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DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II
AO SENHOR
ALBERTS SARKANIS
NOVO EMBAIXADOR
DA LETÓNIA JUNTO DA SANTA SÉ*

15 de Maio de 2003 

Senhor Embaixador

É com prazer que lhe dou as boas-vindas ao Vaticano e que recebo as Cartas Credenciais através das quais Vossa Excelência é nomeado Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário da República da Letónia junto da Santa Sé. A sua presença hoje aqui, Senhor Embaixador, traz à mente memórias vivas da minha visita ao seu País, realizada há dez anos quando, como "peregrino da paz" (Discurso na cerimónia de chegada, Riga, 8 de Setembro de 1993, n. 4), cheguei ao meio do povo letão, não muito tempo depois que a sua Nação "tinha saído de uma dolorosa provação humana, política e social, que durou mais de meio século" (Ibid., n. 3). Enquanto lhe peço a amabilidade de transmitir as minhas saudações ao Senhor Presidente, ao governo e ao querido povo da Letónia, também exprimo a minha ardente esperança de que o seu País continue a progredir ao longo do caminho da liberdade, da unidade social e da paz.

Nas suas reflexões, Vossa Excelência mencionou o Acordo entre a Santa Sé e a República da Letónia, assinado por ambas as partes interessadas durante o ano 2000. Com a sua ratificação, realizada no ano passado, agora este Acordo passou a ser efectivo e oferece mais uma oportunidade para fortalecer as boas relações já existentes entre nós. Estou persuadido de que, tratando questões de comum interesse para nós, particularmente no que diz respeito à condição jurídica e à missão pastoral da Igreja católica que peregrina na Letónia, a imediata e completa aplicação deste Acordo servirá para aumentar o espírito de compreensão e de cooperação recíprocas, que nos une no nosso serviço à pessoa humana. Efectivamente, é a vocação pessoal e social da mesma pessoa humana que é servida tanto pela Igreja como pela comunidade política, cada uma delas no seu campo específico e com a sua particular competência, porque o homem não se limita às realidades temporais: embora viva num período específico da história, o homem é chamado à transcendência, o seu destino é a eternidade. É esta vocação especial e este destino final que devem informar e modelar as iniciativas económicas e políticas dos indivíduos, dos povos e das nações em geral.

O ensinamento social católico, inspirado pelos princípios universais que asseguram a justiça e a paz entre os indivíduos e os grupos, reconhece o papel positivo desempenhado pelas forças políticas e económicas na vida de uma nação. Mas se o progresso quiser ser autêntico, estas forças devem ser cuidadosamente subordinadas às grandes exigências éticas da justiça social, dos direitos humanos e do bem comum. Desta forma, a dignidade humana será defendida, a solidariedade entre os indivíduos e os grupos será encorajada e a harmonia social e a prosperidade serão promovidas. Em síntese, "o bem-estar material e espiritual da humanidade, a salvaguarda da liberdade e dos direitos da pessoa humana, o serviço público abnegado e a proximidade das condições concretas: tudo isto tem precedência sobre qualquer projecto político e constitui uma necessidade moral que, em si mesma, é a melhor garantia da paz nas nações e da paz entre os Estados" (Discurso ao Corpo Diplomático acreditado junto da Santa Sé, 13 de Janeiro de 2003, n. 6).

Senhor Embaixador, os valores de que estamos a falar aqui não são alheios ao seu País:  a partir do século XII, quando São Meinhard, o Apóstolo da Letónia, anunciava o Evangelho na sua terra, estes ideais penetraram no próprio tecido da sua vida nacional. Eles devem ser sempre fortalecidos e promovidos, enquanto a Letónia continua a sua peregrinação no terceiro milénio e a sua Nação se prepara para se tornar um membro de pleno direito de uma União Europeia mais vasta. A este propósito, é encorajadora a sua observação acerca do profundo impacto que a Cristandade teve sobre a história e a cultura da Europa. Efectivamente, a Cristandade manifesta uma reivindicação singular a uma posição privilegiada entre os valores que formarão e darão coesão a uma nova Europa, dado que "uma Europa que não reconhecesse o seu passado, que negasse a evidência da religião e que não tivesse uma dimensão espiritual, ficaria extremamente pobre diante do projecto ambicioso que exige todas as suas energias: construir uma Europa para todos" (Ibid., n. 5).

É por este motivo que a Santa Sé exorta a fim de que o futuro Tratado Constitucional da União Europeia contenha no seu preâmbulo uma referência explícita à religião e à herança cristãs da Europa. Com efeito, seria para desejar que, em pleno respeito pelo estado secular, esta Constituição reconhecesse três elementos complementares: primeiro, a importância da liberdade religiosa, não apenas nos seus aspectos indiviuais e colectivos, mas inclusivamente na sua dimensão institucional; segundo, a necessidade de um diálogo e de uma consulta entre a União Europeia e as comunidades dos crentes; terceiro, o respeito pela condição jurídica de que gozam as Igrejas e as instituições religiosas no seio dos Estados membros da citada União. Estes três princípios, que estão inter-relacionados entre si, farão com que a religião em geral e a Cristandade em particular continuem a oferecer uma contribuição insubstituível para a vida e as instituições europeias.

Naturalmente, a família é essencial para qualquer programa de autêntico progresso e desenvolvimento humano, tanto na Europa como alhures. Na declaração dos Direitos do Homem, da Organização das Nações Unidas, a família é reconhecida como "a unidade colectiva, natural e fundamental da sociedade", e este mesmo documento afirma, de maneira inequívoca, que a família "deve ser protegida pela sociedade e igualmente pelo Estado" (Artigo 16.3). Trata-se de uma verdade essencial da existência social humana, que não pode ser ignorada nem subestimada, dado que qualquer debilatação desta instituição indispensável não pode deixar de ser uma fonte de graves dificuldades e problemas. Por exemplo, quando prevalece uma noção utilitária e materialista da família, os seus membros tendem a alimentar expectativas egoístas e a fomentar exigências individualistas, em detrimento da unidade da família, enquanto diminuem a sua capacidade de construir a harmonia e de educar para a solidariedade. Por outro lado, onde a família é considerada como um valor em si mesmo, os seus membros compreendem que o seu bem pessoal coincide com o seu dever do amor, do respeito e da ajuda recíprocos.

O mesmo é verdade acerca da vida humana e de cada um dos seres humanos. Quando o valor, a dignidade e os direitos da pessoa humana são salvaguardados e promovidos, o tecido social fortalece-se e as prioridades dos povos e das nações são inseridas na justa ordem. Este é o motivo pelo qual a Igreja jamais se cansará de recordar às consciências que cada etapa da sua existência, desde o momento da concepção até à sua morte natural, deve ser rigorosa e decididamente salvaguardada. Do mesmo modo, a pessoa humana, em cada uma das fases da sua vida durante a infância, como adulto ou na terceira idade constitui um tesouro inestimável, que deve ser valorizado e estimado. Nem a vida humana, nem a pessoa do homem jamais podem ser legitimamente tratados como um objecto ou como uma posse, mas devem ser considerados como seres dotados pelo Criador da dignidade mais sublime, que exige maiores respeito e vigilância da parte dos indivíduos, das comunidades, das nações e das organizações internacionais.

Senhor Embaixador, estou convicto de que os laços de amizade que unem a Santa Sé e a República da Letónia hão-de ser revigorados cada vez mais, provando a sua utilidade no lançamento das bases cristãs, sobre as quais a Europa e o terceiro milénio deverão construir-se. No momento em que Vossa Excelência começa a sua missão, asseguro-lhe que os diversos Departamentos da Cúria Romana estarão prontos para lhe oferecer toda a assistência de que poderá precisar no cumprimento das suas altas responsabilidades. Sobre o Senhor Embaixador e o amado povo da Letónia, invoco as abundantes bênçãos de Deus Todo-Poderoso.


*L'Osservatore Romano n. 22 p. 10.

 


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