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DISCURSO DO SANTO PADRE
AO PRIMEIRO EMBAIXADOR DE ANGOLA
 JUNTO DA SANTA SÉ POR OCASIÃO
DA APRESENTAÇÃO DAS CARTAS CREDENCIAIS*

Sábado, 7 de Fevereiro de 1998

 

 

Senhor Embaixador

A sua presença, hoje aqui, representa o coroamento das relações diplomáticas entre esta Sede Apostólica e o seu País, instituídas no dia 8 de Julho de 1997. É, pois, com muito prazer que recebo as Cartas Credenciais que o designam como primeiro Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário da República de Angola junto da Santa Sé. Agradeço-lhe as amáveis palavras e delicados sentimentos que me manifestou e, em particular, os deferentes cumprimentos e votos que me transmitiu da parte de Sua Excelência o Presidente da República José Eduardo dos Santos, que quis evidenciar o dia e acto da constituição das nossas relações diplomáticas com a sua aprazível visita aqui ao Vaticano. Peço a Vossa Excelência que exprima as minhas venturosas saudações ao Senhor Presidente, juntamente com a certeza das minhas preces pela reconciliação e prosperidade do seu povo.

Estabelecendo já em Roma a residência do seu Representante, as autoridades angolanas deram provas da importância que atribuem à consolidação daqueles vínculos com o Sucessor de Pedro que a fé e a história têm vindo a forjar na alma das sucessivas gerações dos povos residentes nos territórios que hoje são Angola. Tendo eles abraçado o Evangelho de Jesus Cristo como resposta cabal aos seus anseios de salvação, por vezes sentiam-se defraudados em suas expectativas devido a limitações e misérias humanas ou a vicissitudes e contratempos da história. Ora, quando queriam testemunhar a homenagem da sua jubilosa gratidão pela fé recebida ou então quando precisavam de achar remédio para as carências pastorais ou mesmo agravos de que eram vítimas, pensavam em Roma, segundo as palavras do Senhor Embaixador, que, nesta linha, pôde interpretar a sua presença aqui como a realização de um sonho com cinco séculos. Ao dar-lhe, pois, as minhas cordiais boas-vindas a este acto de apresentação, quero assegurar-lhe a minha estima no desempenho da elevada missão que o seu Governo lhe confiou, assim como reiterar, perante Vossa Excelência, o profundo afecto que sinto por todos os filhos do seu País.

Pude, durante a minha Visita Pastoral a Angola no mês de Junho de 1992, sentir pessoalmente a calorosa adesão e amizade que os angolanos nutrem pelo Sucessor de Pedro e admirar os profundos sentimentos religiosos que brotavam dos seus corações num clamor de paz e de justiça. A feliz recordação que conservo daqueles dias tornou-se oração durante os dolorosos acontecimentos que, nos últimos meses daquele mesmo ano de 1992, abalaram a vida social e política do país, recaindo na armadilha da violência que haveria de perdurar até ao mês de Novembro de 1994, quando Angola, pelos Acordos de Lusaca e consequente formação do Governo de Unidade e Reconciliação Nacional e com a presença de todos os deputados na Assembleia Nacional, retomou o caminho do pluralismo político e da democratização da vida social.

Este caminho é difícil e cheio de obstáculos; mas a cultura da violência deve dar lugar à cultura da paz. Só uma vontade sincera de se chegar a uma reconciliação efectiva pode permitir superar as resistências e fazer com que se anteponha o bem comum aos interesses particulares. Deus abençoa os esforços corajosos de líderes clarividentes na sua busca do melhor bem da Nação. Neste sentido, junto a minha voz àquelas que se erguem de todos os lados a pedir que se concretize o mais rapidamente possível o tão desejado encontro directo entre o Senhor José Eduardo dos Santos e o Senhor Jonas Malheiro Savimbi, que – como todos esperam – fará crescer o clima de confiança e de estima recíproca, que muito contribuirá ao processo de normalização nacional e na região.

Os angolanos não vão deixar que a guerra continue a hipotecar o seu futuro, sob as formas de medo, suspeita e divisão. Na minha Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 1997, disse que «não se pode ficar prisioneiros do passado; os indivíduos e os povos têm necessidade de "purificação da memória", a fim de que os males de ontem não voltem a repetir-se. Não se trata de esquecer o sucedido, mas de o reler com sentimentos novos, aprendendo precisamente das experiências sofridas que só o amor constrói, enquanto o ódio produz devastação e ruínas» (n° 3). Ao falar de sentimentos novos, pensava concretamente na oferta do perdão. O perdão e a reconciliação são os caminhos que permitem consolidar os vínculos de solidariedade das pessoas e dos povos. Desta solidariedade nascerá a paz verdadeira e duradoura por que todos suspiram.

Outro sentimento é o diálogo como opção de crescimento pessoal e comunitário. Todos devem favorecer o diálogo, tanto na vida pública como nos diversos sectores da vida social; isto permitirá a cada pessoa, a cada grupo ser reconhecido na sua diversidade e, ao mesmo tempo, sentir-se chamado a servir a sua pátria. A existência de grupos diferentes no seio da nação constitui simultaneamente um desafio e uma oportunidade, sobretudo para os líderes políticos e os legisladores. As autoridades civis têm necessidade de estar conscientes das reivindicações legítimas dos vários grupos, correspondendo-lhes de maneira apropriada.

Posso assegurar-lhe, Senhor Embaixador, que a Igreja e a Santa Sé querem colaborar com a Nação e os governantes angolanos, do mesmo modo que o Governo e a Nação desejam colaborar com a Igreja. O carácter desta cooperação foi claramente definido pelo Concílio Vaticano II, na Constituição Pastoral Gaudium et spes, sobre a Igreja no mundo contemporâneo: «A comunidade política e a Igreja (...), embora por títulos diversos, servem a vocação pessoal e social dos mesmos homens. E tanto mais eficazmente exercitarão este serviço para bem de todos, quanto melhor cultivarem entre si uma sã cooperação, tendo igualmente em conta as circunstâncias de lugar e de tempo» (n° 76). O homem, na sua dimensão existencial transcendental, é um lugar de encontro da Igreja e da comunidade política.

Consciente desta sua missão em favor do homem, a Igreja não pretende interferir na orientação concreta da vida político-social da nação, mas deseja, no âmbito do seu mandato, indicar aquelas motivações que recebe do Evangelho e da fé; motivações essas que ajudam a unir os corações e as mentes na construção duma sociedade sã, forte e tolerante, capaz de resolver os conflitos por meio do diálogo, duma sociedade angolana aberta ao homem e, nas relações internacionais, aberta à África e ao mundo. A Igreja apoiará todo o esforço e iniciativa cujo objectivo seja o bem comum de todos.

Senhor Embaixador, a sua presença aqui confirma que a República de Angola iniciou realmente uma nova era. Estou persuadido de que, como resultado da missão que hoje Vossa Excelência assume, os vínculos de amizade e cooperação entre a sua Nação e a Santa Sé hão-de crescer e consolidar-se. Garanto-lhe que os vários Organismos e Dicastérios da Cúria Romana estarão sempre prontos a assisti-lo no cumprimento dos seus deveres. Ao renovar os meus votos pelo bom êxito da sua missão, invoco as bênçãos do Altíssimo sobre Vossa Excelência, sua distinta família e directos colaboradores na Embaixada, sobre o Governo e o querido povo de Angola.


*Insegnamenti di Giovanni Paolo II, vol. XXI, 1 p. 307-310.

L'Osservatore Romano 8.2.1998 p.4.

 

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