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CARTA DO SECRETÁRIO DE ESTADO
CARDEAL AGOSTINO CASAROLI,
EM NOME DO SANTO PADRE, POR OCASIÃO
DA XXXII SEMANA SOCIAL DA ESPANHA

 

Senhor Presidente

1. O Santo Padre foi informado de que vai celebrar-se proximamente na cidade de Badajoz a XXXII Semana Social da Espanha sobre o tema: "O desemprego, um desafio para a Sociedade espanhola".

Sua Santidade alegra-se com esta louvável iniciativa, que vem continuar a grande e fecunda tradição das Semanas Sociais espanholas. Por isso me encarregou de transmitir a Vossa Excelência e a todos os participantes uma palavra de saudação e encorajamento para prosseguirem no empenho de análise e aplicação às situações concretas dos ensinamentos sociais da Igreja.

2. O importante tema escolhido para a Semana adquire cada ano maiores dimensões que não podem ser ignoradas. Constatam-no os governantes, confirmam-no as situações sociais, reflectem-no a imprensa e os demais meios de comunicação social.

O Sumo Pontífice, João Paulo II, cônscio da profundidade deste problema de alcance mundial, dedicou-lhe especial atenção — na linha marcada pelos seus Predecessores — na sua recente Encíclica Laborem Exercens, pelo qual é obrigado fazer hoje particular referência ao abordar o grave fenómeno do desemprego, do qual também se ocuparam a diversos níveis os Bispos espanhóis.

Sem entrar em números concretos — dados que serão apresentados nas relações da Semana — deve-se constatar infelizmente que as cifras disponíveis situam o vosso País entre os de índice de desemprego mais elevado na Europa. E dentro da Espanha, o doloroso fenómeno adquire maiores dimensões na Estremadura — onde celebrais as vossas reuniões — e na vizinha Andaluzia.

3. A primeira coisa que podemos advertir, com o Papa João Paulo II, é que a falta de postos de trabalho é sempre "um mal", totalmente "o contrário de uma situação justa e concreta"; mas quando esse mal assume certas proporções pode converter-se numa verdadeira calamidade social" (Laborem Exercens, n. 18).

Os frutos amargos do desemprego — disseram os Bispos espanhóis na sua recente exortação colectiva sobre o tema — "são consideráveis: frustração, humilhação, depressão crescente para grande número de desempregados; e, como consequência, droga, delinquência e desesperadas situações pessoais" (Exortação colectiva de 27 de Novembro de 1981).

Outros efeitos sobre a comunidade são a multidão de pessoas ociosas, que não só diminuem as forças da economia, senão que põem em grave risco a moral colectiva, a estabilidade e a paz social; os milhares de famílias submetidas a provas e tensões perigosas; e, sobretudo, a existência dessa notável parte da juventude do País impedida de trabalhar e trazer a sua preciosa contribuição ao bem-estar geral, refreada na sua formação profissional e impossibilitada de fundar uma família própria.

A Laborem Exercens chega a dizer que, nestas condições, certos grupos sociais vivem submetidos a uma "proletarização" efectiva; mais ainda, se encontram já realmente na condição de "proletariado", embora não sejam conhecidos ainda com esse nome. Entre tais grupos se incluem certas categorias de trabalhadores mais capacitados intelectualmente "sobretudo quando, simultaneamente com um acesso cada vez mais ampliado à instrução e com o número sempre crescente das pessoas que alcançaram um diploma pela sua preparação cultural, se verifica uma diminuição de procura do trabalho dessas pessoas" (n. 8).

4. Ao traçar uma panorâmica sobre o conjunto da família humana, o Papa denuncia o facto de que, enquanto continuam não sendo utilizados muitos recursos da natureza, há grupos inteiros de desempregados ou subempregados e uma interminável multidão de famintos, o que indica algo não estar funcionando devidamente nas comunidades políticas e nas relações existentes entre elas a nível continental e mundial, no que diz respeito à organização do trabalho e do emprego (cf. ibid., 18).

A só constatação deste facto revela com evidência que na base da economia contemporânea e da organização do trabalho existe um defeito fundamental, que deriva de se ver o trabalho humano sob o ângulo de uma concepção exclusivamente económica. Isto leva a um materialismo prático que "comporta, directa ou indirectamente, a convicção do primado e da superioridade daquilo que é material, ao passo que... coloca aquilo que é espiritual e pessoal... numa posição subordinada à realidade material" (ibid., 13).

5. De acordo com a constante doutrina social da Igreja, a solução desejada só poderá ser encontrada partindo de uma premissa fundamental: a de que a economia deve estar ao serviço do homem, respeitando sempre a primazia absoluta da pessoa humana sobre as coisas (cf. Mater et magistra, parte II, estruturas conformes com a dignidade do homem).

É bem sabido, por outro lado, que o trabalho é um dever do homem, derivado da sua humanidade perfectível, da sua sociabilidade que o leva a formar uma família e a colaborar para o bem comum da sociedade.

Mas, precisamente porque o trabalho é uma obrigação, é também uma fonte de direitos, que devem ser considerados no contexto dos direitos objectivos do homem do trabalho.

6. Responsável de uma maneira especial na solução do problema do desemprego, que o Papa João Paulo II inclui em primeiro lugar dentro do conceito de "empresário indirecto", é o Estado. Este deve tender a essa solução mediante uma adequada política económica baseada nos anteriores princípios e, mais concretamente, através de um justo ordenamento trabalhista. É claro que essa política e ordenamento não podem prescindir das relações internacionais, uma vez que é praticamente impossível falar de plena auto-suficiência ou autarquia, tendo-se em conta as recíprocas dependências a que as relações entre os povos submetem hoje a vida económica de cada país.

Esse ordenamento trabalhista deve tender a um plano global que regule a utilização concreta e racional das distintas possibilidades de trabalho disponíveis; que assegure o respeito aos direitos dos trabalhadores, e, em primeiro lugar, o direito a trabalhar; que providencie a prestação de um adequado subsídio aos homens desempregados e às suas famílias (ajuda a desfrutar em condições que também impõem, por outro lado, graves deveres de honestidade); que promova a adequada utilização das inversões públicas, especialmente as que mais levam à criação de postos de trabalho, como as casas, as obras públicas ou a transformação das terras para o cultivo, e que, enfim, estabeleça uma coordenação justa e racional, em cujo quadro fique assegurada a iniciativa das pessoas, grupos livres, centros e complexos locais de trabalho, respeitando sempre o carácter subjectivo do trabalho humano (cf. Laborem Exercens, 18).

7. Contudo, o facto de que a principal responsabilidade recaia sobre o Estado, não pode interpretar-se como uma centralização unilateral das soluções em mãos dos poderes públicos. Dentro do quadro da política económica e trabalhista, as leis devem favorecer aquela "coordenação justa e racional" à qual nos referimos antes, e estimular a cooperação dos organismos sindicais e associações de empresários, assim como as iniciativas de toda a classe de instituições, públicas e particulares, incluídos os trabalhadores, os capitalistas e empresários, individualmente considerados.

"É toda a sociedade — como escrevem os Bispos espanhóis na sua recente exortação colectiva — que há-de cooperar, por meio da poupança, inversão inteligente, aceitação do risco e espírito de laboriosidade, para multiplicar os postos de trabalho. Isto supõe um formidável e tenaz esforço de solidariedade social, que só pode nascer e manter-se a partir da certeza de que a solução depende de todos e de cada um".

8. Assim como, em momentos de perigo para uma nação ou parte dela, todos os cidadãos conscientes se aprestam a fazer frente com profundo sentido de solidariedade, à custa inclusive de privações e sacrifícios, assim também, quando o problema do desemprego chega a revestir graves características, faz-se necessário o concurso e a solidariedade de todos.

E não só quando se trata de atender às exigências da justiça social. Dever-se-á chegar mais longe, por motivos de caridade e de fraternidade social; tanto para aproveitar as oportunidades de eficaz cooperação oferecidas ou favorecidas pelas mesmas leis, como — sobretudo — para criar um clima colectivo inclusive de austeridade, de autêntico respeito à dignidade dos homens desempregados, em que sc torne possível a ajuda fraterna, em favor daqueles que sofrem mais duramente os efeitos do desemprego.

Não seria por isso cristão, nem sequer humano, que, em tempos difíceis de crise económica e de grave desemprego, os que se encontram livres de tais problemas mantenham um ritmo de vida feito de ostentação, de luxo e de consumismo, pois isto constituiria uma ofensa para tantas famílias.

9. O Santo Padre conhece quanto a Igreja está sinceramente preocupada por este problema, na Espanha. Sabe que são muitas as Dioceses em que se está a desenvolver, principalmente através da Cáritas, uma campanha sistemática de acções orientadas para mitigar e — dentro do possível — combater o grave problema do desemprego.

Com este movimento de solidariedade cristã e fraterna a Igreja quer "fazer sentir a sua presença onde a exijam a degradação social do homem — sujeito do trabalho —, a exploração dos trabalhadores e as zonas crescentes de miséria e mesmo de fome" (ibid., 8).

A Igreja está vivamente comprometida nesta causa tão humana, que considera própria da sua missão de serviço e prova da sua fidelidade a Cristo, pois que Ele se personifica especialmente nos pobres. E hoje tantos deles são vítimas da praga do desemprego.

10. Senhor Presidente, ao transmitir-lhe, em nome do Santo Padre, estas reflexões, asseguro-lhe que ele terá bem presente nas suas preces esta intenção, a fim de que a XXXII Semana Social da Espanha produza todos os frutos que dela se esperam em favor da comunidade espanhola.

Com estes votos, que faço também meus, é-me grato transmitir-lhe, bem como aos responsáveis e organizadores, aos relatores e a todos os participantes nas reuniões, uma cordial Bênção Apostólica.

Aproveito a oportunidade para o saudar mui atenciosamente em Cristo.

Cidade do Vaticano, 10 de Março de 1982

 

Agostino Card. Casaroli
Secretário de Estado

 

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