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MENSAGEM DO PAPA JOÃO PAULO II
POR OCASIÃO DA CAMPANHA QUARESMAL
DA FRATERNIDADE NO BRASIL

 

Amados irmãos e irmãs em Jesus Cristo,
queridos Brasileiros,

1. Saúdo-vos cordialmente, neste encontro, já tradicional, de início da Quaresma, exortando-vos à penitência, que produza em todos frutos de vida mais cristã e de caridade mais efetiva.

A Quaresma deve marcar a vida pessoal de cada batizado e das comunidades, mediante a escuta da Palavra, a reflexão, a oração e a renúncia, para uma resposta generosa ao apelo de Deus, expresso por Isaías: “Sabeis qual é o jejum que eu aprecio?... É repartir o pão com o faminto, dar abrigo aos infelizes sem casa... Então invocarás o Senhor e Ele te atenderá” (Is. 58, 6. 7. 9). Esta Quaresma no Ano Mariano vai decorrer sob o olhar maternal de Nossa Senhora, Mãe de misericórdia, Mãe de Jesus, o Salvador. Ele veio anunciar o Reino de Deus, chamar os homens à conversão e proclamar o “mandamento novo”; e quis ser identificado nos pobres e naqueles que sofrem ou são perseguidos (Cfr. Matth. 25, 40).

Em Cristo tornou-se visível a misericórdia de Deus e o seu desígnio de que os homens todos formassem uma só família, tratando-se uns aos outros com amor fraterno: “Vós sois todos irmãos” (Ibid. 23, 8). E para isto é proporcionada a todos a força do Mistério Pascal. Quaresma é caminho para a Páscoa, para a liberdade de filhos de Deus. Esta se alcança com a libertação, do pecado e a justificação, pela graça da fé e dos sacramentos da Igreja.

2. Abre-se hoje mais uma Campanha da Fraternidade, na Igreja que está no Brasil, empenhada na sua missão de evangelizar, contribuindo para a promoção humana, por caminhos convergentes, guiada pelos seus Pastores, como mestres e educadores da fé do povo, sinais e construtores de unidade na caridade. A Campanha visa a animação pastoral da Quaresma, centrada no tema: “a Igreja e o Negro”. Trata-se de larga faixa da população brasileira, comemora-se neste ano a chamada “lei áurea” e há uma real problemática que merece solicitude pastoral, inspirada por critérios evangélicos, aderente e fiel à doutrina da Igreja acerca da dignidade da pessoa humana e da promoção dos seus direitos e tendo em vista o bem comum.

Neste campo, a Igreja repetiu a sua doutrina de sempre no Concílio Vaticano II, nomeando entre uma série de “coisas infames” a escravidão, contrária ao Evangelho, que anuncia e proclama a liberdade para todos os homens, sem exceção; e explica que a escravidão tem a sua origem última no pecado e que têm a mesma origem os fermentos de ódio e de divisão, que alimentam os preconceitos raciais e proliferam em situações conflituosas e em discriminações e emarginações (Cfr. Gaudium et spes, 27. 29).

Ora, tudo isto é contrário aos direitos e deveres imperscritíveis da pessoa humana; e não deixa de fazer com que indivíduos, famílias e grupos se vejam preteridos, deixados à margem do caminho que leva ao desenvolvimento e bem-estar, por motivo de raça ou cor. Como tenho feito alhures, quero aqui proclamar: em toda a parte, e mais ainda dentro da mesma pátria comum, todos os homens e mulheres são iguais em dignidade, diante de Deus; e nas estruturas, hão de dispor de acesso igual à vida econômica, cultural e social, participando realmente no bem comum.

Todos os que procuram sincera e cristãmente contribuir para a solução de problemas em aberto neste âmbito, tanto os diretamente interessados como os demais, precisam de dialogar, olhos nos olhos; e, reconciliados, empenhar-se, solidária e fraternalmente na obra pacífica da justiça e do desenvolvimento do homem todo e de todos os homens, no progresso. Este não consiste na riqueza amada por si mesma, desfrutada só por alguns; mas sim, na economia ao serviço do homem, no pão quotidiano, por todos granjeado e a todos distribuído, “como fonte da fraternidade e sinal da Providência divina” (Pauli VI Populorum progressio, 86).

3. A “imagem” do Criador em todos refletida, a dignidade humana e a condição de filhos de Deus a todos oferecida, com o amor evangélico, têm como consequência e exigência direta e imperativa o respeito de cada ser humano, com os seus direitos. E não há distância e, menos ainda, oposição, entre a vontade de justiça e o amor do próximo, com o amor de Deus sobre todas as coisas.

O importante é não olhar para trás, mas para a frente, dar a mão ao próximo (Cfr. Luc 10, 25), para caminhar juntos, como irmãos, em comunhão, no mesmo sentido: no sentido da construção de uma sociedade mais justa e fraterna, onde haja lugar para todos. “Sede misericordiosos, como é misericordioso o vosso Pai celeste” (Ibid. 6, 36).

Exorto-vos, irmãos e irmãs, a deixar-vos conduzir pelo Espírito de Deus, a romper com cadeias de pecado e com o egoísmo. Partilhai e dai, com espírito de solidariedade e generosamente, para que brilhe a vossa caridade; e “vendo as vossas boas obras, todos glorificarão o vosso Pai que está nos céus” (Cfr. Matth. 5, 16).

Que nesta Quaresma, seguindo o exemplo e por intercessão de Maria, Nossa Senhora Aparecida, se fortifique a nossa fidelidade ao Senhor e a nossa vida testemunhe a obediência aos seus desígnios: “Vós sois todos irmãos!”. Com esta prece, pela comunidade multirracial do Brasil, envolvendo em igual estima a todos, vos abençoo: Em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Amém!

Vaticano, 18 de Fevereiro de 1988

PAPA JOÃO PAULO II

 

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