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CARTA DO SECRETÁRIO DE ESTADO
 AGOSTINO CASAROLI , EM NOME DO SANTO PADRE,
 À «JUVENTUDE OPERÁRIA CRISTû

 

Caros responsáveis e membros da J.O.C.I.
Caros
Jocistas do mundo inteiro

Vai fazer cem anos, a 18 de Novembro próximo, que nasceu em Schaerbeek-Bruxelas o futuro Cardeal Léon-Joseph Cardijn. A Igreja que ele serviu com tanto zelo e tanta fidelidade, o mundo operário a que se dedicou radicalmente, a Juventude Operária Cristã que fundou e animou durante vários decénios, haviam de celebrar este ilustre filho da Bélgica e este apóstolo notável dos tempos modernos. O Santo Padre felicita-vos calorosamente por terdes querido organizar as manifestações deste centenário para dele haurir novo sopro apostólico. Confiou-me o encargo de vos manifestar os seus sentimentos e os seus encorajamentos na recordação ainda recente e sempre luminosa do vosso inesquecível fundador.

Filho de pais extremamente modestos mas ricos de fé cristã, e tendo entrado para o seminário menor de Malinas após a instrução primária, pode dizer-se que desde o limiar da sua adolescência Joseph Cardijn foi marcado para a vida pelo espectáculo dos seus companheiros que se consumiam sem preparação alguma nos estaleiros e nas fábricas e conheciam ali condições de trabalho opressivas para as suas forças juvenis, às vezes humilhantes para a sua dignidade humana e geralmente prejudiciais para a sua vida religiosa. É por isto que, após cinco anos de magistério, ele chegou com entusiasmo à grande paróquia popular de Nossa Senhora de Laeken, nos arredores de Bruxelas. Todos vós sabeis que foi ali que ele começou a reunir um pequeno grupo de meninas, depois de rapazes, aos quais fez rapidamente partilhar a sua intuição, completamente nova para a época e visivelmente inspirada pelo Espírito Santo: evangelizar a juventude operária mediante jovens operários totalmente solidários com os seus companheiros de trabalho. Levado pelo seu ardor de jovem sacerdote, um dia declara-lhes: "Se tiverdes fé, iremos à conquista do mundo!". Desde 1925, o Sacerdote e os seus jovens dão vida à celebérrima J.O.C. Dos arredores de Bruxelas, o Movimento estendeu as suas primeiras raízes nos arredores de Paris, depois noutras cidades da Europa, no Canadá, na Colômbia. Em 1950, a J.O.C, estava presente em todos os continentes. Em 1957, 32.000 jovens operários, provenientes de 91 países, comprimiam-se na Praça de São Pedro, em Roma, à volta do Papa Pio XII, para manifestar a fé e a esperança cristãs que viviam e difundiam no seu ambiente de trabalho. Este acontecimento assinalava igualmente a instituição oficial da Juventude Operária Cristã Internacional.

Esta expansão rápida da J.O.C, foi sem dúvida obra do Senhor, que dirige invisivelmente a História da Salvação da humanidade, mas que suscita no tempo requerido os instrumentos providenciais. O Papa de hoje convida-vos a contemplar, com afecto filial e reconhecido, a personalidade tão rica e tão ardente daquele que permanece o "Pai" de todos os jocistas do mundo e os convida ainda à transmitir fielmente a chama de um apostolado autenticamente evangélico entre os operários.

O que se manifestava em primeiro lugar em Cardijn, é com toda a certeza a sua paixão de viver o sacerdócio, — que recebera em 1906 das mãos do Cardeal Meroier —, isto é, ser testemunha, sem compromissos, de Cristo e do sou Evangelho, ser o mediator tão transparente quanto possível do seu amor por todo o homem e de modo especial pelos mais desfavorecidos. Este sacerdote, exclusivamente sacerdote, conheceu — como todos os pioneiros — as contradições, até as críticas! A sua fidelidade à inspiração de Deus e o seu amor indefectível à Igreja foram a sua força. E a Providência concedeu-lhe apoios preciosos: o do grande Cardeal Mercier, o dos Papas, de Pio XII a Paulo VI que, em Fevereiro de 1965, o fez membro do Colégio dos Cardeais e não hesitou em declarar aos delegados da J.O.C., vindos para o consistório público, que ele considerava Joseph Cardijn como "um dos homens que mais trabalharam neste século, pela Igreja e pelas almas".

Se o fundador da J.O.C, foi durante toda a sua vida habitado por um sopro missionário excepcional, é porque soube estar atento aos sinais dos tempos. Vendo a industrialização desenvolver-se a grandes passos, as fábricas multiplicarem-se, não se contando já os jovens que para elas se precipitavam a fim de ganhar a vida, sentiu muito vivamente a urgência de uma presença cristã nestes novos e vastos campos demissão, presença que iluminaria ou voltaria a iluminar a fé cristã dentro das massas operárias, que lhes faria nascer uma solidariedade de inspiração evangélica. Esta urgência e esta convicção impeliram-no bem depressa a percorrer o mundo inteiro, a fim de encontrar no próprio lugar de trabalho os jovens, cuja diversidade de cultura e de língua — não visitou ele 79 países entre 1945 e 1967? — lhe pareceu rapidamente conter uma surpreendente unidade e uma necessária solidariedade.

O Padre Cardijn foi também um excelente pedagogo, no sentido que soube fazer tomar gosto pela leitura do Evangelho e dar aos seus jovens discípulos um método muito concreto de formação e de acção.

Quando os movimentos herdados do século XIX estavam marcados por uma preocupação de preservação dos seus membros e uma devoção às vezes demasiado separada da vida, o fundador da J.O.C, quis formar e mobilizar os jovens operários para que eles próprios fossem os apóstolos corajosos do seu ambiente. Era depositar neles extraordinária confiança e ao mesmo tempo permitir-lhes desenvolver as suas virtualidades humanas e cristãs. Desaprovando os discursos ideológicos abstractos, como realista que era, revela aos jovens o sentido e a aplicação da sua famosa trilogia "ver, julgar, agir". Se é necessário em todo o apostolado partir sempre das realidades, é também soberanamente importante projectar sobre elas as luzes da Palavra de Deus e chegar a compromissos cristãos, coerentes e exigentes no mundo do trabalho. O espírito e o método deste inovador inspiraram a criação de outros movimentos apostólicos especializados, em particular para os meios independentes e rurais.

É por isto que é justo dizer que Cardijn foi um precursor do Vaticano II, no sentido de que ele já tinha contribuído para revalorizar o sacerdócio comum dos fiéis, chamados a viver as implicações de seu baptismo e da sua confirmação, tanto pela oferta espiritual da sua vida quotidiana como pelo apostolado individual ou a pertença activa a movimentos organizados. Não é para admirar que João XXIII tenha designado o fundador da J.O.C, como perito no Concílio, durante o qual fez intervenções notáveis sobre a juventude, o mundo do trabalho, o terceiro mundo e também sobre a liberdade religiosa.

Outro traço absolutamente característico da figura do Cardeal era a sua maneira dinâmica de actualizar a doutrina social da Igreja, inspirando-se nas correntes do "catolicismo social" da sua época e nos principais documentos sociais do magistério pontifício, a começar pela Rerum novarum, mas referindo-se ainda mais à fonte fundamental: o Evangelho. Perante os numerosos e complexos problemas da sociedade contemporânea que o atormentavam, tais como a sorte dos trabalhadores nas nossas regiões de industrialização avançada, os desequilíbrios causados pelo subdesenvolvimento e a fome no mundo, as ameaças de guerra, a cooperação internacional e a construção da paz; perante estas situações extremamente complicadas e não raro muito inquietadoras, Joseph Cardijn acreditava e ensinava constantemente que só o Evangelho pode gerar no mundo operários que o recebam, uma ética verdadeira da dignidade ainda maior do trabalhador. As suas célebres palavras são bem conhecidas e sempre retomadas: "A vida de um jovem trabalhador vale mais do que todo o ouro do mundo". É também a ética evangélica que ensinará os trabalhadores a promoverem todas as causas justas dentro do respeito das pessoas e das instituições e mediante a utilização dos caminhos da negociação e de outros meios legais. Numa palavra, Cardijn anuncia o Evangelho aos seus jocistas e põe-nos em guarda contra as ideologias materialistas e ateias que monopolizaram abusivamente a luta pela justiça social privando-a de valores essenciais ao homem e à sociedade.

Não se pode comemorar a vida e a obra deste servo exemplar do Evangelho, que dedicou toda a sua vida pela salvação dos humildes e dos oprimidos, sem acentuar que ele teria sentido uma felicidade indescritível com a leitura da encíclica Laborem exercens, publicada para assinalar o 90° aniversário da Rerum novarum. Tudo o que o Santo Padre recordou nos capítulos II, III e IV teria certamente provocado os aplausos de Joseph Cardijn, dado o seu temperamento entustiasta. Em nome do Santo Padre devo salientar outra convergência extremamente importante entre o último capítulo da Laborem exercens e algumas páginas escritas outrora pelo Cardeal na revista La Cité. Conhecendo bem as ideologias materialistas contemporâneas, recordava, oportuna e importunamente, que um humanismo autêntico é impossível sem Deus. Por isso, punha tão frequentemente os jovens trabalhadores diante das próprias responsabilidades em matéria religiosa. Há quem veja precisamente neste apelo o essencial da sua herança. "As nossas responsabilidades religiosas, escreveu ele, são as nossas responsabilidades mais elevadas, as mais decisivas. Dão à nossa pessoa, à nossa vida, ao nosso trabalho o seu valor e o seu significado mais alto e mais sagrado. Fazem-nos participar cá em baixo na vida, na dignidade, na obra de Deus... Longe de estar em oposição com as nossas responsabilidades humanas, de trabalho, familiares, sociais, económicas e culturais, elas confirmam-nas e consagram-nas dando-lhes uma fonte, uma perspectiva de universalidade e de eternidade" (cf. La Cité, 2 de Abril de 1952). Esta citação e muitos outros textos semelhantes, que é impossível recordar nesta carta, mostram bem a consonância entre as convicções do criador da J.O.C, e as preocupações dos Pontífices romanos da nossa época, como Pio XI, "o Papa da Acção Católica", tão consciente e consternado por constatar a falta de comunicação entre a Igreja e o mundo-operário. Graças a uma legião de apóstolos dos trabalhadores — que podem ser chamados discípulos de Cardijn — o fosso diminuiu. O recente Concílio contribuiu igualmente para isso. Por tudo isto é necessário saber dar graças a Deus.

E dado que o centenário do fundador da J.O.C, coincide com o 25° aniversário da instituição da J.O.C.I., o Santo Padre encarregou-me igualmente de exprimir os seus votos e os seus calorosos encorajamentos a esta organização internacional. Oxalá todos vós, caros amigos, possais descobrir de novo a mensagem de Cardijn para dela haurirdes o sopro evangélico que vos ajudará sem dúvida a superar as dificuldades encontradas na sociedade em geral! Oxalá possais, como Cardijn e tantos valorosos militantes, inserir na vossa existência quotidiana um tempo de oração e de contemplação de Cristo Redentor, a fim de realizardes a vossa missão por Ele e com Ele! O Santo Padre faz ardentes votos por que a celebração do centenário do grande Cardeal dos trabalhadores estimule todos os Pastores da Igreja a fazerem tudo para que o mundo operário possa receber melhor a boa nova total do Evangelho, e que os cristãos em geral sejam cada vez mais impelidos a participar "nos novos movimentos de solidariedade dos trabalhadores e de solidariedade com os trabalhadores" (Laborem exercens, 8), a fim de construírem uma "civilização do trabalho" que seja igualmente "uma civilização do amor".

Tais são os sentimentos e os encorajamentos que o centenário do nascimento do fundador da J.O.C, inspirou ao Santo Padre. Sinto-me feliz em vo-los transmitir, acompanhando-os dos seus bons votos por um novo impulso e uma irradiação evangélica de todos os jocistas no mundo inteiro, e unindo uma particular Bênção de Sua Santidade.

Com os meus votos pessoais pelo pleno êxito do colóquio e das celebrações do Centenário, aceitai, caros amigos, a certeza da minha dedicação fiel e cordial.

 

AGOSTINO Card. CASAROLI

 

 

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