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INTERVENÇÃO DA SANTA SÉ
NA 58ª SESSÃO DA COMISSÃO DA ONU
 SOBRE OS DIREITOS DO HOMEM

Genebra, 10 de Abril de 2002

 
Senhor Presidente

A eliminação da pobreza tornou-se uma importante dimensão de toda a política do desenvolvimento. A redução da pobreza extrema em 50% até ao ano de 2015 constitui a finalidade-chave da Declaração do Milénio, da Organização das Nações Unidas, do qual dependem os outros objectivos do desenvolvimento. A redução da pobreza é o ponto fulcral das novas estratégias de cooperação entre as Instituições financeiras internacionais e os países mais pobres, fortemente endividados.

Porém, a luta contra a pobreza é sobretudo um imperativo moral, especialmente hoje, em virtude do paradoxo escandaloso das dimensões da pobreza extrema que existe pari passu com o progresso científico e social capaz de a eliminar.

A pobreza extrema é, talvez, a mais penetrante e paralisadora forma de violação dos direitos humanos no nosso mundo. Por isso, o renovado compromisso internacional em ordem a lutar contra ela deve possuir também uma dimensão a nível dos direitos humanos. Enquanto o progresso científico e o desenvolvimento social não forem compartilhados de maneira equitativa por toda a família humana, a ética dos direitos do homem, centrada na igualdade, não produzirá a desejada equidade mundial. A ética da igualdade deve ser integrada com a ética da solidariedade. Devemos elaborar novas coligações de solidariedade, em ordem a garantir que a ética da igualdade se torne uma realidade para todos.

A primeira e mais importante contribuição de uma consideração dos direitos humanos em relação à pobreza extrema consistirá sempre em centrar a atenção na dignidade de cada pessoa e em recordar que ser forçado a viver na pobreza extrema constitui uma ofensa contra a dignidade humana.

Devemos assegurar que uma abordagem dos direitos humanos em relação à pobreza extrema se torne um princípio não apenas ético, mas inclusivamente operativo, no complexo contexto do mundo contemporâneo em vias de globalização, no interior do qual o ponto de partida dos vários países e economias é tão diferente. Neste contexto, parece muito útil seguir um caminho que realce a identificação das melhores práticas.

A Santa Sé gostaria de sublinhar alguns princípios subjacentes, que deveriam inspirar uma consideração dos direitos humanos em relação à pobreza extrema:

- Uma abordagem dos direitos humanos deve considerar sempre o indivíduo que vive na pobreza, como uma pessoa companheira de humanidade, dotada de uma dignidade, de direitos e de uma potencialidade. Uma consideração dos direitos humanos não pode satisfazer-se com políticas que tratam as pessoas que vivem na pobreza como uma espécie de ameaça, simplesmente como imigrantes potencialmente ilegais ou em busca de asilo, e muito menos como potenciais terroristas. Devemos ir ao encontro da pessoa que vive na pobreza, não tanto por medo ou motivados por políticas a curto prazo ou ainda por interesses egoístas, mas num verdadeiro espírito de solidariedade, promovendo o bem comum de toda a comunidade mundial.

- A pessoa que vive na pobreza não pode ser considerada como um objecto a ser manipulado, mas sim como um sujeito participativo. Os homens e as mulheres que vivem na pobreza demonstram que são dotados de uma grande capacidade de trabalho. Sem ela, não sobreviveriam! A atenção da intervenção internacional deveria consistir em assegurar que a maneira de ser dos indivíduos pobres pode visar não apenas a sobrevivência, mas [sobretudo] o florescimento e a sua transformação em participantes activos na sociedade, de maneira merecedora da dignidade humana, com esperança para eles e para as suas respectivas famílias. Eles devem ter o imprescindível acesso à formação, ao crédito e à protecção jurídica, necessários para alcançarem tal participação.

- Uma abordagem dos direitos humanos em relação à eliminação da pobreza há-de ter em vista as formas de discriminação e de estigmatização, das quais as pessoas que vivem na pobreza são as principais vítimas. A pobreza extrema multiplica a discriminação. A estigmatização prejudica a auto-estima das pessoas que vivem na pobreza e, desta forma, debilita a sua capacidade participativa. Uma área em que a estigmatização tem singulares efeitos negativos refere-se aos indivíduos atingidos pela hiv/sida. A consideração dos direitos humanos deverá encorajar a sociedade a abraçar as vítimas da sida como pessoas participativas, que podem oferecer a sua própria contribuição.

As dignas iniciativas actuais que estão a ser tomadas no combate internacional à pobreza como as estratégias de redução da dívida e de diminuição da pobreza; a abertura das barreiras comerciais; e o bom governo estão destinadas a permanecer meras estratégias, se não forem animadas através do investimento na pessoa e nas infra-estruturas sociais que hão-de facilitar mais o desenvolvimento humano. O bom êxito destas estratégias do desenvolvimento exige o fortalecimento das comunidades humanas de base, que constituem o tecido de uma sociedade civil activa e a garantia daquilo a que o Papa João Paulo II chama "a "subjectividade" da sociedade, mediante a criação de estruturas de participação e co-responsabilidade" (Carta Encíclica Centesimus annus, 46). Seguindo este caminho, uma abordagem dos direitos humanos em relação à pobreza extrema dará a sua especial contribuição em ordem a uma ética da igualdade e da solidariedade.

 

 

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