The Holy See
back up
Search
riga

INTERVENÇÃO DE D. RENATO RAFFAELE MARTINO OBSERVADOR PERMANENTE DA SANTA SÉ NA ONU
 NUM DEBATE SOBRE A MUDANÇA CLIMÁTICA

Quarta-feira, 28 de Novembro de 2001

 

 

Senhor Presidente

No termo do século passado, a humanidade contemplou as suas realizações, conquistadas ao longo dos derradeiros cem anos, e sentiu-se justificadamente orgulhosa de tudo isto. Ela desvelou os segredos do átomo e dividiu o seu núcleo a fim de que a energia do mesmo pudesse libertar-se; descobriu que o universo está a dilatar-se, que a estutura da vida se fundamenta numa dúplice espiral do DNA, maravilhosamente simples; e o homem chegou à lua, não para conquistar, mas para aprender. Somos convidados a um momento de reflexão sobre o dom divino da inteligência humana.

Contudo, em seguida observou-se que a mesma humanidade, que compreendeu as forças da natureza, se esqueceu de uma delas:  a própria humanidade tornou-se uma força da natureza, tão poderosa, a ponto de ser potencialmente capaz de transformar o nosso mundo para os séculos futuros.

Esta força deu origem ao "efeito estufa" e agora a comunidade científica em geral concorda amplamente sobre as implicações deste fenómeno fomentado pelo próprio homem. Com efeito, "existe uma nova e mais vigorosa evidência de que a maior parte do aquecimento observado ao longo dos últimos cinquenta anos é atribuído às actividades humanas, e de que as mudanças que hão-de vir influirão sobre todos os aspectos do meio ambiente e sobre o bem-estar da sociedade, de maneira especial no que diz respeito aos pobres, às pessoas mais vulneráveis e às gerações ainda nascituras" (IPCC, "Climate Change 2001, The Scientific Basis", 2001).

Senhor Presidente

A história da humanidade foi constelada por vários tipos de revolução. A primeira revolução teve lugar há milhares de anos, no final da última era glacial, quando a humanidade recorreu à sua "inteligência" para lançar sementes [à terra] e encontrou uma fonte de alimentação mais estável e mais previsível. A segunda transformação teve início há cerca de trezentos anos, com a revolução industrial, quando se recorreu à "inteligência" para obter energia, não já dos animais ou do vento, mas do carvão e do vapor. Essa proeza da engenharia desencadeou a formação de gases de estufa na atmosfera. Mais de cem anos atrás, o químico e físico sueco Augusto Arrhenius chamou a atenção para a duplicação do gás de bióxido de carbono, que pode ter consequências  impressionantes  para  a  humanidade,  e  hoje  em  dia  este  fenómeno é reconhecido em toda as suas dimensões.

A natureza teve necessidade de cerca de um milhão de anos para produzir a quantidade de combustível fossilizado que a humanidade consome durante o espaço de apenas um ano. As actividades de 25% da população do mundo são responsáveis por quase 75% da emissão global dos gases de estufa.

O "aquecimento global", como é popularmente denominado, verifica-se de maneira gradual. Ele não conhece limites, nacionalidades nem divisões culturais. É um grande nivelador, com consequências desagradáveis.

As respostas a este fenómeno deveriam reflectir a nossa interdependência e a nossa comum responsabilidade pelo presente e pelo futuro do nosso planeta, considerando o importante papel que a virtude da prudência poderia desempenhar, no tratamento da mudança climática. A prudência é a inteligência aplicada às nossas acções, através do conhecimento e da sabedoria, e não constitui meramente uma abordagem atenta e segura das decisões mas, pelo contrário, uma base ponderada e consolidada para agir ou fomentar uma acção em ordem à obtenção do bem moral e à promoção do alcance do bem comum (Documento da Conferência Episcopal dos Bispos Católicos dos Estados Unidos da América, Global Climate Change:  A Plea for Dialogue, Prudence and the Commom Good, Junho de 2001).

Senhor Presidente

Talvez tenhamos necessidade da "terceira revolução" para podermos voltar a utilizar, uma vez mais, a nossa inteligência. O conhecimento constitui um bem público, que podemos compartilhar com os outros, sem o perder. O conhecimento ajudar-nos-á a passar de um modelo que é recurso intensivo, para outro que é conhecimento intensivo. O conhecimento é um recurso natural ilimitado.
Em vez de queimarmos o carvão e a madeira, devemos começar a fazer arder o nosso conhecimento a fim de que, finalmente, os povos do mundo representem mais do que aquilo que produzem, que a pessoa humana seja verdadeiramente o centro da nossa solicitude pelo desenvolvimento sustentável. Não nos deveríamos tornar uma civilização que conhece o preço de tudo e o valor do nada.

Senhor Presidente

Depois da sua recitação do Angelus, na véspera da Conferência do Rio de Janeiro, sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, o Papa João Paulo II compartilhou alguns pensamentos que ainda hoje, nos nossos dias, são relevantes e apropriados, enquanto nos preparamos para o Encontro mundial sobre o desenvolvimento sustentável, que terá lugar em Joanesburgo (África do Sul), no mês de Setembro do corrente ano.

Nessa ocasião, o Sumo Pontífice afirmou:  "A importante reunião internacional tem a finalidade de examinar, em profundidade, a relação entre a protecção do meio ambiente e o desenvolvimento dos povos. Trata-se de problemas que têm, na sua raiz, uma profunda dimensão ética e que envolvem, por conseguinte, a pessoa humana, centro da criação, com os direitos de liberdade que derivam da sua dignidade de imagem de Deus, e com os deveres que todos os homens têm para com as gerações futuras" (Mensagem de João Paulo II antes da recitação do "Angelus" de 31 de Maio de 1992, em:  ed. port. de L'Osservatore Romano de 7.6.1992, pág. 1).

Em seguida, o Papa acrescentou:  "Convido todos a orarem comigo, para que os altos Representantes das várias Nações do mundo... possam ser clarividentes nas suas deliberações e saibam orientar a humanidade, ao longo dos caminhos de solidariedade entre os homens e de responsabilidade, no comum empenho de protecção da terra, que Deus nos deu" (Ibidem).
Senhor Presidente

O conhecimento é o único recurso autenticamente inextinguível que garante um ambiente e um desenvolvimento sustentáveis; somente o conhecimento, acompanhado de um sentido ético do nosso relacionamento com o meio ambiente, pode ajudar a orientar os nossos esforços, tanto no presente como em relação às gerações vindouras.

Obrigado, Senhor Presidente!



top