The Holy See
back up
Search
riga

CARTA DO CARDEAL AGOSTINO CASAROLI,
EM NOME DO SANTO PADRE, AO ARCEBISPO DO MÉXICO,
 D. ERNESTO CORRÍPIO AJUMADA POR OCASIÃO
DO II CONGRESSO INTERNACIONAL
SOBRE A FAMÍLIA DAS AMÉRICAS
(Acapulco, 20-24 de Agosto )

 

Senhor Cardeal

Com prazer foi informado Sua Santidade que se vai celebrar em breve em Acapulco o II Congresso Internacional sobre a família das Américas, organizado pela WOOMB, tendo o propósito de estudar e meditar detidamente sobre o modo de por em prática os ensinamentos e a Exortação Apostólica Familiaris Consortio. Por esse motivo, encarregou-me o Santo Padre de transmitir aos organizadores, peritos convidados e todos os participantes, a sua saudação, a sua mensagem e afectuosa bênção.

É de notar, primeiramente, que este Encontro se realiza na América Latina, o continente da esperança, entre cujos traços humanos mais característicos sobressai o arraigado sentido da família (Puebla, 570), com os seus reconhecidos valores de amor entre os esposos, de sincera comunicação entre pais e filhos, de instintivo cuidado das crianças, de atenção quanto aos jovens, capacidade de sacrifício e ajuda interfamiliar em momentos de necessidade.

Por outro lado, estas admiráveis particularidades, que são enobrecidas por um profundo substrato cristão comum, vêem-se envolvidas por vezes nos "resultados negativos do desenvolvimento" (Puebla, 571); isto é natural que desperte grande preocupação e faça que a família da América Latina seja credora de especial solicitude pastoral, como já indicou o Papa João Paulo II no discurso inaugural da III Assembleia Plenária do Conselho Episcopal LatinoAmericano em Puebla: "Fazei todos os esforços — dizia — para que haja uma pastoral familiar. Atendei a campo tão prioritário com a certeza de que a evangelização no futuro depende em grande parte da "Igreja doméstica". É a escola do amor, do conhecimento de Deus, do respeito à vida, à dignidade do homem. Esta pastoral é tanto mais importante quanto a família é objecto de muitas ameaças. Pensai nas campanhas favoráveis ao divórcio, no uso de práticas anticonceptivas e no aborto, que destroem a sociedade".

Neste contexto, o vosso Congresso quer ser um serviço à família e à pastoral familiar. Ambos os aspectos têm vastíssimo horizonte, que se enquadra dentro da "nova cultura que está surgindo" e do "novo humanismo", de que fala a Exortação "Familiaris Consortio" (n. 8). Trata-se aqui duma cultura e dum humanismo alheios a todo o individualismo, em consonância com o ser próprio do homem "feito à imagem de Deus" e consequentemente reflexo do ser mesmo de Deus, que "no seu mistério mais íntimo não é uma solidão mas uma família", como belamente se expressou Sua Santidade na homilia feita em Puebla (Puebla, 582). Diante de tão vasto objectivo, a pastoral familiar, debaixo da guia responsável dos Bispos, consiste precisamente em despertar múltiplas iniciativas encaminhadas para fomentar o crescimento dos membros e a sua conexão entre eles dentro da grande família do Povo de Deus: o Corpo místico de Cristo, em que o amor divino se revela em toda a sua plenitude.

"A família" — lemos na "Familiaris Consortio" (n. 17) — "recebe a missão de guardar, revelar e comunicar o amor, como reflexo vivo e participação real do amor de Deus pela humanidade e do amor de Cristo Senhor pela Igreja Sua esposa". Daí que "remontar ao princípio do gesto criador de Deus seja uma necessidade para a família, se quer conhecer-se e realizar-se segundo a verdade interior do seu ser e da sua actuação histórica" (Ibid. n. 17). É certo que essa verdade, para ser entendida e aceita, há-de ser expressa com palavras e símbolos adequados à linguagem do homem moderno; mas não é menos certo que a beleza e a grandeza do amor humano são em todo o tempo uma participação, parcial ainda que não por isso menos autêntica, do amor de Deus e ao mesmo tempo como a forma normal em que o homem pode chegar a compreender a formosura e a plenitude do amor de Deus.

Assim como a Igreja defende o .homem, a sua vida, a sua dignidade e os seus direitos, defende também o amor humano, "que é a sua vocação fundamental e congénita" (Familiaris Consortio, n. 11), nas suas diversas expressões como amor conjugal, paterno e materno, como amor virginal, de amizade, amor fraterno, etc. É precisamente o amor conjugal aquele que hoje parece encontrar-se especialmente ameaçado. Ameaça-o a instabilidade e a insegurança do vínculo matrimonial, e mesmo a negação dele por parte de tantos jovens, que hoje vivem um amor desprovido da solidez e profundidade que procura o ser fiel. O amor conjugal também se vê ameaçado por separar-se arbitrariamente a íntima relação que existe entre o amor dos esposos e a transmissão da vida. Esta é dom de Deus; tem por isso mesmo uma origem, que não está só no poder do homem, e uma dignidade inviolável. Os progressos científicos modernos tornaram possível e facilitaram relações sexuais desprovidas de toda a comunicação da mesma vida. Por estas razões, advertia já o Papa a necessidade dum aprofundamento da doutrina da Igreja neste importante capítulo, "facilitando a sua compreensão...; deste modo o plano divino poderá ser realizado cada vez mais plenamente para a salvação do homem e glória do Criador" (Familiaris Consortio, 31).

Como parte constitutiva da concepção cristã do amor e particularmente do amor conjugal, é necessário acentuar a virtude da castidade, que leva a que a sexualidade se exercite no seu pleno sentido humano e cristão, segundo o querer de Deus. A educação para a castidade constitui uma "absoluta necessidade" (Familiaris Consortio, 33) para o crescimento são e pleno do amor humano. O amor entre esposos deve ser não puramente instintivo nas suas manifestações, mas humano, orientado pelos grandes ideais, e cristão, animado pelo Espírito do Senhor, compenetrado pelo amor de Cristo à Sua Igreja, do qual os esposos hão-de ser um reflexo o mais fiel possível.

A vivência plenamente humana e religiosa do amor chega à plena valorização da vida, já que no acto de gerar um filho, o homem, em íntima união com Deus Criador, está dando vida, atributo que é próprio de Deus. Por isso o Concílio Vaticano II falou de "paternidade responsável", sinónimo de atitude cristã diante da transmissão da vida, como acto consciente, livre, praticado em íntima conexão com o desígnio criador de Deus, fonte assim de profunda espiritualidade. Quanto não foi desvirtuado o termo "paternidade responsável" ao fazê-lo aparecer quase como sinónimo de não paternidade, dum "não" à vida! Por isso é necessário lutar para lhe desenvolver o verdadeiro sentido.

Para a tornar possível, o homem deve conhecer profundamente a sexualidade humana e as condições da fertilidade. Os conhecimentos científicos acerca do mundo externo e as suas leis levaram a um prodigioso progresso técnico que mudou em poucos decénios a face dó mundo. O conhecimento do homem mesmo, das profundidades do seu próprio ser e destino como ser livre e responsável, e o domínio que o homem alcançou de si mesmo e das suas capacidades, foi, não obstante, imensamente inferior. "O progresso da técnica e o desenvolvimento da civilização do nosso tempo... exigem um desenvolvimento proporcional da moral e da ética. Entretanto, este último parece, por desgraça, ter ficado atrás", escrevia o Santo Padre na Encíclica Redemptor Hominis (n. 15). O mau uso da liberdade, a incapacidade de assumir plenamente as suas responsabilidades, o enfraquecimento do sentido moral — na acepção mais ampla e profunda do termo — faz que o homem não seja dono de si mesmo nem dos descobrimentos que realiza, de maneira que estes se voltam contra ele, ameaçam-no e destroem-no como homem. Com razão pode perguntar o Santo Padre se todas essas invenções fizeram o homem mais homem, mais humano, mais aberto aos outros, mais disponível para dar ajuda a todos, especialmente aos mais necessitados (cf. Redemptor Hominis, n. 15). O conhecimento da sexualidade humana, dos seus ritmos de fecundidade, foi aumentando visivelmente nos últimos anos, graças ao trabalho paciente e competente de médicos, psicólogos, sociólogos e investigadores de diversas disciplinas.

Devemos estar profundamente agradecidos a todos os que tornaram possível este melhor conhecimento da sexualidade humana e das condições da fecundidade. E nesta altura é necessário fazer uma menção especial ao casal Billings. E devemos ainda alegrar-nos de coração, por todo o progresso neste campo. Pensando na imensidade do trabalho por realizar, o Santo Padre exorta-vos a unir as forças, a evitar críticas entre grupos que representam diversos métodos e a trocar mutuamente as vossas experiências para mais rápido e eficaz progresso em tão importante campo. A Igreja apoia todos os esforços que se façam e se inspirem nos seus grandes princípios. A sua doutrina não se identifica, todavia, com nenhum dos métodos em particular. Esse conhecimento deve ser usado para o exercício duma autêntica paternidade responsável, que implica uma relação conjugal inspirada pelo respeito e pelo amor, alimentada pelo diálogo e vivida em todos os momentos da vida quotidiana.

O vosso Encontro é uma ocasião privilegiada para trocar experiências, aprofundar os conhecimentos que em diversas partes do mundo fostes adquirindo, aperfeiçoar cada vez mais a aplicação do método que escolhestes, para assim prestar um serviço cada vez mais fecundo a este valioso trabalho em favor da pastoral da família. Os meros conhecimentos científicos não bastam para que se cumpram as finalidades que se buscam. A eles devem juntar-se as motivações éticas e a capacidade pessoal para as pôr em prática, que apenas são possíveis quando há profunda vida espiritual, alimentada pela Palavra divina e pelos Sacramentos. Deste modo, o vosso Encontro levar-vos-á a um crescimento mais profundo das fontes mesmas da espiritualidade cristã e farão destes dias um momento de graça para todos os participantes.

Não podemos concluir estas considerações sem pensar que existem, apesar de tudo, numerosas famílias que vivem situações extremamente difíceis — pensemos por exemplo em vastos sectores de aguda pobreza do terceiro mundo — em que a realização da norma moral que expressa o ideal cristão pode apresentar-se como irrealizável. Sem deixar de manter a sua validez, deverá fazer-se grande esforço pastoral para fortalecer a fé dessas pessoas, levando-as gradualmente ao conhecimento e à realização do ideal evangélico (cf. Familiaris Consortio, n. 9), na medida efectiva das suas forças. Há-de também trabalhar-se afincadamente para ir superando as condições de vida próprias do subdesenvolvimento, que tornara quase impossível um desenvolvimento cultural, humano e espiritual, como Deus quer para os Seus filhos. As normas gerais da moral hão-de aplicar-se para iluminar os casos pessoais à luz da verdade e da misericórdia, segundo o exemplo de Jesus.

É conhecido por todos vós o profundo interesse que Sua Santidade depositou na família. Desta depende o futuro da humanidade, desta depende em grande parte a evangelização no futuro. Por isso o Santo Padre está profundamente agradecido a todos os que trabalham pela família e compartilham com ela a esperança que deposita nas famílias cristãs para a renovação da sociedade e a vitalização da comunidade cristã. Neste espírito, a vós, aos cooperadores na organização do Encontro, a todos os vossos familiares e seres queridos, faz de coração que chegue a sua Bênção Apostólica, como penhor da luz e da ajuda divina.

Aproveito esta ocasião para expressar-lhe, Senhor Cardeal, os meus sentimentos de sincera e devota estima em Cristo.

Vaticano, 11 de Agosto de 1982.

 

AGOSTINO Card. CASAROLI
 Secretário de Estado

 

 

top