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 VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA JOÃO PAULO II À POLÓNIA

HOMILIA DO SANTO PADRE

Zamoc, 12 de Junho de 1999

 

1. «Bem-aventurada Aquela que acredita, porque vai acontecer o que o Senhor lhe prometeu» (Lc 1, 45).

Ao longo do percurso da nossa peregrinação através da terra polaca, encontramo-nos de novo com Maria. É um dom especial da graça divina o facto que, precisamente em Zamosc, onde Maria é venerada há gerações como Mãe da Divina Protecção, no Santuário-Catedral, devemos celebrar como que uma segunda etapa da solenidade do seu Coração Imaculado. Na hodierna liturgia encontramos Maria da Visitação. É bem conhecido o seu caminho depois da Anunciação: de Nazaré rumo aos subúrbios montanhosos da Judeia, onde mora a sua prima Isabel. Maria vai ajudá-la nos dias de preparação para a maternidade. Caminha pelas estradas da sua terra levando consigo o maior mistério.

Lemos no Evangelho que a revelação deste mistério aconteceu duma forma insólita. «Bendita és Tu entre as mulheres e bendito é o fruto do Teu ventre» (Lc 1, 42): com estas palavras Isabel saúda Maria. «Como posso merecer que a Mãe do meu Senhor me venha visitar?» (Lc 1, 43). Isabel já conhece o desígnio de Deus e o que, nesse momento, é um mistério seu e de Maria. Sabe que seu filho, João Baptista, deverá preparar o caminho do Senhor. Deverá tornar-se o mensageiro do Messias, d'Aquele que a Virgem de Nazaré concebeu por obra do Espírito Santo. O encontro das duas mães, Isabel e Maria, precede os acontecimentos que se deverão realizar e, num certo sentido, prepara-os. Bendita és Tu, que acreditaste na palavra de Deus que te anuncia o nascimento do Redentor do mundo, diz Isabel. E Maria responde com as palavras do Magnificat: «A minha alma proclama a grandeza do Senhor, e o meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador» (Lc 1, 46-47). Deveras, as grandes obras de Deus, os grandes mistérios de Deus realizam-se no escondimento, na casa de Zacarias. Toda a Igreja se referirá continuamente a eles, repetirá com Isabel: «Feliz daquela que acreditou» e, com Maria, cantará o Magnificat.

De facto, o acontecimento que se verificou na terra da Judeia encerra em si um conteúdo inefável. Eis que Deus veio ao mundo. Fez-Se homem. Por obra do Espírito Santo foi concebido no seio da Virgem de Nazaré para nascer na manjedoura de Belém. Mas antes que tudo isto aconteça, Maria traz Jesus, como todas as mães trazem em si o filho do seu seio. Traz não só a sua existência humana, mas todo o seu mistério, o mistério do Filho de Deus, Redentor do mundo. Por isso, também a visita de Maria à casa de Isabel é, num certo sentido, um acontecimento comum e, ao mesmo tempo, um evento único, extraordinário e irrepetível.

Eis que, juntamente com Maria vem o Verbo eterno, o Filho de Deus. Vem para estar no meio de nós. Como naquela época, no tempo que precedeu o nascimento e o ligara a Nazaré, depois à Judeia, onde morava Isabel, e definitivamente à pequena cidade de Belém, onde iria nascer, também agora cada uma das suas visitas o ligam sempre a outro lugar na terra, onde a celebramos na liturgia.

2. Hoje lemos o Evangelho da Visitação na terra de Zamosc. O mistério da vinda de Maria e do Filho, torna-se num certo sentido também nosso. Alegra-me muito o facto de poder viver este mistério juntamente convosco, na comunidade da Diocese de Zamosc-Lubaczów! É uma diocese jovem, mas com uma tradição religiosa e cultural tão rica, que remonta ao século XVI. Nela, desde o início, increvem-se profundos contactos com a Sé Apostólica: um fruto especial é a famosa Academia de Zamosc - a terceira depois de Cracóvia e Wilno - uma instituição académica na República da Polónia, fundada com o apoio do Papa Clemente VIII. A Colegiada de Zamosc, que tive a honra de elevar à dignidade de Catedral, é testemunha silenciosa, mas como nunca eloquente da herança dos séculos. Encerra em si não só os magníficos monumentos da arquitectura e da arte religiosa, mas também os restos mortais de quantos formavam esta grande tradição. Visitando esta bonita cidade e a terra de Zamosc, hoje sinto-me feliz por poder voltar a este tesouro plurissecular da nossa fé e da nossa cultura.

Saúdo cordialmente todos os fiéis aqui reunidos e quantos se uniram a nós espiritualmente. Saúdo o Pastor desta comunidade, o Bispo Jan com o Auxiliar Mariusz e todos os presbíteros e as pessoas consagradas. Dirijo palavras de saudação também aos representantes das Autoridades do Estado e das territoriais. Desejo exprimir particular gratidão aos que acompanham a minha peregrinação com a oração e com a oferta do seu sofrimento. Rezo a Deus para que eles participem das graças desta visita.

3. A colocação providencial da cena da Visitação de Maria na excepcional moldura da beleza desta cidade e desta terra, faz-me voltar à memória a narração bíblica da criação, que recebe a sua explicação e o seu completamento no mistério da Encarnação. Deus, nos dias da criação, olhava para a obra do seu desígnio e via que o que tinha feito era muito bom. Não podia ser doutra forma. A harmonia da criação reflecte a íntima perfeição do Criador. No final, Deus criou o homem. Criou-o à Sua imagem e semelhança. Confiou-lhe toda a magnificência do mundo para que, gozando dela e usando os seus bens de maneira livre e racional, colaborasse activamente para o aperfeiçoamento da obra de Deus. E a Escritura diz então que «Deus viu tudo o que havia feito, e tudo era muito bom» (Gn 1, 31). Contudo, depois do pecado original do homem, o mundo, como sua particular propriedade, num certo sentido partilhou o seu destino. O pecado não só interrompeu o vínculo de amor entre o homem e Deus e destruiu a unidade entre os homens, mas perturbou também a harmonia de toda a criação. A sombra da morte não pousou só sobre o género humano, mas também sobre tudo o que por vontade de Deus devia existir para o homem.

Todavia, se falarmos da participação do mundo nos efeitos do pecado do homem, damo-nos conta de que também ele não podia ser privado da participação na promessa divina da Redenção. O tempo do cumprimento desta promessa para o homem e para a inteira criação chegou quando Maria, por obra do Espírito Santo, se tornou Mãe do Filho de Deus. Ele é o primogénito da criação (cf. Cl 1, 15). Tudo o que foi criado, estava n'Ele desde sempre. Se vem ao mundo, vem à sua propriedade, como diz S. João (cf. Jo 1, 11). Vem para voltar a abraçar a criação, para iniciar a obra da redenção do mundo, para restituir à criação a sua original santidade e dignidade. Vem para nos fazer ver, com a sua própria vinda, esta particular dignidade da natureza criada.

Ao percorrer a terra polaca - do Báltico, através da Wielkopolska, da Masóvia, da Warmia e da Masuria - e depois as suas regiões orientais - de Bialystok até Zamosc - e ao contemplar a beleza desta terra pátria, vem-me à mente esta particular dimensão da missão salvífica do Filho de Deus. Aqui parece que falam, com um poder excepcional, o azul do céu, o verde dos bosques e dos campos, o brilho dos lagos e dos rios. Aqui ecoa particularmente familiar, polaco, o canto dos passarinhos. E tudo isto testemunha o amor do Criador, o poder vivificante do seu Espírito e a redenção realizada pelo Filho para o homem e para o mundo. Todas estas criaturas falam da sua santidade e dignidade, readquiridas quando Aquele que foi «gerado antes de todas as criaturas» assumiu o corpo por Maria Virgem.

Se hoje falo de tais santidade e dignidade, faço-o em espírito de acção de graças a Deus, que realizou obras tão grandes para nós; ao mesmo tempo, faço-o em espírito de solicitude pela conservação do bem e da beleza concedida pelo Criador. Com efeito, existe o perigo de que aquilo que faz rejubilar tanto o olhar e exultar o espírito, possa sofrer a destruição. Sei que os Bispos polacos exprimiram esta preocupação há já dez anos, dirigindo-se a todos os homens de boa vontade, numa Carta Pastoral sobre o tema da tutela do meio ambiente.

Escreveram justamente que «qualquer actividade do homem, como de um ser responsável, tem uma dimensão moral. A degradação do ambiente atinge o bem da criação oferecido ao homem por Deus Criador, como indispensável para a sua vida e para o seu desenvolvimento. Existe a obrigação de fazer bom uso deste dom em espírito de gratidão e de respeito. Por outro lado, a consciência de que este dom se destina a todos os homens, constitui um bem comum, gera uma oportuna obrigação em relação ao próximo. Portanto, é preciso reconhecer que qualquer acção que não tem em consideração o direito de Deus sobre a sua obra, como também o direito do homem, objecto de generosidade por parte do Criador, está em contraste com o mandamento do amor (...). Por conseguinte, é necessário dar-se conta de que existe um pecado grave contra o ambiente natural que pesa sobre as nossas consciências, que gera uma séria responsabilidade em relação a Deus Criador» (2.5.1989).

Se estamos a falar da responsabilidade perante Deus, somos conscientes de que não se trata apenas daquilo que, na linguagem de hoje, se chama habitualmente ecologia. Não basta procurar a causa da destruição do mundo só numa excessiva industrialização, numa acrítica aplicação na indústria e na agricultura de conquistas científicas e tecnológicas, ou numa ansiosa busca da riqueza sem considerar os futuros efeitos destas acções. Mesmo não podendo negar que tais acções causem grandes danos, é fácil observar que a sua fonte se encontra mais em profundidade: na própria atitude do homem. Parece que o que se demonstra mais perigoso para a criação e para o homem seja a falta de respeito pelas leis da natureza e o desaparecimento do sentido do valor da vida.

A lei inscrita por Deus na natureza e que pode ser lida por meio da razão, induz ao respeito do desígnio do Criador - de um desígnio que tem por objectivo o bem do homem. Esta lei estabelece uma certa ordem interior que o homem encontra e que deveria conservar. Qualquer actividade que se oponha a esta ordem fere inevitavelmente o próprio homem.

Acontece assim quando se perde o sentido do valor da vida como tal, e sobretudo da vida humana. Como é possível defender eficazmente a natureza, se são justificadas as iniciativas que ferem o próprio coração da criação, que é a existência do homem? É possível opor-se à destruição do mundo, se em nome do bem-estar e da comodidade se admitem o extermínio dos nascituros, a morte provocada dos idosos e dos enfermos e, em nome do progresso, são feitas inadmissíveis intervenções e manipulações já no início da vida humana? Quando o bem da ciência ou os interesses económicos prevalecem sobre o bem da pessoa, e até de inteiras sociedades, as destruições provocadas no meio ambiente são sinal de autêntico desprezo do homem. É preciso que todos os que se preocupam pelo bem do homem neste mundo dêem um constante testemunho de que «a norma fundamental, capaz de inspirar um sadio progresso económico, industrial e científico, é o respeito pela vida e, em primeiro lugar, pela dignidade da pessoa humana» (L'Osserv. Rom., ed. port. de 17.12.89, pág. 5, n. 7).

4. «Porque n'Ele foram criadas todas as coisas. Ele existe antes de todas as coisas e todas têm n'Ele a sua subsistência (...). Porque agradou a Deus que residisse n'Ele toda a plenitude, e por Ele fossem reconciliadas Consigo todas as coisas, pacificando, pelo sangue da Sua Cruz, tanto as da terra como as dos Céus» (Cl 1, 16-17.19-20). Estas palavras de S. Paulo parecem traçar o caminho cristão de defesa daquele bem que é todo o mundo criado. É a via da reconciliação em Cristo. Mediante o sangue da cruz e a ressurreição, Ele restituiu à criação a ordem original. De agora em diante o mundo inteiro, e no seu centro o homem, foi arrancado à escravidão da morte e da corrupção (cf. Rm 8, 21), num certo sentido, foi criado de novo (cf. Ap 21, 5) e já não existe para a morte, mas para a vida, para a vida nova em Cristo. Graças à união com Cristo o homem redescobre o próprio lugar no mundo. Em Cristo experimenta de novo aquela harmonia original, que existia entre o Criador, a criação e o homem antes de sucumbir sob os efeitos do pecado. N'Ele relê a chamada originária de subjugar a terra, que é a continuação da obra divina da criação, e não a incontrolada exploração.

A beleza desta terra induz-me a invocar a sua conservação para as gerações futuras. Se amais esta terra pátria, que esta invocação não permaneça sem resposta! Dirijo-me, de modo especial, a quantos foi confiada a responsabilidade deste País e do seu progresso, exortando-os a não esquecerem o dever de o proteger contra a destruição ecológica! Preparem programas para a tutela do ambiente e vigiem sobre a sua eficaz realização! Sobretudo, assumam atitudes de respeito pelo bem comum, pelas leis da natureza e da vida! Sejam apoiados pelas organizações, que têm como objectivo a defesa dos bens naturais! Na família e na escola não pode faltar a educação para o respeito pela vida, pelo bem e pela beleza. Todos os homens de boa vontade deveriam cooperar nesta grande obra. Cada discípulo de Cristo verifique o estilo da própria vida, para que a justa aspiração ao bem-estar não ofusque a voz da consciência, que pondera o que é justo e o que é autenticamente bom.

5. Se falo do respeito pela terra, não posso esquecer aqueles que mais lhe estão ligados e conhecem o seu valor e dignidade. Penso nos agricultores, que não só em Zamosc, mas em toda a Polónia, enfrentam a dura fadiga dos campos, tirando deles os produtos indispensáveis para a vida dos habitantes das cidades e das aldeias. Ninguém, como quem cultiva a terra, pode testemunhar como ela, se for estéril, não dá frutos, e se, ao contrário, for tratada com amor é uma generosa nutriz. Inclino a cabeça, com gratidão e respeito, diante daqueles que durante séculos fertilizaram esta terra com o suor da fronte, e quando era necessário defendê-la não pouparam nem sequer o sangue. Com o mesmo reconhecimento e respeito, dirijo-me aos que também hoje empreendem o duro trabalho de cultivar a terra. Deus abençoe o trabalho das vossas mãos!

Sei que num tempo de transformações sociais e económicas não faltam problemas que muitas vezes atormentam dolorosamente a zona rural polaca. É preciso que no processo das reformas sejam reconhecidos os problemas dos agricultores e resolvidos no espírito da justiça social.

Falo acerca disto na terra de Zamosc, onde o problema rural é tratado desde há séculos. Basta recordar as obras de Szymon Szymonowic, ou a actividade da Sociedade Rural fundada em Hrubiezów, há duzentos anos. Também o Cardeal Stefan Wyszynski, como Bispo local e depois Primaz da Polónia, recordou muitas vezes a importância da agricultura para a Nação e para o Estado, a necessidade da solidariedade com a população rural por parte de todos os grupos sociais. Hoje, não posso deixar de me inserir nesta tradição. Faço-o repetindo com o Profeta estas palavras cheias de esperança: «Porque assim como a terra produz os seus gérmens e o jardim faz brotar as suas sementes, assim o Senhor Deus fará germinar a justiça» (Is 61, 11).

6. Dirijamos o nosso olhar para Maria e invoquemo-la com as palavras de Isabel: «Feliz daquela que acreditou que teriam cumprimento as coisas que lhe foram ditas da parte do Senhor» (Lc 1, 45).

Feliz és tu, Maria, Mãe do Redentor. Confiamos-te hoje o destino da terra de Zamosc e da terra polaca e todos os que vivem e trabalham nela, realizando a chamada do Criador a subjugá-la. Guia-nos com a tua fé neste tempo novo, que se abre diante de nós. Fica connosco junto do teu Filho, Jesus Cristo, que quer ser para nós o Caminho, a Verdade e a Vida.

 

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