MENSAGEM DO SANTO PADRE
AO CARDEAL CAMILLO RUINI NA
CELEBRAÇÃO DOS 20 ANOS DA
"FAMILIARIS CONSORTIO"
1. Foi com profunda estima que tomei conhecimento de que a Igreja que está na Itália se prepara para celebrar o 20º aniversário da Familiaris consortio com uma série de iniciativas: elas serão de grande ajuda para o Povo de Deus, para todos aqueles que se encontram em busca da verdade e para a própria sociedade civil. Trata-se de iniciativas importantes que desejo acompanhar com a oração e com afecto sincero, à espera do encontro com as famílias italianas, na vigília que terá lugar na Praça de São Pedro, sábado 19 de Outubro, e na Santa Missa, que terei a alegria de celebrar no dia seguinte, por ocasião da Beatificação dos cônjuges Luigi e Maria Beltrame Quattrocchi.
Quando, nos primeiros tempos do meu Pontificado, inaugurei os trabalhos do Sínodo sobre a Família, a 26 de Setembro de 1980, disse que "a família é o objecto fundamental da evangelização e da catequese da Igreja, ela é também o seu sujeito indispensável e insubstituível: o sujeito criativo", e acrescentei que, por esta sua força criativa, "é precisamente a família que dá vida à sociedade". Depois, concluí o discurso aos Padres sinodais, recordando que todas as tarefas da família se resumem numa, que é fundamental: "guardar e conservar simplesmente o homem!".
2. Muitos se perguntam: por que motivo a família é tão importante? Porque insiste tanto a Igreja sobre o tema do matrimónio e da família? O motivo é simples, embora nem todos consigam compreendê-lo: é da família que depende o destino do homem, a sua felicidade, a capacidade de dar sentido à sua existência. O destino do homem depende do destino da família, e é por isso que não me canso de afirmar que o futuro da humanidade está estreitamente ligado ao da família (cf. Familiaris consortio, 86). Esta verdade é tão evidente que parece paradoxal a atitude, infelizmente demasiado difundida, de quem descuida, ofende e torna relativo o valor do matrimónio e da família.
A visão do homem, a interpretação da sua unidade pessoal, em que se exprimem as dimensões corpórea, intelectual e espiritual, o significado dos afectos e da geração da vida estão no centro de um debate histórico, que influi profundamente sobre a condição da família. Diante desta situação, a primeira tarefa da Igreja consiste em fazer emergir os motivos que tornam urgente e necessário o compromisso de todos os cristãos em favor da família. Ao mesmo tempo, é tarefa das próprias famílias e de todas as pessoas de boa vontade fazer todo o esforço para que sejam reconhecidos os direitos desta instituição social fundamental, em benefício dos indivíduos e de toda a sociedade.
3. O Sínodo das Famílias assinalou a vida da Igreja no seu caminho de actuação do Concílio Vaticano II, e a Familiaris consortio, que resumiu o seu precioso trabalho, representa uma etapa decisiva na identificação das responsabilidades da família e daquilo que é necessário fazer para a ajudar na realização das suas funções insubstituíveis. A vinte anos desta Exortação Apostólica, devemos agradecer a Deus os copiosos frutos que dela derivaram para a Igreja e para a sociedade, e devemos recolher os rebentos de bem que brotaram no coração das famílias, que à luz dos ensinamentos nela propostos estão a inaugurar uma nova estação de profundo protagonismo. Estes vinte anos serviram para fazer amadurecer uma difundida consciência da vocação e da missão da família e, como acontece no normal decurso da vida humana, nesta altura tem início a estação da maturidade, a estação da plena assunção das responsabilidades.
É necessário que a Igreja acompanhe de maneira adequada este caminho oferecendo, a partir dos recursos espirituais que mergulham as suas raízes na graça sacramental do matrimónio, também todas as contribuições humanas, culturais e sociais que podem ajudar a família a apresentar-se como centro e encruzilhada da vida eclesial e social. É preciso ultrapassar todo o dualismo ingénuo e impróprio entre vida espiritual e vida social. O bem da família é um bem integral, e as várias dimensões da sua existência não são separáveis. A sua vida, enquanto célula fundamental da Igreja e da sociedade, tem sempre um valor social e público, que deve ser reconhecido, tutelado e promovido.
4. A família está no princípio da história da salvação, mas encontra-se também no início da história da humanidade e podemos dizer que é a sua essência, porque a história do homem é substancialmente história de amor. Nunca podemos esquecer que "o homem não pode viver sem amor. Ele permanece para si próprio um ser incompreensível e a sua vida é destituída de sentido, se não lhe for revelado o amor, se ele não se encontra com o amor, se não o experimenta e se não o torna algo próprio, se nele não participa vivamente" (cf. Redemptor hominis, 10, citado pela Familiaris consortio, 18).
À volta deste núcleo central da existência humana gira a família e dele tira a sociedade a sua origem. Ainda hoje, com muita frequência esta verdade é esquecida, falsificada e espezinhada. Portanto, devem multiplicar-se as ocasiões de estudo e de reflexão, as formas de mobilização das famílias, as iniciativas culturais, sociais e políticas que contudo, no respeito das funções e das competências, sejam capazes de ajudar os responsáveis pelo bem comum a agir em coerência com a verdade do homem, que comporta sempre e em primeiro lugar a salvaguarda da vida humana do matrimónio e da família. Desde há muito tempo, a Igreja que está na Itália trabalha em benefício da família também nesta direcção, unindo na óptica do projecto cultural a acção pastoral com uma incisiva presença nos campos da cultura e da comunicação.
5. É de grande relevância para a comunidade eclesial e para a amada Nação italiana, este Congresso promovido pela Comissão Episcopal para a Família e a Vida, pelo Foro das Associações Familiares e pelo Serviço Nacional para o Projecto Cultural, sobre o tema "A família como sujeito social. Raízes, desafios e projectos", que se realizará em Roma nos dias 18-20 de Outubro e contará com a participação de mais de mil delegados das dioceses e das associações familiares. Desejo fazer chegar aos participantes os meus mais ardentes votos para o bom êxito dos trabalhos e uma bênção especial, a fim de que esta preciosa ocasião de estudo e de diálogo revigore as convicções sobre o valor do matrimónio e da família, e suscite um renovado entusiasmo no compromisso de serviço à família. O tema escolhido indica com clarividência a direcção que é necessário tomar para transformar a situação social que, inclusivamente na Itália, ainda não vê a realização integral de um projecto coerente no sector das políticas familiares, com frequência mencionadas mas nem sempre praticadas.
É necessário, sobretudo, passar de uma consideração da família como sector, para uma visão da família como critério de medida de toda a acção política porque, para o bem da família, concorrem todas as dimensões da vida humana e social: a salvaguarda da vida humana, o cuidado da saúde e do meio ambiente; os planos reguladores das cidades, que devem oferecer condições de habitação, de serviços e de espaço verde à medida das famílias; o sistema escolar, que deve garantir uma pluralidade de intervenções, de iniciativa tanto governamental como de outros sujeitos sociais, a partir do direito de escolha dos pais; a revisão dos processos de trabalho e dos critérios fiscais, que não se podem basear apenas na consideração de cada um dos sujeitos descuidando ou, pior ainda, penalizando o núcleo familiar.
6. O trabalho que espera os participantes no Congresso é mais vasto e comprometedor do que nunca, mas hoje existem as condições para uma significativa inversão de tendência, a partir de uma coerente assunção do princípio de subsidiariedade nas relações entre Estado e família, e de um vigoroso impulso cultural que volte a pôr no centro da estima e da atenção de todos o valor do matrimónio e da família. Com efeito, a relação correcta entre o Estado e a família está assente na instituição jurídica do matrimónio que é, e deve permanecer, como afirma a Constituição da República italiana, o elemento de garantia para o reconhecimento social das famílias. O matrimónio é também a condição que permite ao Estado pôr em prática um correcto e necessário discernimento entre a família autêntica com os seus direitos inalienáveis e outras formas de convivência.
Um fundamental ponto de referência permanece aquilo que tive a ocasião de escrever na Familiaris consortio: "A instituição matrimonial não é uma ingerência indevida da sociedade ou da autoridade, nem a imposição extrínseca de uma forma, mas uma exigência interior do pacto de amor conjugal que publicamente se afirma como único e exclusivo, para que seja vivida assim a plena fidelidade ao desígnio de Deus Criador" (n. 11).
Sem dúvida, a contribuição qualificada dos relatores, dos peritos e de todos os participantes no Congresso serão úteis para encontrar os caminhos mais idóneos em ordem à afirmação e ao desenvolvimento de tudo isto nesta nova estação. Com efeito, por um lado as famílias esperam legitimamente a realização de condições sociais que correspondam às suas exigências e, por outro, devem contribuir para edificar um novo modelo social através do seu compromisso directo e graças à ajuda das associações familiares que as representam. Desejo expressar a mais profunda estima por quanto realiza na Itália o Foro das Associações familiares, que possui o mérito de ter favorecido um debate de elevado nível sobre as problemáticas do sector social, dando voz às instâncias mais autênticas da família e contribuindo assim para o bem de toda a sociedade italiana.
7. Aguardo com alegria o encontro de sábado 20 de Outubro, para invocar o Senhor juntamente com um grande número de famílias. Será um momento importante, para reflectir sobre os desafios que dizem respeito à família e às responsabilidades dos vários sujeitos, no contexto da vida eclesial e social. Este complexo caminho, que vê as famílias italianas comprometidas tanto na reflexão como na participação na Vigília promovida pela Conferência Episcopal Italiana, terá o seu ápice na manhã de domingo, na Beatificação dos cônjuges Luigi e Maria Beltrame Quattrocchi. À espera de poder celebrar as maravilhas do Senhor, que se tornaram visíveis no caminho de santidade deste casal, dirijo o meu pensamento grato para todas as famílias comprometidas na construção da civilização do amor, enquanto acompanho com a oração estes dias de reflexão e de diálogo, invocando sobre todos a protecção e a proximidade de Maria, Rainha da Família.
Vaticano, 15 de Outubro de 2001.
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