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VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE AO BRASIL
(30 DE JUNHO - 12 DE JULHO DE 1980)

HOMILIA DO PAPA JOÃO PAULO II 
NA SANTA MISSA PARA AS FAMÍLIAS

Rio de Janeiro, 1° de Julho de 1980

 

Meu irmão muito caro, Arcebispo de São Sebastião do Rio de Janeiro
e seus Bispos Auxiliares; 
Queridos filhos habitantes desta Cidade maravilhosa;
Queridos filhos vindos de outros pontos do Brasil para este encontro!

1. Muitos dos que nesta hora participam desta Eucaristia estarão evocando na memória do coração outras Missas celebradas neste mesmo lugar, em julho de 1955. Realizava-se o 35° Congresso Eucarístico Internacional; e, sobre uma faixa de terra conquistada ao mar, mãos de artistas haviam elevado o altar-monumento, sobre o qual o Legado Pontifício abrira e encerrara o grande acontecimento. A voz de meu imortal Predecessor Pio XII aqui ressoou com uma mensagem de pai para um milhão de pessoas congregadas neste lugar.

Não posso deixar de relembrar, eu próprio, este 25° aniversário, feliz por poder fazê-lo convosco e no meio de vós, no momento em que preparais o já iminente X Congresso Eucarístico Nacional de Fortaleza. Queira Deus que esses eventos recordados, vividos, esperados renovem a vossa ação de graças ao Senhor; e que saibais exprimi-la na ação de graças por definição e por excelência, que é a Eucaristia, em cuja devoção Ele vos faça crescer.

Um sacerdote - seja ele o Papa, um bispo ou um pároco do interior - ao celebrar a Eucaristia, um cristão ao participar da Missa e receber o Corpo e o Sangue de Cristo não podem deixar de abismar-se nas maravilhas deste Sacramento. São tantas as dimensões que nele se podem considerar: é o sacrifício de Cristo, que misteriosamente se renova; são o pão e o vinho transformados, transubstanciados no Corpo e Sangue do Senhor; é a Graça que se comunica por este alimento espiritual à alma do cristão... Quero, nesta ocasião, fixar-me em um aspecto não menos significativo: a Eucaristia é uma reunião de família, da grande família dos cristãos.

O Senhor Jesus quis instituir este grande sacramento por ocasião de um importante encontro familiar: a Ceia pascal e naquela ocasião sua família foram os Doze, que com Ele viviam há três anos. Por multo tempo, nos inícios da Igreja, era em casas de família que outras famílias se reuniam para a “fração do pão”. Cada altar será sempre uma mesa, em torno da qual se congrega mais ou menos numerosa uma família de irmãos. A Eucaristia ao mesmo tempo reúne esta família, manifesta-a aos olhos de todos, estreita os laços que unem aos outros os seus membros. Santo Agostinho pensava em tudo isto quando chamava a Eucaristia: “sacramentum pietatis, signum unitatis, vinculum caritatis" (Santo Agostinho, In Ioannis Evang., Tract XXVI, cap. 6, n. 13: PL 35, 1613).

Ao celebrar esta Eucaristia volto os olhos espiritualmente para todos os quadrantes deste imenso País, tento abraçar com um só olhar os 120 milhões de brasileiros e rezo pela imensa família constituída por todos os filhos desta Pátria e pelos que encontraram um novo lar.

3. Posso fazer-vos uma confidência? A primeira vez que me falaram do Brasil, quando eu sabia bem pouco deste País, não foi para cantar suas belezas naturais, que são maravilhosas, nem para exaltar as riquezas de seu solo e subsolo, que são inesgotáveis; nem para ressaltar os feitos deste ou daquele brasileiro notável. Quem me falava - e era um grande conhecedor do Brasil - me dizia apenas que esta era uma grande Nação, malgrado todos os seus eventuais problemas, porque aqui se encontram todas as raças, gente vinca de todos os horizontes do mundo, reunidas num só povo, sem preconceitos e sem discriminação ou segregação, nume clara fusão de espíritos e corações. “E’ uma família”, dizia, encantado, meu interlocutor.

Rezo para que não venha jamais a debilitar-se ou a perecer este espírito de família. Para que ele prevaleça sobre qualquer germe de discórdia ou divisão, sobre qualquer ameaça de ruptura ou separação. Rezo para que, havendo cada vez menos diferenças entre os brasileiros no que se refere ao progresso e ao bem-estar, às oportunidades diante dos bens da cultura e da civilização e às possibilidades de encontrar trabalho digno, ter saúde e instrução, educar os filhos, se torne sempre mais realidade a “grande família” de brasileiros de que falava aquele meu primeiro professor de Brasil. Rezo ainda para que a um mundo frequentemente dominado pelas contendas entre povos e raças, o Brasil possa der - sem ostentação - antes com a espontaneidade e a naturalidade que caracterizam a sua gente - uma lição essencial, a da verdadeira integração: de como podem viver como uma só família, dentro de um país-continente, pessoas vindas dos mais diversos recantos do mundo. E rezo, enfim, pelos membros desta “grande família”, que repousam sob este monumento e cujo sacrifício é um permanente apelo à união entre os povos.

4. Esta Eucaristia, reunião de família, leva o meu pensamento agora às famílias brasileiras.

Os depoimentos mais autorizados sobre a América Latina - penso nos documentos de Medellín e de Puebla, penso nos relatórios que me chegam dos Bispos e Conferências Episcopais deste quase-continente, mas penso também em estudos sociológicos da maior seriedade - ensinaram-me que para vós, latino-americanos, a Família é uma realidade extraordinariamente importante. O lugar que a Família ocupou nos povos que se encontram na raiz de vossas Nações e a influência latino-americana que ela exerceu na formação de vossa cultura justificam de sobra essa importância. O Brasil, longe de se constituir uma excepção, ilustra de modo notável essa verificação: Não admira que aqui, com especial vigor, se manifeste o sentido de família e se confirmem as dimensões essenciais da realidade familiar: o respeito impregnado de amor e de ternura, a generosidade e o espírito de solidariedade, e o apreço por uma certa intimidade do lar, temperada por um desejo de abertura. Não quero furtar-me a sublinhar entre outras, duas dimensões fundamentais da família, especialmente relevantes entre vós: ela tem sido, no correr dos séculos, a grande transmissora de valores culturais, éticos, espirituais, de uma geração à outra; no plano religioso e cristão, muitas vezes, quando faltaram ou foram extremamente precários outros canais, ela foi o único, ou ao menos o principal canal pelo qual se comunicou a fé dos pais a filhos em várias gerações.

5. Isto posto, como fechar os olhos para as graves situações em que concretamente se encontram numerosíssimas famílias entre vós e para as sérias ameaças que pesam sobre a família em geral?

Algumas dessas ameaças são de ordem social e prendem-se às condições sub-humanas de habitação, higiene, saúde, educação em que se encontram milhões de famílias, no interior do País e em periferias das grandes cidades, por força do desemprego ou dos salários insuficientes. Outras são de ordem moral e referem-se á generalizada desagregação da Família, por desconhecimento, desestima ou desrespeito das normas humanas e cristãs relativas à família, nos vários estratos do população. Outras ainda são de ordem civil, ligadas à legislação referente à família. No mundo inteiro essa legislação é cada vez mais permissiva, portando menos encorajante para os que se esforçam por seguir os princípios de uma ética mais elevada em matéria de família. Queira Deus que assim não seja em vosso País e que, coerentes com os princípios cristãos que inspiram a vossa cultura, aqueles que têm a responsabilidade de elaborar e promulgar as leis o façam no respeito aos valores insubstituíveis de uma ética cristã, entre os quais avulsa o valor da vida inumana e o direito indeclinável dos pais a transmitir a vida. Outras ameaças, enfim, são de ordem religiosa e derivam de um escasso conhecimento das dimensões sacramentais do Matrimônio no plano de Deus.

6. As considerações que venho fazendo parecem-me evidenciar bastante a importância e a necessidade de uma inteligente, corajosa, perseverante Pastoral Familiar. Falando ao povo da cidade de Puebla, na homilia da inolvidável Missa que ali celebrei, recordei que nume numerosos Bispos latino-americanos não hesitam em reconhecer que a Igreja tem ainda multo a fazer neste campo. Por isso mesmo, abrindo a Conferência de Puebla, eu quis recomendar a Pastoral Familiar como importante prioridade em todos os vossos Países. O Documento de Puebla consagrou um importante capítulo à Família: Deus queira que a atenção a outros temas e afirmações, sem dúvida importantes mas não exclusivos, desse documento não signifique, por um erro do qual teríamos motivo de arrepender-nos no futuro, uma atenção menor à Pastoral da Família.

São muitos os campos e complexas as exigências desta Pastoral Familiar. Vossos Pastores estão conscientes disso. Muitos leigos empenhados em diversos, valiosos e meritórios movimentos familiares, se mostram atentos a esses campos e exigências. Não esperais certamente que o Papa os aborde aqui: não é o momento para fazê-lo. Como porém não recordar ao menos para citá-los, alguns pontos entre os mais importantes dessa Pastoral?

Penso em tudo o que há a fazer no campo da preparação ao casamento, certamente no período que antecede a sua celebração mas porque não desde os anos de adolescência - na família, na Igreja, na escola - sob a forma de uma séria, ampla, profunda educação para o verdadeiro amor, algo muito mais exigente do que uma propalada educação sexual. Penso no esforço generoso e corajoso a fazer para criar na sociedade um ambiente propício à realização de um ideai familiar cristão, baseado nos valores de unidade, fidelidade, indissolubilidade, fecundidade responsável. Penso no atendimento a dar a casais que, por variadas razões e circunstâncias, passam por momentos de crise, que poderão superar se forem ajudados, mas talvez naufragarão se faltar essa ajuda. Penso na contribuição que os cristãos, especialmente os leigos, podem oferecer para suscitar uma política social sensível aos reclamos e aos valores familiares e para evitar uma legislação nociva à estabilidade e ao equilíbrio da família. Penso enfim no incomensurável valor de uma espiritualidade familiar, a aperfeiçoar constantemente, a promover, a difundir e não posso silenciar, aqui de novo, uma palavra de estímulo e encorajamento aos movimentos familiares que se dedicam a essa obra particularmente importante.

7 . Não faltam na vivência e no magistério da Igreja elementos validíssimos para uma lúcida, abrangente, intrépida atenção pastoral às famílias. Meus predecessores nos legaram valiosos documentos. Muitos pastores e teólogos nos ofereceram o fruto de sua experiência ou de suas reflexões. Proximamente o Sínodo dos Bispos, estudando “as funções da família cristã” no mundo contemporâneo, deixarão certamente pistas para a orientação, nesta matéria delicada. Nesta fonte - e não à margem ou longe cela, menos ainda em contraste com ela - deverá beber uma verdadeira Pastoral Familiar.

Inúmeras famílias, sobretudo casais cristãos, desejam é pedem critérios seguros que os ajudem a viver, mesmo entre dificuldades não comuns e com esforço às vezes heróico, seu ideai cristão em matéria de fidelidade, de fecundidade, de educação dos filhos. Ninguém tem o direito de trair esta expectativa ou decepcionar este reclamo, disfarçando por timidez, insegurança ou falso respeito os verdadeiros critérios ou oferecendo critérios duvidosos quando não abertamente desviados do ensinamento de Jesus Cristo transmitido pela Igreja.

8 . Irmãos e filhos caríssimos, ao termo desta reflexão, voltemos a atenção para os textos do Novo Testamento, que tivemos a alegria de escutar nesta Liturgia.

Um deles, o do Evangelho de São João, retoma o ensinamento de Jesus na Sinagoga de Cafarnaum sobre o Pão da Vida: este pão, segundo assegura o Senhor, é sua própria carne que, feita alimento dos seus discípulos, lhes dá uma vida que começa aqui na terra e desabrocha na eternidade. A promessa feita em Cafarnaum se realiza plenamente na última Ceia e no mistério da Eucaristia. Este é o pão que se fez Corpo de Cristo para der a vida aos homens.

O desejo mais íntimo e mais vivo do Papa nesta hora seria o de poder por algum milagre, penetrar em cada lar do Brasil, ser hóspede de cada família brasileira. Partilhar a felicidade das famílias felizes e com elas render graças ao Senhor. Estar junto das famílias que choram, por algum sofrimento escondido ou visível, para der, se possível, algum conforto. Falar às famílias onde nada falsa, para convidá-las a distribuir o que lhes sobra e que pertence a quem não tem. Sentar-se à mesa das famílias pobres, onde o pão é escasso, para ajudá-las, não a tornar-se ricas no sentido em que o Evangelho condena a riqueza, mas a conquistar aquilo que é necessário para uma vida digna.

Se este é um desejo impossível, quero ao menos, tomando em minhas mãos daqui a pouco o Corpo de Jesus e Seu Sangue precioso, fazer um voto e uma oração: que esta Eucaristia celebrada neste templo sem fronteiras sob a cúpula deste céu do Rio de Janeiro, bem mais vasta e grandiosa do que a de Miguel Ângelo, se torne fonte de verdadeira vida para o povo brasileiro para que ele seja uma verdadeira família e para cada família brasileira para que seja célula formadora deste povo. 

 



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