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 CARTA DO CARDEAL SECRETÁRIO DE ESTADO PIETRO PAROLIN
AO PRESIDENTE DA PONTIFÍCIA ACADEMIA PARA A VIDA
 POR OCASIÃO DO CONGRESSO SOBRE OS CUIDADOS PALIATIVOS

 

 

Excelência Reverendíssima!

Em nome do Santo Padre Francisco e pessoalmente, dirijo uma cordial saudação a Vossa Excelência, aos organizadores e aos participantes no Congresso sobre os Cuidados Paliativos. Trata-se de assuntos que dizem respeito aos momentos conclusivos da nossa vida terrena e que põem o ser humano em confronto com um limite que parece insuperável para a liberdade, suscitando por vezes rebelião e angústia. Por isso, na sociedade de hoje se procuram muitas maneiras de o evitar e de o remover, deixando de ouvir a indicação inspirada do Salmo: «Ensina-nos a contar os nossos dias e adquiriremos um coração sábio» (89, 12). Privamo-nos assim da riqueza que se esconde precisamente na finitude e de uma ocasião para amadurecer uma maneira mais sensata de viver, a nível quer pessoal quer social.

Os cuidados paliativos, ao contrário, não satisfazem esta renúncia à sabedoria da finitude, e nisto se encontra mais um motivo da importância destas temáticas. Com efeito, elas indicam uma redescoberta da vocação mais profunda da medicina, que consiste antes de tudo em cuidar: a sua tarefa é cuidar sempre, mesmo se nem sempre é possível curar. Certamente a indústria médica baseia-se no compromisso incansável de adquirir novos conhecimentos e de debelar um número cada vez maior de doenças. Mas os cuidados paliativos confirmam, no âmbito da prática clínica, a consciência de que o limite requer não só ser combatido e adiado, mas também reconhecido e aceite. E isto significa não abandonar as pessoas doentes, mas ao contrário, estar ao seu lado e acompanhá-las na difícil provação que se torna presente na conclusão da vida. Quando parece que todos os recursos do “fazer” se esgotaram, precisamente então sobressai o aspeto mais importante nas relações humanas, ou seja, o “estar[ser]”: estar presente, estar próximo, ser acolhedores. Isto exige também que se partilhe a incapacidade de quem chega ao extremo da vida. Então o limite pode mudar de significado: já não lugar de separação e de solidão, mas ocasião de encontro e de comunhão. A própria morte é introduzida num horizonte simbólico em cujo interior pode sobressair não tanto como fim contra o qual a vida se embate e sucumbe, quanto, aliás, como o cumprimento de uma existência gratuitamente recebida e amorosamente partilhada.

Com efeito, a lógica dos cuidados evoca aquela dimensão de recíproca dependência do amor que certamente emerge com particular evidência nos momentos de doença e de sofrimento, sobretudo no final da vida, mas que na realidade atravessa todas as relações humanas e aliás constitui a sua característica mais específica. «A ninguém devais coisa alguma, a não ser o amor com que vos ameis uns aos outros; porque quem ama aos outros cumpriu a Lei» (Rm 13, 8): assim nos admoesta e nos conforta o Apóstolo. Parece então ser razoável construir uma ponte entre aquele cuidado que se recebeu desde o início da vida e que permitiu que ela desabrochasse em todo o arco do seu desenvolver-se, e o cuidado a prestar responsavelmente aos demais, no suceder-se das gerações até abranger a inteira família humana. Por este caminho podemos acender a centelha que relaciona a experiência da amorosa partilha da vida humana, até à sua misteriosa despedida, com o anúncio evangélico que vê todos como filhos do mesmo Pai e reconhece em cada um a sua imagem inviolável. Este vínculo precioso é fortaleza de uma dignidade, humana e teologal, que não deixa de viver, nem sequer com a perda da saúde, do papel social e do controle do próprio corpo. Então, eis que os cuidados paliativos mostram o seu valor não só pela prática médica — para que, mesmo quando age com eficácia realizando curas por vezes espetaculares, não se esqueça de que esta atitude de fundo está na base de cada relação — mas também mais em geral para toda a convivência humana.

O vosso programa destes dias põe bem em evidência a multiplicidade de dimensões que entram em questão na prática dos cuidados paliativos. Uma tarefa que mobiliza muitas competências, científicas e organizativas, relacionais e comunicativas, incluindo o acompanhamento espiritual e a oração. Além das diversas figuras profissionais, deve ser frisada a importância da família para este percurso. Ela desempenha um papel único como lugar no qual a solidariedade entre as gerações faz parte da comunicação da vida e a ajuda recíproca experimenta-se também nos momentos de sofrimento ou de doença. E precisamente por isto, nas fases finais da vida, a rede familiar, por muito frágil e desagregada que possa ser no mundo de hoje, constitui contudo um elemento fundamental. Certamente podemos aprender muito sobre este ponto das culturas nas quais a união familiar, até nos momentos de dificuldade, é tida em grande consideração.

Um argumento muito atual, para os cuidados paliativos, é o da terapia da dor. Já o Papa Pio XII tinha legitimado com clareza, distinguindo-a da eutanásia, a administração de analgésicos para aliviar dores insuportáveis que não têm outro modo de serem tratadas, mesmo quando, na fase de morte iminente, sejam causa de um encurtamento da vida (cf. Acta Apostolicae Sedis XLIX [1957], 129-147). Hoje, depois de muitos anos de pesquisa, o encurtamento da vida já não é um efeito colateral frequente, mas reapresenta-se a mesma questão com fármacos novos, que agem sobre o estado de consciência e tornam possíveis diversas formas de sedação. O critério ético não muda, mas o compromisso destes procedimentos requer sempre um discernimento atento e muita prudência. Com efeito, eles são bastante exigentes para os doentes, para os familiares e para quem dá assistência: com a sedação, sobretudo quando prolongada e profunda, é anulada aquela dimensão relacional e comunicativa que vimos ser crucial no acompanhamento dos cuidados paliativos. Por conseguinte, ela é sempre, pelo menos em parte, insuficiente, motivo pelo qual deve ser considerada como remédio extremo, depois de ter examinado e esclarecido com atenção as indicações.

A complexidade e a delicadeza dos temas presentes nos cuidados paliativos pedem para continuar a reflexão e difundir a sua prática a fim de facilitar o acesso: uma tarefa na qual os crentes podem encontrar companheiros de caminho em muitas pessoas de boa vontade. E é significativo que nesta perspetiva estejam presentes no vosso encontro representantes de diversas religiões e culturas num esforço de aprofundamento e num compromisso partilhado. Também na formação dos agentes da saúde, de quem desempenha responsabilidades públicas e na inteira sociedade é importante que estes esforços sejam levados por diante juntos.

Ao recomendar que rezeis pelo seu ministério, o Santo Padre envia de coração a Vossa Excelência e a todos os participantes no congresso a Bênção Apostólica. Uno os meus votos pessoais e confirmo-me com sentimentos de distinto obséquio.

Vaticano, 27 de fevereiro de 2018.