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VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA JOÃO PAULO II AO BRASIL
[12-21 DE OUTUBRO DE 1991]

DISCURSO DO SANTO PADRE
 NO ENCONTRO COM OS REPRESENTANTES
 DAS COMUNIDADES INDÍGENAS DO BRASIL

Cuiabá, 16 de Outubro de 1991

 

Meus queridos Irmãos Índios,

1. Esperava com grande desejo o momento deste encontro com os representantes dos povos indígenas do Brasil. É um encontro que, quero confidenciar-lhes não quis deixar de ter, logo que começou a preparação de minha segunda viagem ao Brasil. Alegra-me imensamente poder estar agora com um grupo dos descendentes dos primeiros habitantes desta terra, mais numeroso do que aquele que tive a felicidade de cumprimentar há onze anos, em Manaus. Agradeço de coração o carinho com que vieram, alguns de bem longe, para estar com o Papa.

O Papa queria dizer a todos os índios do Brasil o amor que Deus e a Igreja lhes dedicam. É o mesmo amor com que Jesus Cristo, Filho de Deus e Fundador da Igreja, ama a todos os homens. Aos olhos de Deus, Criador do mundo e Pai de todos, só existe uma raça: a raça dos homens chamados a serem filhos de Deus. Aos olhos de Deus, só existe um Povo, formado por muitos povos, cada um deles com seu modo de ser, sua cultura e suas tradições: a humanidade que Jesus Cristo resgatou, e salvou, com o preço do seu Sangue. Diante do Criador, todos os homens têm o mesmo valor e uma imensa dignidade.

2. É por isso que a Igreja, desde que o primeiro missionário, Frei Henrique de Coimbra, pisou no solo bendito do Brasil, em três de maio de mil e quinhentos, tem dedicado uma atenção e um desvelo muito especial aos índios.

Pouco antes de subir ao Céu, o Senhor Jesus, Deus feito homem e Salvador do mundo, “enviou os Apóstolos a todas as pessoas, a todas as nações e a todos os lugares da terra..., para manifestar e comunicar o amor de Deus a todos os homens e povos” ( Redemptoris Missio, 31).

Seguindo este mandato de Cristo, ao longo de cinco séculos, inúmeros missionários entregaram a sua vida, sem medir sacrifícios, para levar aos povos indígenas do Brasil a alegre novidade, a Boa Nova da fé e do amor de Cristo.

A Igreja nunca deixará de repetir a todos os índios que Deus os ama, que Ele “deseja que todos os homens se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade” (1 Tm 2, 4), e que Jesus veio ao mundo para que todos “tenham vida e a tenham em abundância” ( Jo 10, 10). A Igreja, fiel ao Deus da vida, ama a vida de todos os homens e a promove com todas as suas forças.

A história de vossos povos conheceu, e conhece ainda, sombras dolorosas, sinais de morte, muitos sofrimentos e conflitos marcados pelo mal. Mas também é verdade que, junto com as sombras, conheceu luzes muito claras. Tem sido sobretudo a Igreja que vem procurando acender estas luzes, de modo incansável, entre os povos indígenas.

A Igreja, queridos irmãos índios, tem estado e continuará a estar sempre a seu lado, para defender a dignidade de seres humanos, para defender o direito a ter uma vida própria e tranqüila, no respeito aos valores positivos das suas tradições, costumes e culturas. Volto a repetir hoje os votos, que já fazia em Manaus em mil novecentos e oitenta, de que se possa chegar, em todos os problemas, a soluções justas e realistas, para que seja garantido aos índios o direito de habitar suas terras “em paz e serenidade, sem o temor de serem desalojados em benefício de outrem, mas seguros de um espaço vital que será base, não somente para a sua sobrevivência, mas para a preservação de sua identidade como grupo humano, como povo” ( Discurso aos índios em Manaus 2, 10 de julho de 1980).

Tenho recebido, com grande dor, as notícias que me chegam sobre violações desses direitos, motivadas pela ganância e por interesses escusos, com graves repercussões sobre a vida, a saúde e a sobrevivência de alguns grupos indígenas. Peço a Deus que ilumine a todos os responsáveis pelo bem comum deste país para que se encontrem soluções sábias e eficientes para essas situações lastimáveis.

3. Ao mesmo tempo, sei que outros grupos indígenas têm a felicidade de estar entre os habitantes do Brasil que dispõem, proporcionalmente, das maiores extensões de terra deste país, de imensos territórios, que já eram morada dos seus ancestrais.

A eles queria recordar as palavras de Deus, que se encontram no começo da Bíblia: Deus pôs o homem na terra “para a submeter e dominar” com o seu trabalho, “para a cultivar e guardar” (Gn 1, 28; 2, 15). É um chamado e uma missão que Deus dá a todos os seus filhos, e que estou certo de que esses grupos indígenas não deixarão de acolher com amor e responsabilidade.

4. Dizia que Deus é o Deus da vida. Só Ele é o Senhor da vida e da morte. É preciso agradecer a vida como um dom divino, e lutar para que não haja nunca, por motivo algum, ações que signifiquem um desrespeito à vida própria ou à de outros, sejam eles homens ou mulheres, adultos ou crianças. Nenhum ser humano tem o direito de atentar contra a própria vida ou a de seu irmão. A vida é um dom de Deus!

Foi para anunciar aos povos indígenas esta Vida que é a “graça de Deus, fonte de salvação para todos os homens” (Tt 2, 11) que, desde os alvores da história do Brasil como Nação, milhares de missionários partiram de terras longínqüas, deixaram sua pátria e suas famílias, e se consagraram, com uma abnegação sem limites, à evangelização dos índios do Brasil.

Trata-se de uma epopéia grandiosa, que, mesmo no meio de suas dificuldades e inevitáveis fraquezas humanas, merece a nossa admiração e nos leva a levantar o coração a Deus em ação de graças.

Sim, é justo, é justíssimo, prestar um preito de homenagem a todos os valorosos e sacrificados missionários que, ao longo de séculos, consumiram sua existência para que a mensagem salvadora de Cristo iluminasse os corações, as vidas e as culturas dos povos indígenas do Brasil. É realmente admirável verificar que, desde os começos, um grande número deles, seguindo o exemplo do Bem-aventurado José de Anchieta, souberam ter a clarividência de fazer o que hoje se propõe como ideal a todos os missionários: inserir a Igreja nas culturas dos povos, encarnar o Evangelho na vida e, ao mesmo tempo, introduzir a todos com as suas culturas, na própria comunidade da Igreja, transmitindo-lhes sua verdade, assumindo, sem comprometer de modo nenhum a especificidade e a integridade da fé cristã, o que de bom existe nessas culturas, e renovando-as a partir de dentro (Redemptoris Missio, 52).

Estes missionários, de ontem e de hoje, franciscanos, capuchinhos, salesianos, jesuítas, dominicanos, carmelitas, beneditinos e tantos outros, são um exemplo luminoso e perene. Não posso negar a grande dor que sinto ao ter conhecimento de que alguns poucos, inclusive alguns que deveriam ver neles o seu modelo, têm tentado denegri-los, com uma visão distorcida, mais política e ideológica do que religiosa, da história da evangelização no Brasil.

Há onze anos, em Manaus, dizia: “eu me ajoelho... diante de cada uma dessas figuras de missionários, homens como nós, com defeitos e fraquezas, engrandecidos, porém, pelo testemunho do dom pleno de si mesmos às missões” (Homilia em Manaus 7,11 de julho de 1980). Hoje o Papa, o Sucessor de Pedro quer repetir espiritualmente, como sinal de amor e desagravo, as mesmas palavras e o mesmo gesto. Junto de Deus, na casa do Pai, uma legião de missionários já deve estar gozando da “alegria do seu Senhor” (Mt 25, 21), e, estou certo de que agora intercedem para que as bênçãos do Céu se derramem sobre os missionários de hoje e sobre os seus queridos índios.

5. Amados irmãos índios! Eu me sentirei imensamente feliz se, neste encontro, puder deixar bem forte no coração de cada um a alegria de saber que Deus o ama, que a Igreja o ama. Tenham a certeza de que a Igreja está e continuará a estar a seu lado. Ela, que tem a missão de levar a todos os cantos da terra a palavra salvadora do Evangelho, será sempre para todos a servidora do Deus da vida, do Deus que quer para cada um uma vida plena nesta terra e, depois, uma vida de eterna felicidade no Céu.

Recebam meu carinho, e que Deus os abençoe!

 



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