o seu Evangelho.

Este esforço porém — embora custe sacrifícios — não mata a alegria, não a exclui: pelo contrário, prepara-a e torna-a mais plena, mais estável e segura.

A todos os cristãos, a vós — jovens — em particular, é dirigida a palavra do apóstolo: "Alegrai-vos no Senhor sempre; de novo vos digo, alegrai-vos!".

Evangelho não quer dizer precisamente "Alegre anúncio"?

Por vezes, verdade seja poderá parecer-vos que certos contemporâneos vossos, livres das protelações e dos condicionamentos que provêm de se chamarem e quererem ser realmente cristãos. Ou também simplesmente de acreditarem num Deus, Criador e juiz, e nos valores morais que a recta consciência humana propõe, dispõem de muito maiores possibilidades que vós, para viver na sua plenitude a alegria da juventude: seus preocupações de ordem ética e religiosa, sem remorsos e sem temores.

Que falsa e perigosa, quando não trágica, ilusão!

Sob a aparência de uma descuidada felicidade sem limites, esconde-se demasiadas vezes um vazio tremendo e amargo. Labaredas de desenfreada alegria cedem muitíssimas vezes o lugar às frias cinzas da desilusão e do tédio.

Trata-se de pessoas destituídas de verdadeiras e grandes esperanças, não mantidas por entusiasmantes ainda que árduos ideais, e que são levadas a procurar esquecer, na confusão do "divertimento", este vazio mortificante. O exemplo e a prova mais característica e preocupante deste fenómeno é, sem dúvida, a difusão que está tendo, em certos ambientes juvenis, o recurso à droga, àqueles que foram chamados "paraísos artificiais".

O Jovem cristão, pelo contrário, possui mais que outros — a certeza de a sua vida ter um sentido, finalidade, que a torna digna de ser vivida, mesmo nos momentos menos fáceis: esta certeza uma luz que ilumina a existência e permite gozar-lhe serenamente os instantes felizes, as puras e simples alegrias da amizade, as belezas da criação, a felicidade do amor abençoado por Deus, as alegrias da família que nasce, que vive na harmonia, que é deleitada pelo sorriso de novas vidas.

O cristão sabe que uma Providência superior vigia pelo decurso da história, mesmo pelo da história minúscula de cada homem.

Ele tem a segurança de não estar nunca só, ao afrontar os problemas, as dificuldades, de que nenhuma existência está livre: perto dele há sempre um Pai, que está nos céus mas se encontra presente, onde quer que se encontra um dos seus filhos, com um coração cheio de amor, exigente mas só por afecto, pronto sempre a compreender e a ajudar; há um Irmão, um Amigo que sabe verdadeiramente o que vem a ser a fraternidade, o que é a amizade; há uma Mãe, que entre os numerosos, belíssimos títulos seus, tem também o de "Causa da nossa alegria".

Eis porque vos diz a Igreja: Caros jovens, vivei na alegria esta estação maravilhosa da vossa vida.

O jovem tem necessidade de alegria, tem direito à alegria: e não é com certeza a vossa fé que ignora esta necessidade, que desconhece este vosso direito.

Com um grande Santo, que entendeu e amou os jovens como poucos, São Felipe Néri, dir-vos-ei: Estai alegres, diverti-vos; só não ofendais a Deus, desprezando ou transgredindo a Sua lei de amor. Não esqueçais que sois discípulos de Cristo: encontrai, pelo contrário no "alegre anúncio" que Ele trouxe ao mundo, a vós, uma fonte inexaurível de certezas, de esperanças, ele entusiasmos, de coragem e de alegria.

5. Estas certezas, estas esperanças e esta coragens sustentar-vos-ão também nas provas, nas "cruzes", que a vida não poupa a ninguém e pelas quais algumas vidas são especialmente marcadas.

A este propósito, desejaria apenas observar que — fora de um desígnio singular de Deus quanto a alguns que acima defini como privilegiados, porque escolhidos e convidados a serem participantes de maneira especialíssima da Cruz do Senhor — não se pode dizer que as provas de vida firam mais os cristãos do que os outros. Numa batalha, notava um grande escritor de meados do século XVIII e princípios do XIX, Joseph de Maistre as balas não atingem mais os justos do que os injustos.

A diferença está nisto: em que o cristão consciente sabe ver na Cruz, que Deus quer manifestar-lhe, um convite a seguir mais de perto, fielmente, o seu Mestre; ao passo que o outro procura, tão raivosa como inutilmente, sacudi-la dos ombros, tornando-a talvez mais pesada e caindo ele vítima do desconforto e do desespero.

A humanidade está há séculos travando a sua luta para vencer, ou pelo menos diminuir nas suas consequências, as causas que tantos sofrimentos lhe procuraram e procuram: doenças, fome, calamidades naturais e semelhantes. Muitas vitórias conquistou. Mas quantas estão ainda por conseguir! E luta a que o cristão deve dar o seu contributo generoso, deixando-se levar pelo alvor para com o próximo, que é o segundo grande mandamento da Sua lei.

Entretanto desejo-vos, caros jovens, que, assim como pedia Cristo para si no jardim de Getsémani, o Pai Celeste, no Seu amor, afaste o mais possível da vossa existência o cálice amargo que por vezes nos é dado a beber.

Mas mesmo quando esta oração, minha e vossa, não fosse, ou não fosse imediatamente, ouvida, mesmo então sabei não perder a vossa confiança na bondade do Pai. E sabei, neste caso, encontrar nessa confiança uma razão de alegria.

6. Outra reflexão.

Demasiadas vezes a dor, as "cruzes", não são o fruto de forças que fogem ao domínio do homem. Demasiadas vezes são precisamente o fruto da má vontade ou da falta de sabedoria e de esforço do homem.

Penso nas guerras, nas violências dos mais fortes sobre os mais fracos — indivíduos ou nações inteiras ou grupos sociais — nas injustiças, no predomínio do ódio e do egoísmo sobre o amor e sobre o espírito de fraternidade ou de solidariedade humana.

Destas situações os jovens não têm responsabilidade, embora sejam delas as primeiras vítimas. Uma tempestade devastadora parece obscurecer neles o encanto da primavera, impondo-lhes sobre os ombros pesos superiores à idade.

Eles, de facto, não podem, não devem certamente, desinteressar-se daquilo que sucede à roda deles, ainda que, por hipótese, isso não os ferisse directamente. Não podem, não devem encerrar-se no próprio egoísmo e subtrair-se ao clamor que chega até eles do mundo que os circunda, do qual fazem parte.

Meus caros jovens, o meu pensamento não pode deixar de transitar nesta altura para o momento histórico que está vivendo a vossa Ilha, o vosso povo; não posso deixar de pensar em jovens como vós, expostos a problemas dramáticos, aos quais não vos é possível, certamente, ficar estranhos.

A antiga aspiração da humanidade, que a Igreja fez própria, é a de um mundo em que reinem, finalmente, a justiça e a paz. Nesta causa todos, também vós jovens, devemos sentir-nos profundamente empenhados: especialmente quando a realidade — como demasiadas vezes ainda acontece — se encontra em estridente contraste com aquela aspiração.

É nobre luta, que merece ser combatida com generosidade, ainda que, mais do que razões de alegria, ofereça ocasiões de renúncia e exija sacrifícios.

É luta que se combate com clarividência e com espírito cristão.

Ao contrário de quem vê no ódio o motor da história, o cristão sabe que só o amor poderá dirigir, para metas de justiça e de pacífico progresso, o decurso da história humana.

Amor não é debilidade, não é cedência, sobretudo quando se trata de defender o débil do prepotente, quando se devem afirmar as exigências da justiça e do bom direito dos povos e de grupos sociais. O amor é robusto, mas não conhece o ódio e rejeita a violência como sistema.

Sede sempre, meus caros jovens, pregoeiros e realizadores deste programa.

E com esta boa vontade preparai-vos para as vossas responsabilidades de amanhã, respondendo ao insistente convite do Senhor, para serdes verdadeiramente, no ambiente em que devereis viver e actuar, "sal da terra" e "luz do mundo".

Sobre o vosso esforço desça a bênção de Deus e acompanhe-o a intercessão da Virgens Santíssima.

 

 

top