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SANTA MISSA DE ACÇÃO DE GRAÇAS
 PELA CANONIZAÇÃO DE MADRE TERESA DE CALCUTÁ

HOMILIA DO CARDEAL PIETRO PAROLIN

Segunda-feira, 5 de setembro de 2016
Praça São Pedro

Voltamos hoje à praça de São Pedro, numerosos e cheios de alegria, para dar graças ao Senhor pelo dom da canonização de madre Teresa de Calcutá, santa Teresa de Calcutá.

Quantos motivos temos para estar profundamente gratos ao Senhor! Agradecemos-lhe o testemunho heróico de fé dos santos, com o qual Ele torna sempre fecunda a sua Igreja e nos concede, a nós seus filhos, um sinal seguro do seu amor (cf. Prefácio dos santos II).

Agradecemos-lhe, em particular, por nos ter dado santa Teresa de Calcutá que, com a sua oração incessante, manancial de grandes obras de misericórdia corporal e espiritual, foi um espelho nítido do amor de Deus e um exemplo admirável de serviço ao próximo, sobretudo às pessoas mais pobres, esquecidas e abandonadas: espelho e exemplo dos quais tirar indicações e estímulos preciosos para viver como bons discípulos do Senhor, para nos convertermos da indolência e da mediocridade, para nos deixarmos inflamar pelo amor de Cristo: «Caritas Christi urget nos», o amor de Cristo nos constrange, the love of Christ impels us (2 Cor 5, 14).

Madre Teresa gostava de se definir «um lápis nas mãos do Senhor». Mas quais poemas de caridade, compaixão, conforto e alegria soube escrever aquele pequeno lápis! Poemas de amor e de ternura para os mais pobres entre os pobres, aos quais consagrou a sua existência!

Assim define ela a clara perceção da sua «vocação na vocação», que teve em setembro de 1946, quando estava em viagem a caminho dos Exercícios espirituais: «Abri os olhos sobre o sofrimento e compreendi profundamente a essência da minha vocação [...]. Sentia que o Senhor me pedia para renunciar à vida tranquila dentro da minha congregação religiosa para ir pelas estradas servir os pobres. Era uma ordem. Não era uma sugestão, um convite ou uma proposta» (Cit. em Renzo Allegri, Madre Teresa mi ha detto, Ancora Ed., Milão 2010).

Madre Teresa «abriu os olhos sobre o sofrimento», abraçou-o com um olhar de compaixão, todo o seu ser foi interpelado e impulsionado por este encontro, que — num certo sentido — trespassou o coração, a exemplo de Jesus, que se comoveu com o sofrimento da criatura humana, incapaz de se erguer sozinha.

Não podemos deixar de ler à luz da sua vicissitude, as palavras que o Papa Francisco nos dirigiu na Bula de proclamação do Jubileu da Misericórdia, quando escreve: «Não nos deixemos cair na indiferença que humilha, na habituação que anestesia o espírito e impede de descobrir a novidade, no cinismo que destrói. Abramos os nossos olhos para ver as misérias do mundo, as feridas de tantos irmãos e irmãs privados da própria dignidade e sintamo-nos desafiados a escutar o seu grito de ajuda. As nossas mãos apertem as suas mãos e estreitemo-los a nós para que sintam o calor da nossa presença, da amizade e da fraternidade» (MV, 15).

Mas qual é o «segredo» de madre Teresa? Certamente não é um segredo, porque o acabamos de proclamar em voz alta no Evangelho: «Em verdade vos digo: tudo aquilo que fizestes a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim mesmo o fizestes» (Mt 25, 40).

Madre Teresa descobriu nos pobres o rosto de Cristo «que se fez pobre por nós para nos enriquecer com a sua pobreza» (cf. 2 Cor 8, 9) e respondeu ao seu amor incomensurável com um amor desmedido pelos pobres. «Caritas Christi urget nos», o amor de Cristo nos constrange, the love of Christ impels us (2 Cor 5, 14).

Ela pôde ser um sinal de misericórdia tão luminoso — «A misericórdia foi para ela o “sal” que dava sabor a cada uma das suas obras e a “luz” que iluminava as trevas de quantos não tinham nem sequer as lágrimas para chorar a sua pobreza e sofrimento», disse o Santo Padre na homilia de ontem — porque se deixou iluminar por Cristo, adorado, amado e louvado na Eucaristia, como ela mesma explicava: «As nossas vidas devem ser continuamente alimentadas pela Eucaristia, porque, se não fôssemos capazes de ver Cristo sob as espécies do pão, nem sequer seria possível descobri-lo sob as humildes aparências dos corpos abatidos dos pobres» (cf. Teresa de Calcutá, O amor que mata a sede, p. 16).

Além disso, ela sabia bem que uma das formas mais lancinantes de pobreza consiste em saber-se não amado, não desejado, desprezado. Uma espécie de pobreza presente também nos países e nas famílias menos pobres, até nas pessoas pertencentes a categorias que dispõem de meios e possibilidades, mas que experimentam o vazio interior de ter perdido o significado e o rumo da vida ou são gravemente atingidos pela desolação dos vínculos interrompidos, pela dureza da solidão, pela sensação de serem esquecidos por todos ou de não serem úteis para ninguém.

Isto levou-a a identificar as crianças ainda não nascidas na sua existência como «os mais pobres entre os pobres». De facto, cada uma delas depende mais do que qualquer outro ser humano, do amor e dos cuidados da mãe e da proteção da sociedade. O concebido nada possui de seu, qualquer sua esperança e necessidade está nas mãos de outros. Ele tem em si um projeto de vida e de futuro e pede para ser acolhido e protegido para que se possa tornar aquilo que já é: um de nós, que o Senhor pensou desde a eternidade para uma grande missão a cumprir, a de «amar e ser amado», como madre Teresa gostava de repetir.

Por isso, ela defendeu corajosamente a vida nascente, com aquela franqueza de palavra e linearidade de ação que é o sinal mais luminoso da presença dos profetas e dos santos, os quais não se ajoelham diante de ninguém, mas só do Omnipotente, são interiormente livres porque interiormente fortes e não se inclinam face às modas ou aos ídolos do momento, mas espelham-se na consciência iluminada do sol do Evangelho.

Nela descobrimos aquele feliz e inseparável binómio entre prática heróica da caridade e clareza na proclamação da verdade, vemos a laboriosidade constante, alimentada pela profundidade da contemplação, o mistério do bem realizado na humildade e sem desistências, fruto de um amor que «dói».

A este propósito, no célebre discurso de atribuição do prémio Nobel em Oslo, no dia 11 de dezembro de 1979, ela afirmou: «É muito importante para nós compreender que, para ser verdadeiro, o amor tem que doer. Doeu a Jesus amar-nos, doeu-lhe!». E agradecendo aos benfeitores presentes e futuros, disse: «Não quero que me deis do vosso supérfluo, desejo que me deis até que vos doa».

A meu ver, estas palavras são como um patamar; superando-o, entramos no abismo que abarcou a vida da santa, naquelas alturas e naquelas profundidades que são difíceis de explorar, porque voltam a percorrer de perto os padecimentos de Cristo, o seu dom incondicional de amor e as feridas extremamente fundas que teve de sofrer.

É a insondável densidade da Cruz, deste «doer» pelo bem realizado por amor a Deus, por causa do atrito que ele provoca em relação a todos aqueles que lhe resistem, em função dos limites das criaturas, do seu pecado e da morte que é o seu salário.

E é também — como evidenciam numerosas cartas que ela escreveu ao seu diretor espiritual — «a noite obscura da fé», na qual convivem o amor ardente ao Senhor crucificado e aos irmãos necessitados de cuidados e de pão, uma fé sólida e pura e — ao mesmo tempo — a tremenda sensação da distância de Deus e do seu silêncio. Algo semelhante ao brado de Cristo na Cruz: «Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?» (Mt 27, 46).

Outra palavra, das sete pronunciadas por Jesus durante a sua agonia na Cruz, ela quis que fosse escrita em inglês em todas as casas da sua Congregação, ao lado do Crucifixo: I thirst, tenho sede: sede de água fresca e límpida, sede de almas para consolar e redimir das suas manchas e para as tornar puras e agradáveis aos olhos de Deus, sede de Deus, da sua presença vital e luminosa. I thirst: era esta a sede que ardia em madre Teresa, sua cruz e exaltação, seu tormento e glória.

Pelo bem levado a cabo, ela recebeu nesta vida o prémio Nobel da paz e muitos outros reconhecimentos, e viu o florescimento da sua obra, sobretudo nas Congregações das Irmãs Missionárias da Caridade e dos Irmãos Missionários da Caridade, que fundou para lhe dar continuidade. Agora no Paraíso, com Maria Mãe de Deus e todos os santos, recebe a maior recompensa preparada para ela desde a fundação do mundo, o prémio reservado aos justos, aos mansos, aos humildes de coração, àqueles que, acolhendo os pobres, recebem Cristo.

Quando madre Teresa passou desta terra para o Céu, no dia 5 de setembro de 1997, durante longos minutos Calcutá ficou completamente sem luz. Nesta terra ela era um sinal transparente que indicava o Céu. No dia do seu falecimento o Céu quis oferecer um selo para a sua vida, comunicando-nos que uma nova luz tinha sido acesa acima de nós. Agora, depois do reconhecimento «oficial» da sua santidade, resplandece ainda mais viva. Que esta luz, que é a luz perene do Evangelho, continue a iluminar a nossa peregrinação terrena e as sendas deste mundo difícil!

Santa Teresa de Calcutá, intercede por nós!