DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II
AOS MEMBROS DA CONFERÊNCIA EPISCOPAL
DA INGLATERRA E DO PAÍS DE GALES
EM VISITA «AD LIMINA APOSTOLORUM»
Eminência
Queridos Irmãos Bispos
1. É no amor do Senhor Jesus que vos dou as boas-vindas — Bispos da Inglaterra e do País de Gales — por ocasião da vossa visita ad limina Apostolorum, e faço extensivas as minhas cordiais saudações aos sacerdotes, diáconos, religiosos e fiéis leigos das Igrejas particulares a que presidis no amor. Neste ano celebra-se o 1.400° aniversário da chegada à Bretanha de Santo Agostinho, o Apóstolo dos Ingleses, cuja obra no meio dos anglo-saxões lançou o fundamento para o sucessivo crescimento do Cristianismo na vossa terra. O nosso presente encontro está ligado de maneira muito real àqueles eventos que ocorreram há 14 séculos. Os vínculos de comunhão eclesial, que naquela época foram entretecidos entre a Sé Apostólica e essa parte da Igreja universal confiada ao vosso cuidado, sobreviveram às vicissitudes da história e são vivamente expressos e renovados mediante a vossa visita, que tem um dos seus momentos de maior relevância na vossa profissão de fé junto dos túmulos dos Príncipes dos Apóstolos, Pedro e Paulo. Viestes para «visitar Pedro» (cf. Gl 1, 18) na pessoa do seu Sucessor na Sé de Roma, «a maior e mais antiga Igreja» (Santo Ireneu, Adv. Haer., III.3.2). Desta forma, a vossa visita dá testemunho do singular ministério de unidade, que o Bispo de Roma desempenha em benefício de toda a grei de Cristo (cf. Jo 21, 15- 17), evocando também a comum responsabilidade que nós, Bispos, temos «por todas as Igrejas» (2 Cor 11, 28).
A imagem da primeira Comunidade cristã, como é descrita no Actos dos Apóstolos — «era perseverante em ouvir o ensinamento dos Apóstolos, na comunhão fraterna, na fracção do pão e nas orações» (2, 42) — constitui uma recordação de que a Igreja é uma amorosa comunhão de crentes congregados à volta dos Apóstolos e dos seus Sucessores, e está constantemente a formar-se numa unidade de fé, disciplina e vida, no poder do Espírito Santo. O Senhor confiou ao Colégio Episcopal de maneira particular a tarefa de edificar a koinonia e, por conseguinte, jamais devemos cessar de encorajar o Povo de Deus a ter «um só coração e uma só alma» (Act 4, 32). É importante que aos olhos da Igreja e do mundo nós, Pastores, nos mostremos «reunidos pelos vínculos da unidade, da caridade e da paz» (Lumen gentium 22), conduzindo os fiéis a uma união cada vez maior com Deus Trindade (cf. 1 Jo 1, 3) e à comunhão recíproca no Corpo de Cristo (cf. 1 Cor 10, 16). Num espírito de confiança evangélica, devemos esforçar-nos por tornar a nossa comunhão cada vez mais profunda e cordial.
2. A aproximação do Grande Jubileu constitui um premente convite aos Pastores da Igreja a guiarem as comunidades que lhes são confiadas, numa peregrinação espiritual rumo ao cerne mesmo do Evangelho. O nosso caminho rumo ao Ano 2000 deveria adquirir a forma de uma busca genuína de conversão e de reconciliação, purificando-nos dos erros do passado e das instâncias de infidelidade, de incoerência e de atraso na acção (cf. Tertio millennio adveniente, 33). Certamente, não basta fazer declarações públicas de arrependimento pelos erros cometidos no passado. Devemos recordar-nos — a nós mesmos e aos fiéis — da natureza radicalmente pessoal do arrependimento e da conversão exigida. A alegria do Jubileu é «de modo particular a alegria pela remissão das culpas, a alegria da conversão» (Ibid., 32). Neste sentido, constitui uma ocasião para ajudar os fiéis a recuperarem o verdadeiro «sentido do pecado» (cf. 1 Jo 1, 18), levando a um renovado apreço da beleza e do júbilo do Sacramento da Penitência (cf. Pastores dabo vobis, 48). Só haverá uma renovação da prática sacramental se existir um interesse determinado pelo Sacramento da Reconciliação na pregação, na catequese, nos programas e nos projectos pastorais das dioceses. O melhor catequista da Reconciliação é o sacerdote que recorre regularmente a este Sacramento. Os sacerdotes, que se dedicam ao ministério da reconciliação, sabem que se trata de uma tarefa exigente e com frequência exaustiva, e contudo de «um dos mais belos e consoladores ministérios » da sua vida (Reconciliatio et paenitentia, 29). Por outro lado, num certo sentido os fiéis têm o direito de dispor de horários estabelecidos para a confissão na própria paróquia e de encontrar os seus sacerdotes sempre prontos a receber as pessoas que estiverem em busca da confissão.
3. A paróquia permanece o lugar em que normalmente os fiéis se reúnem como uma única família para ouvir a palavra salvífica de Deus, para celebrar os sacramentos com dignidade e reverência, e para ser inspirados e revigorados na sua missão de consagrar o mundo na santidade, na justiça e na paz. A paróquia torna presente o mistério da Igreja como uma comunidade orgânica em que «o pároco — que representa o Bispo diocesano — é o vínculo hierárquico com toda a Igreja particular» (Christifideles laici, 26). Outras instituições, organizações e associações são sinais de vitalidade, instrumentos de evangelização e fermento de vida cristã, enquanto contribuem para a edificação da comunidade local na unidade da fé e da vida eclesial. Cada comunidade em que os fiéis se congregam para receber o alimento espiritual e trabalhar no serviço eclesial, deve estar plenamente aberta à «unidade do Espírito no vínculo da paz» (Ef 4, 3) — unidade que exige uma conexão orgânica com a Igreja particular, garantindo o carácter eclesial de tal comunidade e pondo em prática os seus carismas.
Os pastores têm o dever de promover «os carismas, os ministérios, as várias formas de participação do Povo de Deus, embora sem decair num democratismo e num sociologismo, que não reflectem a visão católica da Igreja e o autêntico espírito do Vaticano II» (Tertio millennio adveniente, 36). No documento The Sign We Give («O sinal que nós damos»), aprovado pela vossa Conferência Episcopal em 1995, reconheceis a necessidade de fortalecer «o ministério de colaboração» entre os Bispos, os sacerdotes, os religiosos e os leigos, de forma que uma comunhão genuína na missão seja cada vez mais evidente na vida diocesana e paroquial. Trabalhar em conjunto, num autêntico «anúncio do Evangelho» (Fl 1, 5), exige muito mais do que uma distribuição das tarefas orientada segundo a necessidade prática. Tal trabalho tem o seu fundamento nos Sacramentos da iniciação cristã (cf. Christifideles laici, 23) e requer uma consciência dos diferentes dons que o Espírito confia ao inteiro Corpo de Cristo (cf. 1 Cor 12, 4-13). Precisamente por este motivo, exige também uma clarividência teológica e prática no que concerne à especificidade do sacerdócio ministerial. Não é porventura verdade que, quanto mais se aprofunda o sentido de vocação dos leigos, tanto mais eles reconhecem a consagração sacramental do sacerdote e o papel específico deste na promoção «do sacerdócio baptismal de todo o Povo de Deus, conduzindo- o à sua plena actuação eclesial» (Pastores dabo vobis, 17)?
4. Os sacerdotes constituem a grande obra do vosso ministério episcopal. Em cada aspecto e fase das suas vidas sacerdotais, devem ser o sujeito da vossa oração e o objecto da vossa amorosa solicitude. Desde a vossa última visita ad Limina, completou-se a visita canónica aos seminários da Inglaterra e do País de Gales, confirmando que actualmente, talvez mais do que no passado, os candidatos precisam de ser orientados nas áreas do desenvolvimento humano e da formação, de maneira especial no que se refere aos relacionamentos interpessoais em geral, à castidade, ao celibato e a toda a gama de atitudes e qualidades que os hão-de levar a tornar-se seres humanos amadurecidos e equilibrados, dotados nas relações com os outros e psicologicamente preparados para as exigências da vida e do trabalho sacerdotais. Eles têm necessidade de uma formação humana, espiritual, académica e pastoral profundamente assimilada, se quiserem preparar-se para o sacerdócio em conformidade com o espírito de Cristo e da Igreja. É significativo que a vossa Conferência Episcopal esteja a rever a Carta para a formação sacerdotal, uma revisão que há-de levar em consideração a Exortação Apostólica pós-sinodal Pastores dabo vobis e os principais Documentos da Santa Sé, no seu desejo de apresentar a compreensão da Igreja acerca do ministério sagrado como uma configuração sacramental com Jesus Cristo, tornando os sacerdotes capazes de agir in persona Christi Capitis e no nome da Igreja.
A visita canónica teve em consideração a cooperação específica dos membros dos leigos, tanto homens como mulheres, na formação dos sacerdotes. Esta cooperação dará os almejados frutos se for «oportunamente coordenada e integrada» no trabalho das pessoas responsáveis, em primeira linha, pela formação dos seminaristas (Pastores dabo vobis, 66). É sempre necessário distinguir entre a formação específica dos seminaristas que se preparam para as Ordens sagradas e os cursos oferecidos àqueles que são destinados a exercer outros ministérios no seio da Igreja. A formação sacerdotal não é apenas e principalmente uma questão de desenvolver as capacidades pastorais, mas de forjar os sentimentos — o verdadeiro coração e a verdadeira mente — de Jesus Cristo (cf. Fl 2, 5) nas pessoas que haverão de representar o Sumo e Eterno Sacerdote.
Como podemos deixar de mencionar a importância da oração fervorosa e constante, de forma especial nas famílias e nas paróquias, para um incremento das vocações ao sacerdócio e à vida religiosa? O apostolado das vocações depende enormemente do apostolado da oração. Assim como o discípulo André, que conduziu o seu irmão Simão a Jesus (cf. Jo 1, 40-42), também o Bispo tem uma responsabilidade pessoal na promoção de novas vocações ao serviço do Senhor. Enquanto o Bispo deveria encorajar os sacerdotes e os religiosos a fazer tudo o que lhes é possível neste campo, deve inclusivamente apoiar programas específicos, destinados a levar os jovens a entrar em contacto com o seminário e com as diferentes formas de vida consagrada. Nisto, é essencial contar com a cooperação de sacerdotes e de pessoas consagradas, que efectivamente projectem uma imagem positiva da própria vocação. A moral cristã e a investigação científica
5. Os fiéis esperam que vós, quer individualmente como Bispos, quer como Conferência, lhes dediqueis a orientação espiritual e moral que os há-de ajudar a responder às complexas problemáticas que se apresentam a eles mesmos e às suas famílias, na sociedade contemporânea. Esperam que os seus directores espirituais sejam capazes de compartilhar com eles as «razões da esperança» (cf. 1 Pd 3, 14), a esperança que deriva da verdade acerca do homem como criatura amada por Deus, remida mediante o sangue de Cristo e destinada à comunhão eterna com Ele no Céu; a verdade sobre a dignidade do homem e, consequentemente, sobre a sua responsabilidade pela vida e pelo mundo em que vive.
Hoje em dia, tende-se a considerar a própria vida humana em conformidade com uma «mentalidade consumista». A vida só é valorizada se for útil de alguma forma ou se puder oferecer satisfação e prazer. O sofrimento é rejeitado como um mal insignificante, a ser evitado custe o que custar. As elites influentes procuram convencer a opinião pública a autorizar o aborto e a eutanásia, como soluções moralmente aceitáveis para os problemas da vida. Àqueles que actualmente procuram salvaguardar o chamado «direito a morrer com dignidade », a Igreja não pode deixar de responder que os cristãos têm a clara obrigação de se oporem à legislação que ameaça a vida humana ou nega a sua dignidade (cf. Evangelium vitae, 72). Como Bispos, devemos ensinar que o cuidado da vida exige que todos respeitem a diferença médica, moral e ética entre curar — utilizando todos os instrumentos disponíveis para cuidar da vida, desde a sua concepção segundo a natureza até ao seu termo natural — e matar. Perante os recentes progressos na biotecnologia, com implicações morais extremamente delicadas, a Igreja inteira, guiada pelo Colégio Episcopal em união com o Papa, deve proclamar categórica e claramente que a investigação científica só é verídica em si mesma como actividade humana, se respeitar a ordem ética inscrita pelo Criador no coração do homem (cf. Rm 2, 15).
6. De igual modo, quando vos pronunciais contra a injustiça e encorajais os fiéis leigos a serem o «sal da terra» (cf. Mt 5, 13), dizeis que a autêntica renovação da vida social e política se fundamenta sobre a ordem moral revelada na criação (cf. Rm 2, 15) e iluminada pelo mistério de Cristo, em quem «subsistem todas as coisas» (Cl 1, 17). Com efeito, a difusão da doutrina social da Igreja faz «parte da missão evangelizadora da Igreja» (Sollicitudo rei socialis, 41). O Grande Jubileu do Ano 2000 traz consigo o desafio de «se fazer voz de todos os pobres do mundo» (Tertio millennio adveniente, 51), e oferece à Igreja, que está na Inglaterra e no País de Gales, a ocasião para estabelecer uma nova aliança com os pobres — com os necessitados, os sofredores, os abandonados e especialmente as pessoas, cujas vidas são ameaçadas no seio materno ou negligenciadas e levadas a sentir-se incómodas nos anos da própria senilidade. Exorto-vos a insistir para que os fiéis e a sociedade em geral cumpram o dever que consiste em ver em cada pessoa a «manifestação de Deus, sinal da sua Presença, vestígio da sua Glória» (Evangelium vitae, 34).
7. O vosso serviço de comunhão eclesial leva-vos necessariamente a um leal e respeitoso diálogo com as pessoas que não vivem em plena comunhão com a Igreja católica. Acolhestes o urgente apelo da Carta Encíclica Ut unum sint, na qual eu disse que o restabelecimento da plena unidade visível de todos os cristãos «pertence organicamente à vida e à acção da Igreja, devendo, por conseguinte, permeá-la no seu todo» (n. 20). O caminho ecuménico não é isento de dificuldades, nem de aparentes retrocessos, entre os quais se deve incluir a decisão da Igreja da Inglaterra de admitir as mulheres ao ministério ordenado. Enquanto continuais a buscar, juntamente com os membros de outros Organismos cristãos, uma mais profunda compreensão da natureza do ministério e da autoridade magisterial da Igreja, sois chamados a explicar os motivos por que a Igreja católica afirma que não possui a autoridade para mudar algo tão fundamental no corpo da Tradição cristã (cf. Ordinatio sacerdotalis, 4). Os fiéis deveriam ser ajudados a compreender que tal ensinamento não constitui uma discriminação contra as mulheres, uma vez que o sacerdócio não é um «direito» ou um «privilégio», mas uma vocação que não se escolhe, mas à qual se é «chamado por Deus, à maneira de Aarão» (Hb 5, 4). Por outro lado, incumbe sobre a comunidade eclesial promover um maior apreço dos dons específicos das mulheres e torná-las capazes de se empenharem mais activamente em funções de responsabilidade no seio da Igreja (cf. Carta às Mulheres, 11-12). Todos nós devemos esforçar-nos neste sentido, confiantes de que a Igreja no Terceiro Milénio suscitará novos modos de «o génio feminino» edificar o Corpo de Cristo.
8. Estimados Irmãos no Episcopado, rezo ardentemente para que a vossa visita aos túmulos dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo vos encoraje a perseverar na obra de Cristo, eterno Sacerdote, Pastor e Guardião das nossas almas (cf. 1 Pd 2, 25). «Vós estais no meu coração. De facto, participais comigo da graça que recebi... na defesa e na confirmação do Evangelho» (Fl 1, 7). Como Bispos, em obediência à única verdade que nos há-de libertar (cf. Jo 8, 32), somos frequentemente chamados a repetir as «duras admoestações» (cf. Jo 6, 60) e indicar a «porta estreita e o caminho difícil que levam à vida» (cf. Mt 7, 14). Procuramos fazê-lo com compaixão e respeito por todas as pessoas. Devemos caminhar juntamente com os nossos irmãos e irmãs, abraçando com amor todas as pessoas aflitas pela debilidade humana e reconhecendo nos pobres e nos sofredores a semelhança do nosso Senhor e Mestre, pobre e sofredor (cf. Lumen gentium, 8). A nossa esperança e confiança estão sempre fundadas no poder do Senhor ressuscitado. Invocando abundantes bênçãos do Espírito Santo sobre vós e sobre as pessoas confiadas ao vosso cuidado pastoral, recomendovos à intercessão de Maria, Mãe da Igreja e, do íntimo do coração, concedo- vos a minha Bênção Apostólica.
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