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ENCONTRO EUROPEU DOS JOVENS - SANTIAGO DE COMPOSTELA

DISCURSO DO CARDEAL ANGELO SODANO
 DURANTE A CELEBRAÇÃO
DA VIGÍLIA DE ORAÇÃO NA CATEDRAL 

 

 Saúdo-vos com o coração repleto de alegria, queridos jovens europeus que nestes dias semeastes a esperança nos caminhos que conduzem a Santiago. Em vós, a Igreja contempla o passado enriquecido com a fé de tantos peregrinos que vieram até aqui, mas também o futuro de uma Igreja europeia jovem e entusiasta, que se dispõe a ir em missão partindo do túmulo do Apóstolo, levando assim a força do Evangelho aos vossos povos de origem. A vós, digo: no ocaso do segundo milénio sois chamados a levar nos vossos corações a aurora de um tempo novo, para a Igreja e para o mundo! No termo deste milénio, Jesus deseja examinar o vosso amor, pois quer continuar a amar em vós e por vós!

No final do milénio o Pai estende os seus braços misericordiosos para que, por vossa vez, estendais os vossos para o bem de todos os jovens europeus que buscam, e às vezes não encontram, um sentido que preencha de amor e esperança as suas vidas!

1. Um olhar sobre o Caminho

Nesta noite, reunimo-nos na gloriosa Catedral para fazer o que o Papa João Paulo II, na Carta sobre o Terceiro Milénio, propôs a todos os filhos e filhas da Igreja ao convidá-los a reconhecer os próprios pecados e a pedir perdão também pelos dos outros, mas cometidos pelos nossos irmãos e irmãs na fé, cuja repara ção certamente nos compete: «Assim, quando o segundo milénio já se encaminha para o seu termo escreve o Papa é justo que a Igreja assuma com maior consciência o peso do pecado dos seus filhos, recordando todas aquelas circunstâncias em que, no arco da história, eles se afastaram do espírito de Cristo e do seu Evangelho, oferecendo ao mundo, em vez do testemunho de uma vida inspirada nos valores da fé, o espectáculo de modos de pensar e agir que eram verdadeiras formas de anti-testemunho e de escândalo (...). Reconhecer as cedências de ontem é acto de lealdade e coragem que ajuda a reforçar a nossa fé, tornando-nos atentos e prontos para enfrentar as tentações e as dificuldades de hoje» (Tertio millennio adveniente, 33).

A Europa tem na sua história um manancial de graça. É como uma grande mina da qual se pode extrair a pedra mais preciosa, para continuar a construir a Igreja e o Continente de amanhã. Ela tem uma esplêndida história de santidade, tanto nos países do Leste como do Ocidente, que marcou de maneira indelével a vida da Igreja no mundo.

A Europa conta com gestas heróicas que foram portadoras do Evangelho até às terras longínquas, graças ao zelo admirável de pastores, religiosos e leigos convencidos de que a fé eclesial em Jesus Cristo era um tesouro demasiado grande para deixar de ser partilhado. Essa mesma fé foi fonte de inspiração para filósofos e teólogos, músicos e escritores, arquitectos e construtores, pintores e escultores, poetas e cientistas que por toda a Europa deixaram impressas a beleza e a sabedoria do seu testemunho e criatividade.

Sim, queridos jovens, a Europa recebeu muitas demonstrações de predilecção de Deus, nosso Pai! A Europa está marcada pela cruz do Salvador que sobressai no alto das suas Catedrais e templos, e preside às cruzes de caminho dos seus povoados e aldeias! Por isso, no final deste milénio, a Europa toda tem uma dívida de gratidão que, se for expressa com sinceridade, se deve transformar numa renovada e responsável adesão a Jesus Cristo e ao seu Evangelho salvador.

2. Os desvios no itinerário

Contudo, queridos jovens, também é necessário que no seio da comunidade crente reconheçamos, como o filho menor da parábola, que muitas vezes foi abandonada a referência à Casa paterna. Infelizmente, às vezes a Europa não foi fiel à sua vocação cristã. Deixou-se enganar, como o filho pródigo, pelas ilusões do egoísmo, do hedonismo e da soberba. A Europa foi vencida por nacionalismos estreitos que custaram a vida a milhões de jovens e de adultos neste milénio. E foi também berço de rupturas eclesiais, guerras e perseguições, intolerâncias e purificação étnica, cujos ecos mortíferos ainda não se conseguem apagar. Fiel reflexo do oscilante coração humano, a Europa demonstrou que é capaz do melhor e do pior. Soube multiplicar os talentos recebidos, mas também malbaratar muitos deles. Assim, os mesmos povos que deram exemplo de coragem e de esforço na reconstrução empreendida depois da última guerra mundial, nos últimos anos confundiram o desenvolvimento com a acumulação de riqueza e postergaram os valores humanos e cristãos, dando prioridade à comodidade, ao hedonismo e às ganâncias materiais.

Diante disto, esta é a hora de construir uma nova Europa que, fiel às suas tradições, ao seu rico património espiritual, seja «farol de civilização e estímulo de progresso para o mundo», como nos dizia o Santo Padre na mensagem que há pouco escutámos.

3. Uma parábola sempre actual

Nesta celebração estamos a meditar o texto da parábola do filho pródigo ou, como alguns a chamam, do pai misericordioso. O texto de São Lucas começa dizendo que «se aproximaram de Jesus os publicanos e pecadores para O escutar» (15, 1), indicando desta maneira os que buscavam uma aproximação profunda com Ele, esperança para a sua condição de desorientação ou extravio. A eles, como a nós nesta vigília, Jesus quer mostrar, mais uma vez, a misericórdia ilimitada de Deus, que provém de um amor infinito porque é eterno e incomensurável, assim como apresentar- nos a possibilidade real para todo o homem de refazer o caminho, de retroceder da desventura e experimentar de novo o abraço amoroso do Pai.

No texto evangélico fala-se de um pai que tinha dois filhos, sua verdadeira riqueza, do mesmo modo que para os filhos seu pai era o maior bem. Um deles quis receber do pai o que lhe competia e o pai, respeitando a sua liberdade, entregou-lho, embora soubesse que desse modo se afastaria dele. Triste foi o destino deste filho a quem, longe da casa paterna, a tragédia da vida ensinou que o afastamento não satisfez os seus desejos nem realizou os seus sonhos. Encontrou- se só e a solidão degradou-o e oprimiu-o. Mas, mesmo assim, disse a si mesmo: «Levantar-meei, irei ter com meu pai e dir-lhe-ei: Pai, pequei contra o Céu e contra ti» (Lc 15, 18). Esta atitude do filho obtém do pai o perdão, o qual faz festa para o receber de novo na sua casa.

Esta parábola é o paradigma do amor de Deus, rico em misericórdia porque é rico de amor, de um amor que embora seja justo, vai mais além para salvar a pessoa humana. Os dois filhos, com as suas características pessoais, representam as duas categorias de ouvintes de Jesus naquele tempo e definem bem duas classes de pessoas em que desde sempre se divide a humanidade: os que se reconhecem pecadores e os que pensam que são justos. Ambos necessitam da misericórdia de Deus, mas enquanto os primeiros são conscientes e sabem que dela precisam, os segundos não a esperam porque não pensam que lhes seja necessária.

Esta passagem evangélica, que guia a nossa reflexão nesta noite, mostra-nos Jesus revelando o Pai que ama os seus filhos, e por isso está dominado pelo amor que nunca é debilidade, pela força que se converte em ternura, pela paciência que sabe esperar o momento oportuno, pela iniciativa divina que oferece os meios para suscitar a conversão.

4. Uma hora de graça

Bem-vindos aqui, a esta santa igreja de São Tiago para receber o perdão necessário a fim de continuardes a vossa peregrinação neste Continente tão amado.

Bem-vindo tu, filho menor, que certo da misericórdia do Pai, não temes abrir de par em par as tuas portas a Cristo! Não importa quão grave tenha sido o pecado cometido se, honestamente arrependido, movido pela graça divina, regressares à Casa paterna. A túnica, o anel e a festa do retorno serão fonte de alegria para muitos, a começar por vós mesmos.

Que participe também na festa o irmão maior, esse que permaneceu obrigatoriamente fiel e todos aqueles que resistem à graça do perdão. O Pai tem na sua Casa um lugar preparado para todos (cf. Jo 14, 2-4): não podemos deixá-lo à espera, desprezando o seu abraço acolhedor e o ósculo da paz.

Que se convertam os que se deixaram arrastar pelas suas paixões ilusórias, os que se esqueceram da sua identidade de cristãos, os que ainda acreditam nas guerras e na violência fratricida e entrem assim na festa do perdão! Sejam cumulados de alegria os povos que ainda continuam a chorar as vítimas do horror! Que se dêem o beijo da paz as nações antagónicas e as facções em luta! Assim renascerá a Europa cristã, a Europa autêntica, a Europa solidária e amiga de todos.

No ano do retorno à Casa do Pai, a Igreja dá graças a Deus por vós, queridos jovens: por esta juventude que crê, que ama e espera. Vós sois os herdeiros da fé dos vossos antepassados e sereis os progenitores de um futuro de esperança. Representais o melhor desta Europa tão amada que, depois de ter malbaratado a herança, sabe que não há melhor vida que aquela que se recebe das mãos do Pai. Por isso, acorrestes a esta festa de reconciliação.

O Grande Jubileu da Encarnação, que já está às portas, é o acontecimento propício para abrandar o coração endurecido, para curar as feridas ainda abertas, para consolar os tristes e voltar a acender neles a luz da esperança. Em torno da Encarnação do Filho de Deus na humildade e fragilidade da nossa humanidade, ninguém tem nada a temer e todos têm muito a ganhar. Ele é o ponto de convergência da humanidade «Eu sou o alfa e o ómega», diz Jesus e junto d'Ele cada pessoa e cada povo pode depositar as suas fadigas e lutas e receber o «jugo suave» do seu amor (cf. Mt 11, 30).

5. Os frutos do Encontro

Jovens peregrinos do Continente europeu: se estes dias do Encontro Europeu vos renovaram, permiti que muitos outros recebam a luz nova que levais nas vossas mãos. Essa luz que acendestes no dia da caridade e confirmastes no dia da fraternidade. A luz que brilhou de forma incandescente no dia da Santa Transfiguração e resplandece aqui esta noite.

Ao regressardes às vossas cidades, levai a saudação de paz do Santo Padre a cada pessoa que encontrardes pelo caminho, assim como a cada um dos vossos lares, paróquias e cidades. Tende especial consideração para com os pobres, os desalojados ou os emigrantes: que em vós eles encontrem o Bom Samaritano, disposto a deixar seguranças e comodidades egoístas e a preparar-lhes um lugar na estalagem. Testemunhai com a vossa fé e as vossas obras que não há maior alegria do que viver unidos a Cristo, nem maior privilégio do que servir o próximo. Possam os outros descobrir na pureza e alegria dos vossos rostos juvenis a beleza do seguimento de Cristo. Fazei- o com a renovada consciência de que pertenceis a uma grande família eclesial, sem particularismos nem divisões.

6. Ao serviço de Cristo

Sei que aqui há muitos jovens seminaristas, jovens noviços e noviças, religiosos e religiosas, assim como muitos que neste período discernem a sua vocação. Digo-vos que não ponhais resistência à chamada a entregar totalmente a vossa vida ao Senhor e à Igreja, se vos for solicitado. A Igreja vo-lo pede para o vosso bem, a plenitude das vossas vidas e a alegria indescritível que significa uma vida dedicada ao serviço do Senhor. Mas a Igreja também vo-lo pede para o bem dos outros. Há muitos, inúmeros também na Europa que estão privados do Pão da Palavra e do Pão da Eucaristia, que não recebem o Unguento do Consolo e o Alento do Perdão, que desejam a Água que purifica e a Água que dá Vida...

Queridos Jovens europeus: sede «peregrinos da Vida », da Vida do Ressuscitado, da Vida Eterna! E recordai sempre que não estais sozinhos na vossa peregrinação. Fortalece-vos o Espírito de Deus e protege-vos a intercessão de Maria Santíssima. E também vos abençoa o Papa, a quem tanto amais.

A intrepidez do Apóstolo São Tiago, zeloso do Senhor e ardoroso servidor dos pobres, vos inspire e acompanhe, agora e sempre. Assim seja.

 

 

 

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