1° de Outubro de 2002
Senhor Presidente
A Santa Sé felicita-o pela sua eleição a Presidente, enquanto a minha Delegação lhe assegura a cooperação no seu mandato presidencial desta importante Comissão.
A partir do ano de 1959, a Assembleia Geral tem abordado anualmente o tema: "O desarmamento geral e completo". As ameaças à paz e à segurança internacionais, que o mundo contemporâneo tem que enfrentar são, sob alguns importantes pontos de vista, diferentes das ameaças de há 40 anos.
Quando nos encontrámos durante o ano passado, o horror dos ataques terroristas ocorridos em Nova Iorque e em Washington ainda estava muito vivo nas nossas mentes e o nosso propósito de pôr termo ao terrorismo era vigoroso. Enquanto os governos ainda continuam a estar profundamente preocupados com o terrorismo, o nosso papel nesta Comissão consiste em assegurar que continuem os processos de desarmamento.
A ordem imposta pelas circunstâncias da Guerra Fria já deixaram de existir, e a nossa reflexão sobre o desarmamento deve considerar as novas realidades do mundo contemporâneo. Por exemplo, quando assinaram o Tratado de Redução da Ofensiva Estratégica (24 de Maio de 2002), alguns Estados que outrora eram adversários, concordaram em reduzir o número de armas nucleares estratégicas, de 2.200 unidas e 1.700, até ao ano de 2012. Enquanto as reduções poderiam ser maiores, e considerando o facto de que o Tratado seria mais tranquilizador, se tivesse incluído o desarmamento, a transparência e a verificação efectiva irreversíveis, os acordos deveriam ser vistos como um renovado sinal de cooperação. O mundo espera e, efectivamente, tem uma séria necessidade de outros gestos análogos.
Devem renovar-se as medidas práticas no campo do desarmamento, os acordos regionais de desarmamento e, de maneira especial, as medidas que se tomam para bloquear o tráfico ilícito das chamadas armas pequenas e ligeiras. Estas iniciativas, juntamente com o fortalecimento do relacionamento entre o desarmamento e o desenvolvimento, podem ter efeitos extraordinários, melhorando as condições para a segurança dos seres humanos no mundo inteiro.
Senhor Presidente, as ameaças apresentadas pelas armas biológicas e químicas chamaram muito a atenção, em parte porque uma quantia bastante reduzida de material pode ter efeitos realmente vastos e devastadores. Todos nós pudemos testemunhar o medo e a histeria que os simples, mas mortais, vestígios de antrax podem produzir. Uma vez que estas ameaças não respeitam qualquer fronteira, os esforços multilaterais com vista à sua eliminação são absolutamente necessários. Agora, a segurança do mundo depende da medida em que os Estados se adaptarem a estas novas cicunstâncias. Trata-se de um dever de primeira importância.
Durante os próximos meses, a V Conferência de Revisão da Convenção sobre as Armas Biológicas (Biological Weapons Convention - BWC) vai voltar a reunir-se para estudar uma forma de negociar um protocolo de controle que seja vinculante do ponto de vista jurídico. A primeira sessão desta Revisão dificilmente pode definir-se como positiva.
Sem dúvida, é necessária uma renovação de tal processo, e este é o motivo pelo qual, no dia 4 de Janeiro do corrente ano de 2002, a Santa Sé decidiu aderir à Convenção sobre as Armas Biológicas. Como se quis afirmar na Declaração da Santa Sé, anexada ao instrumento de adesão à Convenção sobre as Armas Biológicas: "Os trágicos acontecimentos do dia 11 de Setembro de 2001 levaram a uma consciência mais clarividente e mais ampla da necessidade de edificar uma cultura de diálogo multilateral e um clima de confiança entre todos os membros da família humana.
Neste particular ponto da história, os instrumentos de cooperação e de prevenção constituem uma das mais eficazes salvaguardas, diante de actos hediondos como o uso das armas biológicas, capazes de atingir de maneira indiscriminada as populações civis inocentes".
Quando a Convenção sobre as Armas Biológicas, proibindo o desenvolvimento, a produção e o armazenamento das armas biológicas, foi aberta à assinatura, em 1972, constituiu a primeira convenção de controle armamentista que baniu completamente uma tipologia inteira de armamentos.
Contudo, faltavam-lhe mecanismos para a averiguação ou a verificação das responsabilidades. Em 1995, os trabalhos começaram a traçar um esboço de medidas concretas para assegurar que os países se conformassem com a Convenção. O atraso que se verificou na Revisão, durante o ano passado, há-de ser ultrapassado, uma vez que a futura proibição das armas biológicas deve ser revigorado.
Os 145 países que tomam parte na Convenção sobre as Armas Biológicas deveriam definir de comum acordo uma lista compreensiva das medidas - que talvez pudessem ser gradualmente aperfeiçoadas - que assegurasse o fortalecimento da própria Convenção sobre as Armas Biológicas, através de uma transparência mais acentuada e de maiores detenção e impedimento potenciais destas actividades proibidas. Tal abordagem dará maior confiança à Convenção sobre as Armas Biológicas.
No ano passado, duas importantes conferências - que incluíram o Tratado sobre a proibição total dos testes (CTBT) e o Tratado de não-proliferação (NPT) - foram realizadas no campo das armas nucleares. E também ali foram evidentes alguns graves sinais de discordância.
Como se afirma na Declaração da Santa Sé, anexada ao instrumento de adesão ao Tratado sobre a proibição total dos testes, de 13 de Junho de 2001: "A Santa Sé está convencida de que no campo das armas nucleares, a proibição dos testes e o ulterior desenvolvimento de tais armas, o desarmamento e a não-proliferação estão estritamente vinculados entre si e devem ser realizados quanto antes, sob os eficazes controles internacionais".
Deu-se um grande passo em frente, quando a Convenção sobre as Armas Biológicas foi aberta à assinatura, em 1996. Quando a Conferência sobre a facilitação da entrada em vigor da mesma Convenção sobre as Armas Biológicas teve lugar, em 2001, 161 Estados assinaram e 87 ratifiram o mencionado Tratado. Mas agora, parece que o impulso se bloqueou. Enquanto todas as nações e povos devem estar reconhecidos diante do facto de que uma suspensão dos testes ainda está em vigor, a resistência no sentido de alcançar o número exigido de ratificações ameaça levar à derrocada da arquitectura do regime de não proliferação, que foi construído com tanto sacrifício ao longo de muitos anos.
A segunda reunião, que foi a primeira Conferência preparatória para a Revisão da Convenção sobre as Armas Biológicas, a realizar em 2005, também revelou que o desarmamento nuclear está bloqueado. Na revisão da Convenção sobre as Armas Biológicas, feita no ano 2000, os Estados detentores de armas nucleares comprometeram-se "num esforço inequívoco com vista a efectuar a eliminação total dos seus respectivos arsenais nucleares". Adoptou-se um Programa de 13 medidas práticas, em ordem ao desarmamento nuclear sistemático e progressivo. Contudo, a esperança que tinha voltado a aumentar no ano 2000, diminuíram no corrente ano de 2002, quando se tornou evidente que os Estados detentores de armas nucleares não estão a aderir ao referido programa de 13 medidas práticas.
Tanto o Tratado de ABM, hoje abandonado, como o CTBT aderiram totalmente às 13 medidas do Programa. Como é que se justifica que um acordo de 2000 seja posto de parte apenas dois anos mais tarde? Não podemos esquecer que são necessários esforços concretos multilaterais, em ordem a alcançar o desarmamento nuclear. Por sua própria natureza, eles possuem a potencialidade para garantir as normas universais e permanentes que vinculam todos os Estados. A este propósito, o NPT permanece como a pedra angular do regime de não proliferação nuclear global, enquanto o valor do NPT depende de todas as partes que respeitam as obrigações que lhes são próprias. Ele desempenha um papel crítico nos esforços destinados a impedir a cessão das armas nucleares, especialmente aos terroristas e aos Estados que os ajudam.
Senhor Presidente, a solicitude da Santa Sé aumenta, ao ver decair o regime de não proliferação, que tem o NPT como a sua pedra angular. As antigas políticas de proibição nuclear, que prevaleceram durante o período da Guerra Fria, agora devem levar a medidas concretas de desarmamento, fundamentadas no diálogo e na negociação multilateral, que são valores essenciais no processo de desarmamento. Através dos instrumentos jurídicos internacionais, elas facilitam uma resolução pacífica das controvérsias, ajudam a fomentar a compreensão recíproca e promovem um clima de confiança, de cooperação e de respeito entre todos os Estados interessados. Desta forma, elas fomentam a afirmação efectiva da cultura da vida e da paz, que se fundamenta sobre os valores da responsabilidade, da solidariedade e do diálogo.
Nesta Comissão, a Santa Sé afirmou muitas vezes, e ainda hoje repete, o seguinte: não pode existir uma aceitação moral das doutrinas militares que promovem a subsistência das armas nucleares, porque elas são incompatíveis com a paz que, em conjunto, procuramos para o século XXI e, por isso, não podem ser justificadas. Tais armas são instrumentos de morte e de destruição.
A cooperação entre os governos, inclusivamente as organizações militares e humanitárias, bem como as outras representações da sociedade civil na implementação da Convenção sobre as minas terrestres, tem sido exemplar na promoção da confiança e da boa vontade entre todos os grupos interessados. A distância física ou ideológica entre os vários grupos interessados, ou semelhantes dificuldades que se opõem às actividades que promovem o desarmamento não devem ser um obstáculo insuperável. "Nesta época de interdependência, não é mais tolerável condenar, através da inércia, de populações inteiras a viverem no medo e na precariedade" (Intervenção da Santa Sé no IV Encontro dos Participantes na Convenção de Otava, Genebra, 19 de Setembro de 2002, n. 8).
Senhor Presidente, esta Comissão realizou um trabalho valioso ao longo de muitos anos, promovendo as normas e os padrões do desarmamento em todos os seus aspectos. Embora os ciclos da história tragam consigo tanto o progresso como o regresso, devemos ter a atenção das nossas mentes centrada no nosso propósito de reduzir as causas da guerra. Na Mensagem para o Dia Mundial da Paz do corrente ano de 2002, intitulada "Não há paz sem justiça, não há justiça sem perdão", o Papa João Paulo II expressou uma grande esperança, "fundamentada na convicção de que o malo mysterium iniquitatis, não tem a última palavra nos assuntos humanos" (n. 1).
Hoje em dia, estão a ser propostas todas as técnicas da mediação, da negociação e da verificação. Elas oferecem uma base de esperança para a humanidade. Estas são as medidas que devemos fomentar na continuação da busca da eliminação das armas de guerra.
Obrigado, Senhor Presidente!