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MENSAGEM AO POVO DE DEUS
DA II ASSEMBLEIA ESPECIAL PARA A ÁFRICA
DO SÍNODO DOS BISPOS

 

INTRODUÇÃO

1. Foi um dom especial da graça e como que uma última vontade e um testamento para a África, quando o Servo de Deus, o Papa João Paulo II, no dia 13 de Novembro de 2004, já perto do termo da sua vida, anunciou a sua intenção de convocar a Segunda Assembleia Especial para a África do Sínodo dos Bispos. Este propósito foi confirmado pelo seu sucessor, o Santo Padre, Papa Bento XVI, no dia 22 de Junho de 2005, numa das primeiras grandes decisões do seu pontificado. Reunidos aqui neste Sínodo, oriundos de todos os países de África, do Madagáscar e das Ilhas adjacentes, com os nossos Irmãos bispos e colegas vindos de todos os continentes, com e sob a cabeça do Colégio Episcopal, com a participação de delegações fraternas doutras tradições cristãs, damos graças a Deus por esta oportunidade providencial para celebrar as suas bênçãos sobre o nosso continente, para avaliar o nosso serviço como pastores do rebanho do Senhor e para buscar uma nova inspiração e um novo estímulo para as tarefas e desafios que nos esperam. Já passaram quinze anos desde a primeira assembleia, em 1994. Os ensinamentos e orientações da exortação apostólica pós-sinodal Ecclesia in Africa continuam a ser um guia válido para as nossas lides pastorais. Entretanto, na actual assembleia, o Sínodo foi capaz de se concentrar num tema de grande urgência para a África: o nosso serviço à reconciliação, à justiça e à paz num continente que tem urgente necessidade destes dons e virtudes.

2. Inaugurámos os nossos trabalhos com a celebração da Santa Eucaristia, presidida por Sua Santidade, o Papa Bento XVI, pedindo ao Espírito Santo para “nos conduzir à plenitude da verdade” (Jo 16,13). Nessa ocasião, o Papa recordou-nos que o Sínodo não é primariamente uma sessão de estudo, mas, antes de mais, uma iniciativa de Deus que nos chama a escutar: a escutá-lo a Ele, a escutarmo-nos uns aos outros e a escutar o mundo que nos rodeia, num ambiente de oração e de reflexão.

3. No momento em que nos preparamos para regressar, com renovado ardor e coragem, às Igrejas que nos foram confiadas, desejamos dirigir esta mensagem a toda a Igreja, Família de Deus, e, de modo especial, à Igreja em África: aos nossos irmãos bispos, em cujo nome estamos aqui; aos sacerdotes, diáconos, religiosos, fiéis leigos e a todos aqueles a quem Deus abrir o coração para escutar as nossas palavras.

PARTE I

OLHANDO PARA ÁFRICA DE HOJE

4. Vivemos num mundo cheio de contradições e de crises profundas. A ciência e a técnica estão a dar passos gigantescos em todos os aspectos da vida, dotando a humanidade de tudo o que seria necessário para fazer do nosso planeta um lugar mais harmonioso para todos. No entanto, a situação trágica dos refugiados, uma pobreza escandalosa, as doenças e a fome continuam a matar diariamente milhares de pessoas.

5. Em tudo isto a África ocupa o primeiro lugar. Embora rica em recursos humanos e naturais, grande parte do nosso povo continua a arrastar-se no meio da pobreza, da miséria, de guerras e de conflitos, de crises e desordens. Estas são raramente consequência de calamidades naturais, devendo-se em grande parte a decisões e acções humanas, perpetradas por pessoas que nada se importam com o bem comum e, muitas vezes, numa trágica e criminosa cumplicidade dos dirigentes locais com interesses estrangeiros.

6. No entanto, a África não deve cair no desespero. As graças de Deus continuam a derramar-se abundantemente, à espera de serem recta e prudentemente aproveitadas para o bem dos seus filhos. Onde as condições sociais são propícias, os seus filhos têm provado que são capazes de atingir – e de facto atingiram – um elevado nível de empenho e de competência. Há muitas notícias boas a chegar de muitas partes de África, mas parece que os actuais meios de comunicação social, com a sua predilecção por más notícias, se interessam mais pelas nossas desgraças e insuficiências do que pelos nossos esforços positivos. Há nações que tendo saído de longos anos de guerra estão a progredir gradualmente pelos caminhos da paz e da prosperidade. Uma boa acção governativa está a criar um impacto bastante positivo em algumas nações africanas, desafiando outras a corrigir os maus hábitos do passado e do presente. Há numerosos sinais de múltiplas iniciativas que buscam soluções eficazes para os nossos problemas. Este Sínodo, exactamente por causa do seu tema, espera fazer parte de tais iniciativas positivas. Por isso, apelamos a todos e a cada um para darem as mãos e enfrentarem os desafios da reconciliação, da justiça e da paz em África. São muitos os que sofrem e estão a morrer: não há mais tempo a perder!

PARTE II

À LUZ DA FÉ

7. O nosso múnus episcopal obriga-nos a ver tudo à luz da fé. Pouco depois da publicação da Ecclesia in Africa, os bispos de África, através do Simpósio das Conferências Episcopais de África e do Madagáscar (SCEAM), publicaram uma carta pastoral intitulada: “Cristo, nossa Paz” (cf. a Declaração final da Assembleia Plenária do SCEAM em Rocca di Papa, 1-8 de Outubro de 2000, publicada em Accra, 2001). Ao longo desta assembleia, recordámos frequentemente que todas as iniciativas de reconciliação e de paz vêm de Deus. Como diz o apóstolo S. Paulo: “Foi Deus que reconciliou o mundo consigo em Cristo”. Isto acontece em virtude do dom gratuito e incondicional do seu perdão, “não levando em conta as nossas faltas”, fazendo-nos assim entrar na sua paz (2Cor 5, 17-20). A justiça é igualmente obra de Deus, que nos é concedida por meio da sua graça justificadora em Cristo.

8. Na mesma passagem, S. Paulo continua, afirmando que Deus “nos confiou o ministério da reconciliação e nos escolheu como embaixadores de Cristo, sendo Deus que exorta por meio de nós”. Tal é o sublime mandato que recebemos do nosso Deus misericordioso e compassivo. A Igreja em África, quer enquanto Família de Deus, quer a nível individual dos seus membros crentes, tem o dever de ser instrumento de paz e de reconciliação, segundo o coração de Cristo, nossa paz e reconciliação. E ela será capaz de o ser na mesma medida em que ela própria se tiver reconciliado com Deus. As suas estratégias de reconciliação, de justiça e de paz na sociedade devem ir mais longe e chegar mais fundo do que as do mundo no seu modo usual de agir. Tal como S. Paulo, o Sínodo interpela todos os povos de África: “nós vos exortamos em nome de Cristo: reconciliai-vos com Deus” (2 Cor 5,20). Por outras palavras: apelamos a todos que se deixem reconciliar com Deus. Só assim se poderá abrir caminho a uma autêntica reconciliação entre as pessoas, só assim se poderá quebrar o círculo vicioso de ofensa, vingança e retaliação. Para tal, a virtude do perdão é de crucial importância, mesmo antes de qualquer reconhecimento da culpa. Aqueles que dizem que o perdão nada faz, lembrem-se do que traz a vingança a quem por ela optou. O verdadeiro perdão promove a justiça do arrependimento e da reparação. Estas, por sua vez, conduzem à verdadeira paz, tocando a raiz dos conflitos e transformando as vítimas e os inimigos em amigos, irmãos e irmãs. Como só Deus torna possível este tipo de reconciliação, devemos dar um lugar privilegiado à oração e aos sacramentos no exercício deste ministério, especialmente ao sacramento da Reconciliação.

PARTE III

À IGREJA UNIVERSAL

9. Este Sínodo estende a sua atenção e solidariedade a todo o continente africano. Agradecemos ao Santo Padre por acompanhar a África nas suas lutas e por defender a sua causa com todo o peso da sua enorme autoridade moral. Tal como os seus predecessores, também ele demonstra ser um verdadeiro amigo de África e dos africanos. Confrontados com os nossos desafios, fomos enriquecidos e guiados pelos tesouros de sabedoria do magistério pontifício em questões sociopolíticas. A este respeito, o Compêndio da Doutrina Social Igreja é um vade-mécum e um recurso material que vivamente recomendamos a todos os nossos fiéis leigos, especialmente àqueles que desempenham altos cargos nas nossas comunidades.

10. A Santa Sé levou a cabo muitas iniciativas directamente relacionadas com o bem e o desenvolvimento em África. Um exemplo concreto é a Fundação do Sahel, que luta contra a desertificação das regiões do Sahel. Também não podemos minimizar o grande serviço que os representantes pontifícios prestam às nossas Igrejas locais. Actualmente a Santa Sé tem Núncios em 50 dos 53 Países da África, um dado que por si só já indica claramente o grande empenho da Santa Sé ao serviço deste continente. Por tudo isto, o Sínodo exprime o seu profundo reconhecimento.

11. Saudamos com afecto fraterno a Igreja que está para além da costa africana, membros como nós da mesma Família de Deus espalhada por todo o mundo. A presença e a participação activa nesta assembleia dos delegados oriundos dos outros continentes confirmam o nosso vínculo de colegialidade efectiva e afectiva. Um sincero agradecimento a todas as Igrejas locais que nos estenderam as mãos e prestam serviços em África e à África, tanto no campo espiritual como no material. No que se refere à reconciliação, à justiça e à paz, a Igreja em África continua a contar com a solidariedade dos responsáveis das Igrejas dos países ricos e poderosos, cuja política, acções ou omissões, ajudam ou podem mesmo agravar a já difícil situação em África. Há uma relação histórica muito especial entre a Europa e a África. Por isso deve-se fortalecer e aprofundar a relação actualmente existente entre os dois órgãos episcopais continentais, o Conselho das Conferências Episcopais da Europa (CCEE) e o SCEAM. Apreciamos também com agrado as relações fraternas que se começam a instituir entre a Igreja de África e a Igreja das Américas.

12. Muitos filhos e filhas de África deixaram a sua casa em busca de melhores condições de vida noutros continentes. Muitos deles saíram-se bem, tendo contribuído positivamente para o desenvolvimento dos países para aonde emigraram; outros, porém, estão a lutar pela sua própria sobrevivência. Confiamos todos ao atento cuidado pastoral da Igreja, Família de Deus, seja qual for o lugar onde se encontrem. “Eu era estrangeiro e vós me acolhestes” não é apenas uma parábola relativa ao fim do mundo, mas também um dever a cumprir hoje. A Igreja em África agradece também a Deus por muitos dos seus filhos e filhas que são missionários noutros continentes. Nesta profícua partilha de dons é importante que todos os seus beneficiários continuem a trabalhar pela consolidação de um relacionamento cristão, transparente, justo e digno. Durante as sessões do Sínodo, a Igreja em África aceitou o desafio de se interessar pelos descendentes de africanos que vivem noutros continentes, especialmente nas Américas.

13. A este propósito, o Sínodo sente o dever de exprimir um profundo reconhecimento aos numerosos missionários, clérigos, religiosos e fiéis leigos de outros continentes que semearam a fé na maior parte dos países de África. São muitos os que ainda hoje aí trabalham com uma dedicação e zelo heróicos. Um agradecimento muito especial àqueles que permaneceram junto do seu povo, mesmo em tempo de guerra e de graves crises. Alguns chegaram a pagar com a vida a sua fidelidade.

PARTE IV

A IGREJA EM ÁFRICA

14.Recordámos, com justo orgulho, que o cristianismo se encontra em África desde os seus primórdios. Primeiro no Egipto e na Etiópia estendendo-se, pouco depois, a outras regiões do norte de África. Esta Igreja antiga enriqueceu a Igreja universal com prestigiosas tradições teológicas, litúrgicas e espirituais, com ilustres santos e mártires, tal como o Papa João Paulo II sublinhou tão eloquentemente (Ecclesia in Africa, 31). As Igrejas do Egipto e da Etiópia, que sobreviveram a numerosas perseguições e dificuldades, merecem uma alta consideração e uma estreita colaboração por parte das Igrejas bem mais novas do resto do continente. Tal colaboração é tanto mais importante se considerarmos os milhares de emigrantes e jovens estudantes do sul do Sara que fazem os seus estudos superiores no Magrebe. Muitos deles são católicos que trazem consigo o seu apego à fé, o que muito tem contribuído para fortalecer a Igreja local do seu novo lugar de residência. A Igreja destes lugares e doutros lugares onde está constituída quase só por estrangeiros conta com a solidariedade das Igrejas irmãs de África para o envio de sacerdotes Fidei Donum e de outros missionários.

15. A Igreja continuará a percorrer o seu caminho em todo o continente, solidária com o seu povo. As alegrias e tristezas, as esperanças e aspirações das nossas gentes são também as nossas (cf. GS 1). Enquanto Igreja, estamos convencidos que o nosso contributo primordial e mais específico ao povo africano é a proclamação do Evangelho de Cristo. Por isso comprometemo-nos a continuar a proclamar com vigor o Evangelho às pessoas de África, já que, tal como diz o Papa Bento XVI na Caritas in veritate, “a vida em Cristo é o primeiro e o principal factor de desenvolvimento” (n. 8). De facto, o empenho ao serviço do desenvolvimento resulta de uma transformação do coração e a transformação do coração só pode vir da conversão ao Evangelho. Nesta linha, aceitamos a nossa responsabilidade de ser instrumentos de reconciliação, de justiça e de paz nas nossas comunidades enquanto “embaixadores de Cristo” (2 Cor 5,20), nossa paz e reconciliação. No mesmo sentido, todos os membros da Igreja, clérigos, religiosos e fiéis leigos devem mobilizar-se para trabalhar juntos. A união faz a força! A isso mesmo somos interpelados e nos incita o provérbio africano que diz: “um exército bem organizado de formigas é capaz de derrubar um elefante”. Não nos devemos deixar intimidar, e, muito menos, desanimar, perante a magnitude dos problemas do nosso continente.

16. A Igreja em África acolhe com alegria o apelo lançado na aula sinodal para uma colaboração efectiva “Sul-Sul”. Muitos problemas e tensões existentes em África também se podem encontrar na Ásia e na América Latina. Cremos que teremos muito a ganhar, não só com uma troca de impressões, mas também dando-nos as mãos. Queira Deus mostrar-nos o caminho a seguir.

17. O SCEAM é a instituição de solidariedade pastoral orgânica da hierarquia da Igreja em África (Ecclesia in Africa, 16). Infelizmente, este órgão insubstituível não recebeu o apoio que deveria, mesmo por parte dos bispos de África. Agradecemos a Deus por este Sínodo ter sido uma feliz oportunidade para destacar a importância do SCEAM. Temos todos os motivos para acreditar que o apelo lançado por muitos Padres sinodais em ordem a um maior compromisso com o SCEAM não caiu em ouvidos moucos. Enquanto nos preparamos para regressar a casa, comprometemo-nos em dar ao SCEAM o mínimo de que ele precisa para levar a cabo a sua missão. Estabelecida por iniciativa do SCEAM e trabalhando lealmente em comunhão com ele, a Confederação dos Superiores Maiores da África e do Madagáscar (COSMAM) está a crescer e a transformar-se num instrumento eficaz a nível continental de promoção da solidariedade pastoral na vida e no apostolado dos religiosos em África. O Sínodo agradece o seu precioso contributo para a vida e a missão da Igreja em África.

18. Como bispos, assumimos o desafio de trabalhar em comunhão nas nossas Conferências episcopais e assembleias, oferecendo aos nossos países um modelo de uma instituição nacional justa e reconciliada e disponibilizando-nos para sermos agentes de paz e de reconciliação, quando e onde quer que sejamos chamados. Congratulamo-nos com aqueles bispos que têm desempenhado este papel, sobretudo no campo do diálogo ecuménico e inter-religioso, como podemos constar em lugares tais como o Mali, a República Democrática do Congo, o Burquina Fasso, o Senegal, o Níger e outros. A união do episcopado é fonte de uma grande força, ao passo que a sua falta desperdiça energias, frustra os esforços e dá ocasião a que os inimigos da Igreja possam neutralizar o nosso testemunho. Uma área importante onde esta cooperação e coesão nacionais são muito úteis é nos meios de comunicação social. Desde que a Ecclesia in Africa foi publicada, houve uma verdadeira explosão de rádios católicas em África: de apenas 15 rádios em 1994, contamos agora com mais de 163 em 32 nações africanas. Louvamos os países que estimularam a sua criação e apelamos àqueles que ainda têm reservas nesta matéria a rever a sua posição para o bem da própria nação e do seu povo.

19. Cada bispo, na agenda pastoral da sua diocese, deve dar um lugar prioritário aos assuntos relacionados com a reconciliação, a justiça e a paz. Ele deve garantir que se criem Comissões de Justiça e Paz a todos os níveis. Devemos continuar a trabalhar dedicadamente na formação das consciências e na transformação dos corações através de uma catequese eficaz a todos os níveis. Esta deve ir além de um “simples catecismo” de preparação das crianças e dos catecúmenos para os sacramentos. Precisamos de organizar programas de formação contínua para todos os nossos fiéis, especialmente para aqueles que desempenham altos cargos de responsabilidade. As nossas dioceses devem ser modelos de bom governo, de transparência e de boa gestão financeira. Temos de continuar a dar do nosso melhor para combater a pobreza, o maior obstáculo no caminho da paz e da reconciliação. A este respeito deve-se dar particular atenção às propostas de microcrédito. Finalmente, o bispo, enquanto cabeça da sua Igreja local, tem o dever de mobilizar os seus fiéis e, em conforme com a sua missão, de os implicar na planificação, formulação, implementação e avaliação das orientações diocesanas e dos programas em favor da reconciliação, da justiça e da paz.

20. O presbítero é o “colaborador necessário e mais próximo do bispo”. Neste Ano Sacerdotal, caros irmãos no sacerdócio, dirigimo-nos a vós que ocupais uma posição-chave no apostolado da diocese. Vós representais a face do clero mais visível ao povo, quer dentro, quer fora da Igreja. O vosso exemplo de coexistência pacífica uns com os outros, ultrapassando as fronteiras tribais e raciais, pode ser um exemplo particularmente forte para os outros. Isto transparece, por exemplo, na alegria com que acolheis aqueles que a Santa Sé escolhe como vossos bispos, sejam eles quem forem, independentemente do seu lugar de nascimento. A implementação dos planos pastorais diocesanos em favor da reconciliação, da justiça e da paz depende muito de vós. A catequese, a formação dos leigos, a cura pastoral das pessoas com altos cargos de responsabilidade, não irão avante sem o vosso empenho total nas vossas paróquias e nos diversos lugares que vos foram confiados. O Sínodo exorta-vos a não negligenciar o vosso dever neste campo. Tereis mais sucesso se apostardes numa pastoral de comunhão, envolvendo todas as pessoas e sectores da paróquia: diáconos, religiosos, catequistas, leigos, homens e mulheres, e os jovens. Muitas vezes o padre conta-se entre as pessoas mais instruídas da comunidade local, esperando-se por vezes que desempenhe um certo papel de chefia nos assuntos da comunidade. Devereis ter cuidado para prestardes o vosso serviço de forma imparcial, animados de espírito pastoral e evangélico. A vossa fidelidade às promessas sacerdotais, especialmente à vida celibatária em castidade, assim como o desapego das coisas materiais é um testemunho eloquente para o Povo de Deus. Muitos de vós deixaram a África para partirem em missão para outros continentes. Quando trabalhais com respeito e ordem, projectais uma boa imagem de África. O Sínodo louva o vosso empenho na tarefa missionária da Igreja. Que possais receber a recompensa prometida a todos os “que deixaram a casa... por amor do Reino” (Lc 18,28).

21. A África transformou-se recentemente num campo muito fértil para as vocações de especial consagração: sacerdotais e religiosas, tanto masculinas como femininas. Damos graças a Deus por tão grandes bênçãos. Felicitamos-vos, caros irmãos consagrados, homens e mulheres, pelo vosso testemunho de vida religiosa na prática dos conselhos evangélicos da castidade, pobreza e obediência, os quais não raro fazem de vós profetas e modelos de reconciliação, de justiça e de paz em situações de extrema tensão. O Sínodo exorta-vos a dar a maior eficácia possível ao vosso apostolado através de uma comunhão leal e comprometida com a hierarquia local. O Sínodo congratula-se de modo particular convosco, religiosas, pela vossa dedicação e zelo apostólico no campo da saúde, da educação e noutras áreas do desenvolvimento humano.

22. Este Sínodo dirige-se agora com profundo afecto aos fiéis leigos de África. Vós sois a Igreja de Deus nos lugares públicos da sociedade. É em vós e por vosso intermédio que a vida e o testemunho da Igreja são visíveis no mundo. Por isso, também vós participais do mandato da Igreja, o de serdes “embaixadores de Cristo”, trabalhando em prol da reconciliação do povo com Deus e entre si. Isto implica que deixeis que a fé cristã impregne todos os aspectos e dimensões da vossa vida: a família, o trabalho, o exercício das mais variadas profissões, a política e a vida pública. Não se trata de uma missão fácil. Por isso deveis frequentar assiduamente os meios da graça, tais como a oração e os sacramentos. A passagem bíblica do tema do nosso Sínodo, dirigida a todos os discípulos de Cristo, refere-se de forma especial a vós: “Vós sois o sal da terra... Vós sois a luz do mundo” (Mt 5,13.14). Neste sentido, gostaríamos de renovar a recomendação da Ecclesia in Africa sobre a importância das Pequenas Comunidades Cristãs (n. 93). Para além da oração, deveis munir-vos de um conhecimento suficiente da fé cristã a fim de poderdes “dar provas da esperança que tendes em vós” (1 Ped 3,15) em todos os ambientes e lugares. Aqueles entre vós que ocupam lugares de relevo têm o dever de obter um nível proporcional de cultura religiosa. Recomendamos-vos insistentemente as fontes básicas da fé católica: a Sagrada Escritura e o Catecismo da Igreja Católica. E ainda, como relevante para o tema do Sínodo, o Compêndio da Doutrina Social da Igreja. Todos estes livros estão disponíveis a um preço acessível. Por isso, não há desculpa para continuar a ser ignorantes no campo da fé. Na mesma linha, a Ecclesia in Africa recomenda calorosamente a criação de Universidades católicas. Damos graças a Deus por terem surgido muitas destas instituições nos últimos 15 anos, estando muitas outras a caminho. Trata-se de um projecto de capital importância, que implica grandes investimentos. Mas é imperioso que se invista no futuro de um laicado católico bem formado, inclusive dos membros dos novos movimentos eclesiais e dos intelectuais, preparando-os para serem capazes de se levantarem para dar testemunhar da sua fé no mundo de hoje. Este é um campo onde sem dúvida é extremamente necessária a solidariedade universal da Igreja como Família de Deus.

23. O Sínodo tem uma mensagem muito importante e especial para vós, caros africanos católicos, que desempenhais cargos na vida pública. Louvamos aqueles de vós – e são muitos – que não se deixando dissuadir pelos perigos e incertezas da política em África, se entregaram generosamente ao serviço público do seu povo, como um apostolado para promover o bem comum e o reino de Deus de justiça, de amor e de paz à luz dos ensinamentos da Igreja (Gaudium et spes, 75). Podeis contar sempre com o incentivo e o apoio da Igreja. A Ecclesia in Africa manifestou a esperança de que apareçam políticos e chefes de Estado santos em África. Tal desejo não é fútil. É muito animador saber que a causa de beatificação de Julius Nyerere, da Tanzânia, já está em andamento. A África precisa de santos nos cargos mais altos da política: políticos santos que limpem o continente da corrupção, trabalhem para o bem do povo e galvanizem outros homens e mulheres de boa vontade, mesmo os que estão fora da Igreja, levando todos a darem as mãos na luta comum contra os males que assolam as nossas nações. O Sínodo recomendou vivamente que as Igrejas locais intensifiquem o seu apostolado na cura espiritual das pessoas que exercem cargos públicos, criando capelanias específicas para eles e organizando centros de coordenação ao mais alto nível para evangelizar as câmaras parlamentares. Nós vos exortamos, a todos vós, fiéis leigos que estais na política, a tirar pleno partido de tais instrumentos onde eles existirem. Muitos católicos que ocupam altos cargos infelizmente não souberam desempenhar correctamente o seu serviço. O Sínodo exorta-os a arrependerem-se ou a abandonar a praça pública, deixando de escandalizar o povo e denegrir a imagem da Igreja.

24. Queremos voltar agora a nossa atenção para as nossas queridas famílias católicas de África. Congratulamo-nos convosco pela vossa fidelidade e firme perseverança na observância dos ideais da família cristã e na manutenção dos melhores valores da família africana. Mantende-vos vigilantes no confronto com algumas ideologias virulentas e venenosas, vindas do exterior e camufladas de “cultura moderna”. Continuai a receber os filhos como dom de Deus e a educá-los no conhecimento e no temor de Deus, de modo a que também eles sejam, no futuro, agentes de reconciliação, de justiça e de paz. Estamos conscientes de que muitas das nossas famílias vivem sob uma enorme pressão. A pobreza torna frequentemente os pais incapazes de cuidar dos seus filhos, com consequências desastrosas. Queremos recordar aos governos e às autoridades civis que um país que destrói as famílias com as suas leis, hipoteca o futuro da própria nação. Muitas famílias pedem apenas o suficiente para sobreviverem. E elas têm direito a viver.

25. O Sínodo quer dirigir-vos uma palavra especial, a vós, mulheres católicas. Frequentemente sois vós os pilares da Igreja local. Em muitos países, as Organizações de Mulheres Católicas são uma grande força de apostolado da Igreja. A Ecclesia in Africa recomendou que “as mulheres, uma vez convenientemente formadas, participem, a um nível apropriado, da actividade apostólica da Igreja” (n. 121). Em muitos lugares fizeram-se muitos progressos nesse sentido. Mas ainda há muito a fazer. O contributo específico das mulheres, não só em casa, enquanto esposas e mães, mas também no campo social, deveria ser universalmente reconhecido e promovido. O Sínodo incita as nossas Igrejas locais a irem mais longe do que as afirmações gerais da Ecclesia in Africa criando estruturas concretas que assegurem uma real participação da mulher na Igreja “a um nível apropriado”. A Santa Sé deu-nos neste campo um bom exemplo, indigitando mulheres para altos cargos. Fala-se muito em toda a África dos direitos da mulher, em especial nos planos de acção de algumas agências das Nações Unidas. Muito do que dizem está certo e na linha daquilo que a Igreja sempre afirmou. Mas tem de se ter cuidado com alguns projectos concretos que tantas vezes prosseguem intenções ocultas. Mulheres católicas, nós vos exortamos a comprometer-vos de alma e coração nos programas das mulheres das vossas nações, embora mantendo sempre bem despertos os olhos da vossa fé. Munidas de uma boa informação e da doutrina social da Igreja, deveis procurar evitar que as boas ideias não sejam contaminadas por ideologias importadas, moralmente venenosas, referentes ao género e à sexualidade humana. Que Maria, nossa Mãe, Sede de sabedoria, vos guie neste sentido.

26. O Sínodo apela igualmente a todos vós, homens católicos, a que desempenheis o vosso papel insubstituível de pais responsáveis e de maridos fiéis. Segui o exemplo de S. José (cf. Mt 2, 13-23), cuidando da família, protegendo a vida desde o primeiro momento da sua concepção e cooperando na educação dos filhos. Procurai organizar-vos em associações e grupos de Acção Católica que vos permitirão melhorar a qualidade da vossa vida cristã e do vosso compromisso com a Igreja. Isto pôr-vos-á em melhores condições para desempenhardes funções de chefia na sociedade e serdes testemunhas cada vez mais eficazes, promotores da reconciliação, da justiça e da paz, “sal da terra” e “luz do mundo”.

27. Dirigimo-nos finalmente a vós, filhos e filhas do nosso continente, jovens das nossas comunidades. Vós não sois apenas o futuro da Igreja, mas já pesais agora com a força dos números. Em muitos países da África mais de 60% da população tem menos de 25 anos de idade. A percentagem no interior da Igreja não será muito diferente. Vós devíeis encontrar-vos na linha da frente das mudanças sociais positivas enquanto instrumentos de paz. Sentimos que tendes necessidade de uma particular atenção da nossa parte, jovens adultos. Muitas vezes sois transcurados, deixados à deriva como alvo fácil para todo o tipo de ideologias e de seitas. Sois principalmente vós a ser recrutados e instrumentalizados ao serviço da violência. Por isso insistimos junto de todas as Igrejas locais para que dêem a máxima prioridade ao apostolado juvenil.

28. Jesus disse: “Deixai vir a mim as criancinhas, porque delas é o Reino de Deus” (Mt 19,14). Este Sínodo não vos esqueceu, queridas crianças do nosso continente. Vós sois sempre o objecto dos nossos cuidados e da nossa atenção. Também reconhecemos e queremos aproveitar o vosso entusiasmo e eficácia como agentes activos de evangelização, especialmente entre os vossos companheiros. Deveriam ser-vos dados espaços adequados, meios e orientação para vos poderdes organizar no apostolado. Recomendamos-vos especialmente a organização das Obras Missionárias Pontifícias: a Obra da Santa Infância.

PARTE V

APELO À COMUNIDADE INTERNACIONAL

29. A Família de Deus vai além dos limites visíveis da Igreja, abrangendo toda a humanidade. Quando se entra nos temas da reconciliação, da justiça e da paz, todos nós nos encontramos no nível mais profundo da nossa comum humanidade. Como tal este projecto diz respeito a todos, requerendo uma acção comum. Por isso erguemos a nossa voz, dirigindo-nos a todos os homens e mulheres de boa vontade, apelando de forma especial a todos os que professam a mesma fé em Jesus Cristo e também aos membros das outras religiões.

30. No seu conjunto, as agências das Nações Unidas estão a realizar um bom trabalho em África em favor do desenvolvimento, da manutenção da paz, na defesa dos direitos da mulher e da criança, no combate à pobreza e às doenças: à SIDA, à malária, à tuberculose e ainda noutros campos. O Sínodo aprecia o excelente trabalho que se está a levar a cabo. Contudo, apelamos a que sejam mais coerentes e transparentes na implementação dos seus programas. Instamos junto dos países da África para que avaliem criteriosamente os serviços que são oferecidos ao nosso povo, a fim de se certificarem que realmente são bons. O Sínodo denuncia em particular todas as tentativas sub-reptícias de destruir e minar os mais preciosos valores africanos da família e da vida humana (tal como é o caso do inaceitável artigo 14 do Protocolo de Maputo e de outras propostas do mesmo género).

31. A Igreja não se deixa relegar para um segundo lugar na luta contra a SIDA e na assistência às pessoas infectadas e afectadas por esta doença em África. O Sínodo agradece a todos aqueles que se comprometeram generosamente neste difícil apostolado de amor e carinho. Apelamos para que se dê uma ajuda continuada que vá ao encontro da necessidade que tantos têm de assistência. Em união com o Santo Padre, o Papa Bento XVI, este Sínodo adverte seriamente que o problema não pode ser resolvido com a distribuição dos profiláticos. Apelamos a todos os que estão sinceramente interessados em travar a transmissão do VIH/SIDA por via sexual a que reconheçam o sucesso já alcançado pelos programas que propõem a abstinência entre os solteiros e a fidelidade nos casais. Tal modo de agir não só garante a melhor protecção contra a difusão desta doença, mas também está em plena consonância com a moral cristã. Dirigimo-nos em particular a vós, jovens: não vos deixeis enganar por aqueles que dizem que não sois capazes de vos controlar. Sim, vós o podeis, com ajuda da graça de Deus.

32. Apelamos às grandes potências deste mundo: tratai a África com respeito e dignidade. A África tem solicitado uma transformação da ordem económica mundial, cujasestruturas injustas continuam a pesar gravemente sobre ela. A recente crise financeira mundial mostrou a necessidade de uma mudança radical das regras. Mas seria trágico que as correcções fossem uma vez mais feitas apenas no interesse dos ricos à custa dos pobres. Muitos dos conflitos, guerras e pobreza em África são, em grande parte, o resultado destas estruturas injustas.

33. A humanidade tem muito a ganhar se escutar as sábias advertências do nosso Santo Padre Bento XVI na Caritas in veritate. Uma nova ordem mundial justa não só é possível, mas também necessária, para o bem de toda a humanidade. Uma mudança é exigida em relação à dívida das nações pobres, cujo peso está literalmente a matar as crianças. As multinacionais devem parar com a destruição criminosa do ambiente na exploração insaciável dos recursos naturais. É uma táctica de curta visão fomentar guerras para acumular rapidamente lucros graças à desordem instalada, mas à custa da vida e do sangue humanos. Não há ninguém que seja capaz e queira travar tais crimes contra a humanidade?

PARTE VI

ÁFRICA, ACORDA!

34. Diz-se que o berço da espécie humana está algures em África. O nosso continente tem uma longa história de grandes impérios e ilustres civilizações. A história futura do continente ainda está por escrever. Deus abençoou-nos com enormes recursos naturais e humanos. Embora nas estatísticas internacionais relativas aos índices materiais de desenvolvimento os países africanos sejam frequentemente os últimos da lista, ainda não há razões para desesperar. Houve actos brutais de injustiças históricas, tais como o tráfico de escravos e o colonialismo, cujas consequências negativas ainda hoje se continuam a sentir. Mas isto não é desculpa para não fazermos nada. Há tantas coisas a acontecer nos nossos dias. Felicitamos o esforço de todos os que lutam para libertar a África da alienação cultural e da sujeição política. A África deve encarar agora o desafio de dar às suas crianças um nível mais digno de condições de vida humana. Verificam-se progressos no campo político do processo de integração continental, tais como a evolução da Organização de Unidade Africana (OUA) para a União Africana (UA). A União Africana e outros grupos regionais, por vezes em colaboração com as Nações Unidas, têm tomado diversas iniciativas para resolver conflitos e manter a paz em muitas situações de crise. No plano económico, a África tem procurado traçar um projecto estratégico para o seu próprio desenvolvimento, chamado NEPAD (Nova Parceria Económica para o Desenvolvimento de África). Ela tomou certas disposições em ordem a um Mecanismo Africano de Revisão em Pares (APRM), com a missão de supervisionar e avaliar a sua aplicação por parte dos diferentes países. O Sínodo louva tais iniciativas porque os seus programas associam claramente a emancipação económica de África à presença de uma boa governação. Infelizmente é aqui que reside o ponto crítico. Na maioria dos países africanos, os documentos mais belos da NEPAD ainda são letra morta. Apesar de tudo continuamos a esperar numa melhoria geral da governação em África.

35. O Sínodo congratula-se com alguns países africanos que decidiram enveredar pelo caminho de uma autêntica democracia. Estes já podem testemunhar os dividendos que resultam de uma boa governação. Alguns países acabam apenas de sair de muitos anos de guerras e de conflitos, estando gradualmente a reconstruir as suas nações devastadas. Esperamos que tão bom exemplo possa induzir outras nações a corrigir os seus maus hábitos.

36. O Sínodo nota também com tristeza que a situação em muitos países é deveras vergonhosa. Pensamos em particular na triste situação da Somália, envolvida em virulentos conflitos há mais de duas décadas, que já começam a afectar os países vizinhos. Também não esquecemos a trágica condição de milhões de pessoas na região dos Grandes Lagos e as crises persistentes no norte do Uganda, no sul do Sudão, em Darfur, na Guiné Conacri e noutros lugares. Os governantes que controlam o poder nestes lugares devem assumir a plena responsabilidade das suas acções deploráveis. Na maior parte dos casos encontramo-nos na presença de uma avidez insaciável de poder e de enriquecimento ilícito à custa do povo e do próprio país. Qualquer que seja o grau de responsabilidade imputável a interesses estrangeiros, também há que reconhecer um vergonhoso e trágico conluio dos chefes locais com aqueles: políticos que traem e vendem as suas nações; homens de negócios sujos, coniventes com multinacionais vorazes; africanos que vendem e traficam armamento, prosperando com o negócio de pequenas armas que entretanto provocam a destruição de tantas vidas humanas; e alguns agentes locais de certas organizações internacionais que são pagos para difundir ideologias nocivas em que eles mesmos não acreditam.

37. A consequência negativa de tudo isto está aí, bem patente a todo o mundo: pobreza, miséria e doenças; refugiados dentro e fora do país e no estrangeiro; a deslocação de homens e rebanhos em busca de pastagens frescas; a fuga de cérebros; as migrações clandestinas; o tráfico de seres humanos; guerras e derramamento de sangue, não raro sob comissão; a barbaridade das crianças-soldado e indizíveis violências contra as mulheres. Como é que alguém se pode orgulhar de “governar” em semelhante situação? Para aonde foi o nosso sentimento tradicional africano de vergonha? Este Sínodo proclama-o claramente, em alto e bom som: é tempo de mudar de atitudes para o bem das gerações presente e futuras.

PARTE VII

UNINDO AS NOSSAS FORÇAS ESPIRITUAIS

38. Gostaríamos de recordar novamente o que o Papa Bento XVI disse na homilia da missa inaugural deste Sínodo: que a África é “o pulmão espiritual” da humanidade de hoje. Este é um bem precioso, muito mais valioso do que os nossos minérios e o petróleo. Mas ele também nos advertiu que este pulmão corre o risco de ser infectado pelo duplo vírus do materialismo e do fanatismo religioso. Na sua determinação em proteger o nosso património espiritual contra todos os ataques e infecções, o Sínodo apela aos irmãos e irmãs de outras tradições cristãs a uma colaboração ecuménica cada vez maior. Estendemos também o nosso apelo ao diálogo e cooperação ao Islão, aos membros das religiões tradicionais africanas (RTA) e aos adeptos de outras crenças religiosas.

39. O fanatismo religioso alastra por todo o mundo, estando a causar a destruição em muitas regiões da África. Pela nossa cultura religiosa tradicional, os africanos estão imbuídos de um profundo sentido de Deus Criador. Eles mantiveram-no consigo na sua conversão ao Islão e ao Cristianismo. Quando este fervor religioso é mal orientado por fanáticos ou manipulado pelos políticos, geram-se conflitos que afectam a todos. Mas se for bem orientado, torna-se uma força poderosa ao serviço do bem, particularmente em prol da paz e da reconciliação.

40. O Sínodo escutou o testemunho de muitos Padres sinodais que percorreram com sucesso o caminho do diálogo com os muçulmanos. Eles são o exemplo de que o diálogo funciona e a colaboração é possível, sendo muitas vezes efectiva. Os temas da reconciliação, da justiça e da paz são uma preocupação comum de todas as comunidades, independentemente do credo que professam. Partindo dos valores partilhados por ambos os credos, os muçulmanos e os cristãos podem contribuir muito para a restauração da paz e da reconciliação nas nossas nações. Foi o que aconteceu em tantos casos. O Sínodo louva estes esforços, recomendando-os também aos outros.

41. O diálogo e a colaboração aumentarão sempre que houver respeito mútuo. Como bispos católicos temos orientações claras da nossa Igreja para o diálogo, permanecendo firmes na nossa fé, mas deixando ao outro a liberdade de escolha. O Sínodo recebeu boas notícias de comunidades islâmicas que permitem a liberdade da Igreja e do culto, tendo beneficiado com a obra social da Igreja que acolheram com alegria. Embora louvando este facto, voltamos a afirmar que isso só não basta. A liberdade de religião inclui a liberdade de propagar a própria fé pessoal, de a propor e não de a impor, de aceitar e acolher os convertidos. As nações que por lei proíbem os seus cidadãos de abraçarem a fé cristã, estão a negar aos seus próprios cidadãos o direito humano fundamental de decidir livremente sobre o credo a que querem aderir. Apesar de a realidade ter sido esta por muito tempo, chegou a hora de rever a situação à luz do respeito pelos direitos humanos fundamentais. O Sínodo adverte que tal restrição de liberdade subverte o diálogo sincero, frustrando igualmente uma autêntica colaboração. Uma vez que o mundo muçulmano acolhe com agrado os cristãos que decidiram mudar de religião, também deveria salvaguardar a reciprocidade neste campo. No mundo que está a surgir, o respeito mútuo é o caminho a seguir, sendo necessário que se dê espaço a que cada uma das confissões religiosas contribua plenamente para o bem da humanidade.

CONCLUSÃO

42. Caríssimos irmãos no Episcopado, queridos filhos e filhas da Igreja, Família de Deus em África, homens e mulheres de boa vontade em e fora de África, partilhámos convosco a convicção mais forte deste Sínodo: a África não está condenada ao fracasso. O nosso destino continua a estar nas nossas mãos. A África só pede espaço para respirar e para se desenvolver. A África já se pôs em movimento e a Igreja acompanha-a na sua caminhada com a luz do Evangelho. Pode ser que as vagas do mar sejam alterosas. Mas fixando o nosso olhar em Cristo Senhor (cf. Mt 14,28-32) acabaremos por chegar sãos e salvos ao porto da reconciliação, da justiça e da paz.

43. Confiamos esta mensagem e todos os nossos fervorosos compromissos à materna intercessão da Santíssima Virgem Maria, Rainha da Paz e Nossa Senhora de África.

África, levanta-te, pega na tua enxerga e anda! (Jo 5,8)

“Quanto ao resto, irmãos, alegrai-vos.
Procurai crescer na perfeição,
animai-vos uns aos outros.
Permanecei unidos, vivei em paz
e o Deus do amor e da paz estará convosco”
(2Cor 13,11).

Amen.

 

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