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VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA JOÃO PAULO II
 A ANGOLA E SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE

(4 - 10 DE JUNHO DE 1992)

HOMILIA DO SANTO PADRE
DURANTE A CELEBRAÇÃO DA PALAVRA
AOS FIÉIS DA ARQUIDIOCESE DE LUBANGO

Praça da Revolução, Lubango
Sexta-feira, 5 de Junho de 1992

 

Reine em vossos corações a paz de Cristo, à qual fostes chamados, em um só corpo, e mostrai-vos agradecidos” (Cl 3, 15).

Meus caros irmãos e irmãs em Cristo,
Estimadas famílias angolanas,
Queridos meninos e meninas
,

1. Estas palavras do apóstolo São Paulo, proclamadas na presente Celebração, convidam-nos a entoar um cântico de louvor ao Senhor, pela graça maravilhosa da nossa vocação cristã. Essa graça reconciliou-nos com Deus e fez de nós um só Corpo, a Igreja. Em nome de Jesus Cristo e como Sucessor de Pedro, vim a esta província eclesiástica do sul de Angola, com o centro nesta arquidiocese de Lubango.

Queridos cristãos da arquidiocese de Lubango, e das dioceses de Menongue e de Ondjiva, o Papa está convosco! No meu coração, alterna-se a alegria de vos ver com o desejo de convosco dar graças ao Pai do Céu que vos sustentou admiravelmente na vossa dedicação a Jesus Cristo, como há pouco lembrava o venerado Irmão, Dom Manuel Franklin da Costa. Agradeço-lhe a saudação que me dirigiu.

O meu abraço fraterno vai para toda a gente da Huíla, do Cubango, do Cunene e do Namibe, com uma saudação deferente às suas Autoridades. Saúdo, em particular, as famílias daqui e de Angola inteira, a quem dedico agora a minha palavra de Pastor universal; com a palavra do Senhor que vos trago, quero confirmar-vos no papel que é próprio da família cristã de transmitir e defender a vida, e na sua tarefa de construir um novo mundo de paz.

2. Em África, a família é altamente considerada e o casamento foi sempre concebido como algo de muito importante. A evangelização veio, sem dúvida, completar tais bens com a graça de Cristo Redentor, ao elevar o matrimónio a sacramento, e a família a “santuário doméstico da Igreja” (Apostolicam Actuositatem, 11). Porém, influências estranhas e os acontecimentos dos últimos anos vieram causar males enormes ao casamento e às famílias de Angola.

Por um lado, a guerra dispersou as famílias, desuniu, foi ocasião para que a vida dos casais se complicasse; separou crianças dos pais ou privou-as deles. A perda das raízes pelo facto de se desconjuntar o mundo rural, e a emigração dos jovens para as cidades afectaram também a solidez familiar, tradicionalmente defendida pela atenção dos “mais velhos”.

Por outro lado, os valores familiares angolanos foram postos à prova por ideias e costumes vindos de fora, os quais propunham desviar o amor entre o homem e a mulher do seu verdadeiro sentido, em prejuízo da sua dimensão de comunidade duradoura de vida e de amor.

Queridos “casados”, não tenhais medo de ser “sinal de contradição”, à semelhança de Cristo, neste mundo que tudo quer permitir e só pensa em gozar; e assim às vezes “rejeita a indissolubilidade matrimonial e ridiculariza abertamente o empenho de fidelidade dos esposos” (Familiaris Consortio, 20). Ora pensar só no corpo do outro ou na utilidade que a sua pessoa possa ter, não é amor; é egoísmo e exploração. O amor é querer bem à pessoa do outro, mais do que a si próprio; interessar-se pela pessoa do outro e querer partilhar com ela o peso e as alegrias da vida.

3. Para chegar a viver este ideal tão nobre e exigente, é preciso que haja uma adequada preparação daqueles que, por vocação, são chamados ao matrimónio. Os primeiros missionários sentiram este apelo e levaram-no a sério, quando, há mais de um século, aqui vos anunciaram a Boa Nova cristã. Eles começaram por cuidar particularmente dos primeiros matrimónios entre aqueles que acolheram, no seu coração bem disposto, o fermento novo da mensagem de Jesus Cristo. Pode-se mesmo dizer que os bons resultados da evangelização no sul de Angola se ficaram a dever ao cuidado com que os missionários se dedicaram à formação de famílias verdadeiramente cristãs. Pois bem! Como ontem, também hoje “a evangelização depende em grande parte da "Igreja doméstica"” (Familiaris Consortio, 65).

Neste momento, renovo aqui para vós, famílias cristãs de Angola, o apelo por mim dirigido a todas as famílias do mundo: “Família, torna-te aquilo que és!” (Familiaris Consortio, 17). Sim, aquilo que és “desde o princípio” (Cfr. Mt 19, 3-6), segundo o plano de Deus Criador e Redentor. Torna-te verdadeira comunidade de amor, duradoura e firme, onde a vida humana possa germinar e crescer!

4. A família possui um bem que lhe é próprio; os filhos. Ela tem como tarefa fundamental o serviço da vida: é o seu berço e primeira escola. O respeito pela vida é uma das características mais notáveis da tradição e da cultura africana, que aceita o casamento como ele é e como Deus o quis, fecundo por sua própria natureza. Meus irmãos e amigos, rejeitai de maneira resoluta, com a vossa palavra e com o vosso exemplo, a propaganda enganadora a favor do aborto; rejeitai a destruição criminosa de pessoas inocentes e indefesas. Jovens que vos preparais para a vida, respeitai sempre a maternidade! Recordai o que nos conta o Evangelho (Cfr. Lc 1, 41. 44), quando Jesus quis ser reconhecido por João Baptista, ainda antes de nascer; João Baptista alegrou-se e saltou de contentamento perante a presença de Cristo no seio virginal de Maria!

A defesa da vida estende-se por toda a duração da mesma, desde o instante da concepção até ao seu termo natural. Assim a educação é também defesa da vida, e o núcleo familiar deverá funcionar como transmissor fiel dos valores humanos e da fé cristã. Na verdade, “os pais, que transmitiram a vida aos filhos, têm uma gravíssima obrigação de os educar e, por isso, devem ser reconhecidos como seus primeiros e principais educadores. Esta função educativa é de tanto peso que, onde não existir, dificilmente poderá ser suprida” (Gravissimum Educationis, 3). Estou a par das sérias dificuldades, que se vos deparam, nessa tarefa educativa, mas, com a graça de Deus, vós – o pai e a mãe juntos – podereis fazer da vossa família a primeira escola das virtudes humanas e cristãs.

Também neste ponto a influência da tradição antiga se está a perder. Antes, na aldeia, a família toda olhava pelo bom comportamento e pela educação dos filhos. As circunstâncias presentes têm enfraquecido essa influência da família dita “alargada”. Então aumenta a responsabilidade do pai e dos parentes mais próximos. Pais cristãos: tomai a sério a vossa obrigação de educar humana e cristãmente os vossos filhos. Eles são a vossa continuação. Dai-lhes do que tendes de melhor; uma consciência recta, uma vida cristã, a capacidade de serem membros úteis e preparados para a sociedade e o País.

Levantai os olhos para a Sagrada Família de Nazaré! Vede o estilo de vida oculta, que o Filho de Deus feito homem levava junto de Maria e de José. Diz o Evangelho: “desceu com eles, voltou para Nazaré e era-lhes submisso. Sua Mãe guardava todas estas coisas no seu coração. E Jesus crescia em sabedoria, em estatura e em graça, diante de Deus e dos homens” (Lc 2, 51-52). Que a Sagrada Família vos conceda esta profunda maturidade humana e cristã. Condição necessária para tal, é que o vosso lar seja um lugar privilegiado de oração e de catequese viva, que faça crescer os filhos na sua vocação sobrenatural e os forme para os valores dignos do homem e da mulher. Então a vossa família será verdadeiramente uma “Igreja doméstica” (Lumen Gentium, 11), onde encontrarão bom terreno para germinar e crescer as diversas vocações de que a sociedade e a Igreja precisam. Pais e mães! Às vezes esta vocação é de uma doação total ao serviço da Igreja como sacerdotes ou como consagrados na vida religiosa. Sabei discernir esta vocação, respeitai-a e colaborai para a sua realização.

5. Olhando aqui tantos dos vossos filhos e filhas, não posso deixar de lhes dirigir uma palavra: Queridos meninos e meninas, estar aqui convosco, neste momento, é uma alegria muito grande para mim. Antes de mais, quero dizer isto: em Roma, onde tenho a minha casa, quando vou visitar as paróquias, o encontro com as crianças é sempre um momento de muita alegria para mim. Sou amigo das crianças! E também sou amigo de vós todos! E vós: também sois meus amigos? Sois amigos do Papa?

Eu sou “mais velho” que vós. Posso ensinar-vos muitas coisas. Vós, se fordes bons, também podeis ensinar os “mais velhos”. Penso que andais na escola; penso que andais na catequese. É verdade? A catequese, a escola, os vossos pais e tios, o missionário, as Irmãs, o senhor Arcebispo, ensinam-vos o caminho de Deus. Eu também quero ensinar-vos o caminho de Deus. Quereis mesmo aprender o caminho de Deus?

O futuro vai ser bom para vós, se vós, com a ajuda dos vossos pais e dos vossos mestres, o preparardes bem. Preparar o futuro é aprender bem agora, é ter um coração bom, é gostar de ir falar com Jesus na igreja. Vós não gostais da guerra, pois não? Vedes! Tanta desgraça aconteceu, houve tanto sofrimento, agora há tantos meninos e meninas sem pai nem mãe. Então, eu quero dizer-vos para serdes bons, a fim de que nunca mais existam guerras.

Ser bom, às vezes custa. Tendes de rezar muito. Vós sabeis rezar? Olhai! Houve um dia três meninos, que viram Nossa Senhora; chamavam-se Lúcia, Jacinta e Francisco. Duas meninas e um rapaz. Rezavam muito; e então um dia Nossa Senhora começou a falar com eles. Nós chamamos a esses meninos os Pastorinhos de Fátima. Quantos eram? Eram três, sim. Como rezaram muito, foram muito bons. Quereis ser bons, como eles? Então rezai; rezai a Jesus, rezai a Nossa Senhora. E escutai os vossos pais e os vossos tios! Eu espero que eles só vos dão bons conselhos. Escutai também os catequistas, os vossos Mestres, e os missionários. E sede amigos uns dos outros. Está bem?

Eu também vou rezar, por vós e por todos os meninos e meninas de Angola. Estai certos de que o Papa é muito vosso amigo. Vou rezar para que todos sejam bons; para que ajudem o colega que perdeu o pai ou a mãe, ou passa necessidade. Vou rezar também para que as pessoas “mais velhas” vos dêem um País sem guerra, um país de paz e de progresso. Como não desejar a Bênção de Deus e a prosperidade para Angola, diante desta imensa riqueza que são as suas crianças – tão novas mas já tiveram de conhecer o sofrimento!

6. Em nome de Jesus, meninos e meninas, eu vos abraço a todos e abençoo. De coração, estendo a minha Bênção ao vosso pai e à vossa mãe, aos irmãos e a toda a vossa família. Abençoo todas as famílias de Angola, especialmente aquelas que mais sofrem ou foram mais sacrificadas nos últimos anos. Abençoo ainda os velhinhos e os doentes.

À Sagrada Família, eu consagro todos os corações e todos os lares angolanos, com os seus propósitos de fidelidade e de renovação. Obrigado, famílias angolanas, porque também vós quereis ser mensageiras da vida! Abri de par em par as portas do vosso lar a Cristo!

Ao terminar, deixo-vos a exortação do apóstolo São Paulo: “Tudo o que fizerdes por palavras ou por obras, seja tudo em nome do Senhor Jesus, dando graças por Ele, a Deus Pai” (Cl 3, 17). Assim seja!

 



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