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INTERVENÇÃO DA SANTA SÉ
 NUMA SESSÃO ESPECIAL DA O.N.U. 
SOBRE O DESENVOLVIMENTO SOCIAL 

Genebra, 30 de junho de 2000

 

Senhor Presidente 

O Encontro de Copenhaga sobre o desenvolvimento social sobressai entre os recentes encontros e conferências mundiais, porque abordou as solicitudes da pessoa humana de maneira global, em vez de salientar os aspectos pastorais específicos do processo de desenvolvimento. Assim, os documentos do encontro contribuíram para pôr em evidência importantes objectivos e metas para a comunidade das nações.

1. Uma visão integral

O Encontro de Copenhaga abarcou «uma visão política, económica, ética e espiritual, tendo em vista o desenvolvimento social » (n. 25). Isto reflecte aquilo a que tradicionalmente os documentos da Santa Sé chamam «desenvolvimento humano integral », uma abordagem do desenvolvimento que contempla a pessoa na sua integridade e, ao mesmo tempo, trata das necessidades da inteira família humana.

Esta visão levou o encontro a fazer uma observação, acerca do aspecto multidimensional da pobreza no mundo contemporâneo. Um fenômeno multidimensional só pode ser abordado mediante uma resposta multidimensional. Efetivamente, nos cinco anos desde o encontro de Copenhaga, aprendemos ainda mais claramente que não existe uma única resposta aos desafios apresentados pela pobreza e pela marginalização: não há uma única ideologia, um só modelo económico que contenha uma resposta totalmente adequada. Nenhum sector da sociedade pode, por si só; abordar de maneira satisfatória esta problemática. Nos cinco anos que se passaram desde o encontro de Copenhaga, compreendemos que nenhuma nação ou  bloco económico pode operar resolver questões que adquiriram uma dimensão planetária. Deve-se criar uma comunidade verdadeiramente internacional, na qual cada sector e cada nação assumam o seu papel e responsabilidade apropriados, dentro do contexto de solidariedade e de respeito pelos direitos e pela dignidade de cada pessoa individualmente:

2. Uma resposta compreensiva

O compromisso 1 (h) da Declaração de Copenhaga ressaltou a importância de mercados dinámicos, abertos e livres, como meios para ajudar as pessoas a alcançarem o desenvolvimento social. Contudo, o mesmo parágrafo também observa o importante papel dos governos na intervenção - segundo as necessidades - em vista de promover a estabilidade, de assegurar as justas concorrência e atitude ética, bem como de harmonizar o desenvolvimento económico e social. Ele também salientou a necessidade de tornar as pessoas que vivem na pobreza, capazes de participarem plena e produtivamente na economia e na sociedade em geral.

Na sua Encíclica Centesimus annus, o Papa João Paulo II pôs em evidência a importância do livre mercado, como «o instrumento mais eficaz para dinamizar os recursos e corresponder efectivamente às necessidades ». Da mesma forma, também observou imediatamente que «existem numerosas carências humanas sem acesso ao mercado e que «é estrito dever de justiça e de verdade impedir que as necessidades fundamentais permaneçam insatisfeitas» (n. 34).

Nos anos passados foi confirmada a necessidade de uma abordagem integral ou compreensiva do desenvolvimento social. Houve uma renovação do sentido da importância do crescimento económico: e do mercado em geral. Contudo; manifesta-se uma aumentada compreensão das políticas e dos investimentos sociais mais susceptíveis de gerarem uma combinação sustentável entre o crescimento económico e o progresso social. O progresso deve integrar-se com a ordem económica e os valores humanos, a fim de se tornar um «crescimento qualitativo», ou seja, um desenvolvimento com equidade, estabilidade e sustentabilidade ecológica. O crescimento económico, particularmente no contexto duma economia assente na ciência, não pode ser separado do investimento em benefício do povo, das capacidades criativas e inovativas da pessoa humana; do recurso primordial de toda a economia e de qualquer sociedade.

O crescimento económico promoverá o desenvolvimento social sobretudo se se dispuser num contento não só de estruturas governamentais eficazes; mas também de administração pública ao serviço da comunidade e de infra-estruturas que facilitem a contribuição dos cidadãos e do setor privado, com uma orientação centrada no aspecto social. O desenvolvimento social floresce nas sociedades participativas e democráticas, nas quais se promovem os direitos humanos e os cidadãos podem tornar-se os verdadeiros protagonistas das decisões que dizem respeito à sua própria vida.

3. Os compromissos devem ser assumidos

Juntamente com o nascimento de novos modelos de promoção do desenvolvimeno económico e social, ao longo dos últimos cinco anos registou-se um elevado número de desenvolvimentos. inquietadores.

O primeiro é a incapaciade da comunidade das nações garantir os meios necessários - tanto financeiros como em termos de vontade política - para atingir determinadas finalidades e objectivos solenemente proclamados e reconhecidos como alcançáveis e desejáveis. Isto diz respeito aos compromissos assumidos em Copenhaga, bem como a muitos daqueles que estão relacionados com as actuais iniciativas que visam a redução da dívida. Uma condição prévia da verdadeira comunidade das nações é de que as promessas sejam cumpridas tanto pelos poderosos como pelos mais frágeis. Mais do que nunca na história humana, temos necessidade de uma ordem internacional em que as relações entre os Estados se fundamentem no cumprimento da lei e no respeito pelas normas e compromissos internacionalmente decididos e estejam assentes na confiança e na solidariedade. Todos os Estados, ricos ou pobres, hão-de ter acesso equitativo ao processo decisório do mundo globalizado.

O facto de as nações não assumirem os seus compromissos, proclamados de forma solene, debilita a confiança dos cidadãos do mundo nas normas e intrumentos internacionais, precisamente no momento em que a sau importância para a cooperação mundial pacífica cresce dia após dia.

Num mundo em que os recursos para o desenvolvimento são limitados, devemos examinar as formas de recorrer em máxima medida ao organismo da ODA, abordando a redução da dívida e o investimento privado, sem contudo excluir o exame de formas inovadoras de geração de recursos apropriados à nova estrutura financeira internacional. Os países mais pobres devem ter um acesso justo e aberto aos mercados dos dos países desenvolvidos de maneira particular no que concerne aos produtos em relação aos quais gozam de alguma vantagem.

4. A cultura da solidariedade

Nos últimos anos, vivemos numa era de crescimento científico sem precedentes, que deu origem a largos benefícios para a humanidade, mas na qual ainda não encontramos a ciência da partilha proporcional, da garantia de que as vantagens do progresso se tornem equitativamente disponíveis a todos os cidadãos do mundo. Hoje, ainda temos a oportunidade de lançar a base para um acesso equitativo a longo termo, por parte dos países mais pobres, ao conhecimento e de forma especial ao conhecimento essencial para a sobrevivência e o desenvolvimento humanos. Contudo, devemos agir rapidamente se quisermos evitar a consolidação da divisão actual. A nossa geração será julgada pela história, talvez sobretudo no que concerne ao seguinte interrogativo: enfrentamos ou não positivamente o desafio de aplicar os extraordinários frutos do génio humano no campo da tecnologia da informação, deveras ao serviço da inteira humanidade?

A consecução desta partilha exigirá um processo de conscientização entre os cidadãos e também entre os responsáveis pelas decisões, a fim de se criar uma consciência da necessidade de uma nova cultura internacional da solidariedade. Um mundo que abandona milhões dos seus cidadãos à margem do progresso não tem o direito de reivindicar para si mesmo o título de «global». O térmo «global» deve tornar-se um sinónimo de «inclusivo»! Recorrendo às palavras do Papa João Paulo II, temos necessidade de uma «globalização com solidariedade; de uma globalização sem marginalização». De fato, não existe uma alternativa sustentável para a solidariedade. A outra opção seria num mundo fundamentado nos relacionamentos de proteccionismo, assente todavia no medo, na suspeita e na exclusão.

5. O mundo do trabalho

O encontro de Copenhaga abordou a questão do trabalho produtivo. Nas suas várias manifestações, o trabalho constitui uma dimensão essencial do ser humano. Uma vez que as pessoas representam um recurso primordial  da economia moderna, os seus direitos e a sua dignidade devem receber uma renovada.prioridade, no que diz respeito tanto ao acesso ao trabalho como à própria qualidade do lugar de trabalho. Quer o investimento no campo da educação,  quer a informação para o trabalho constituem aspectos importantes no caminho rumo a uma sociedade em que todas as pessoas possam oferecer a contribuição do próprio trabalho de modo mais .eficaz, em vista do benefício de todos.

O conceito do «trabalho decente», que actualmente está a ser promovido pelo Departamento . Internacional do Trabalho, constitui um resultado lógico da reflexão que se propôs durante o encontro de Copenhaga. Trata-se de um conceito surpreendentemente simples, que considera as aspirações basilares de milhões de homens e de mulheres e das suas famílias no mundo contemporâneo. Não obstante, infelizmente para muitos deles está bastante longe de constituir uma realidade. Com efeito, o trabalho humano poderia correr o risco de se tornar a primeira vítima de um modelo económico que deveria valorizar  as faculdades humanas. A criação de lugares de trabalho pode contribuir para a luta contra a pobreza e assim fortalecer a dignidade e a realização humanas. O facto de se garantirem condições de trabalho aceitáveis pode fortalecer a vida de muitas mulheres e homens, com importantes consequéncias sociais e económicas.

A cooperação renovada entre os governos, a comunidade comercial os representantes dos trabalhadores e o mundó da educação podem ajudar a encontear modos de resolver as piores formas de abuso nos lugares de trabalho, inclusivamente no que diz respeito ao trabalho infantil, enquanto ao mesmo tempo podem melhorar as faculdades humanas dos trabalhadores que são tão importantes para o desenvolvimento.

6. Um mundo de paz

Em muitas partes do mundo contemporâneo, as causas primordiais da pobreza estão vinculadas à guerra e aos conflitos. A guerra e os conflitos impedem todas as formas de estabilidade social e de progresso. Elas causam consequências humanas funestas em termos de mortes e de danos, até mesmo em relação às crianças e aos inocentes. O meio ambiente natural e as infraestruturas humanas básicas são prejudicados, atrasando desta forma o progresso mesmo em número de decénios. Por conseguinte, a possibilidade de atrair investimentos produtivos é eliminada.

Já não nos podemos permitir o luxo de viver com a ilusão de que as agendas sociais e de segurança a nível internacional possam ser separadas. A estabilidade de uma nação só é sustentável quando os seus cidadãos podem viver em segurança e florescer nos seus talentos recebidos de Deus. Todos nós conhecemos o preço da insegurança e do conflito. Sem dúvida, a comunidade das nações tem a possibilidade de encontrar modos de abordar com eficácia questões como a exploração económica das situações de conflito ou os gastos desproporcionalmente ingentes para a compra de armamentos. Trata-se de problemáticas que atingem as vidas e os meios de subsistência de milhões de pessoas.

A paz é um conceito precioso que, nas suas raízes bíblicas, se resume naquilo a que hoje chamaríamos desenvolvimento social. Consiste num relacionamento entre as pessoas e os povos em que elas vivem em harmonia recíproca e em sintonia com o seu próprio ambiente. Trata-se de um conceito segundo o qual cada pessoa pode fazer frutificar plenamente os próprios talentos, e os bens da criação - materiais e espirituais - hão-de ser equitativamente distribuídos.

Cinco anos depois do encontro de Copenhaga; esta nossa reunião constitui um reconhecimento de que, no início de um novo século e de um novo milénio, existem muitas pesspas que aspiram à visão de uma humanidade que viva em paz, de um mundo em que as nações; tanto ricas como pobres, possam compartilhar a riqueza que cada uma delas possui, e não somente os bens como recursos económicos, mas no seu pleno sentido humano, cultural e espiritual. Deus abençoe o nosso esforço comum!

 

 

 

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